Malhação do Judas: os trinta dinheiros mais caros da História

Um dos costumes durante a confecção do boneco é colocar, em um de seus bolsos, uma "súmula” contendo um descritivo detalhado das "traições” cometidas por aquele Judas
sábado, 04 de abril de 2015
por Jornal A Voz da Serra

No Sábado de Aleluia, um dia antes da Páscoa, ao meio-dia, uma horda de justiceiros segue pelas ruas da cidade — qualquer cidade — destruindo um boneco de pano de proporções humanas — que já sofrera enforcamento na noite anterior, a Sexta-Feira Santa — e cujo rosto representa alguma figura pública de relevância naquele momento: o presidente da República, o prefeito, o técnico de algum time de futebol. Segue-se o festival de xingamentos, chutes, socos e cusparadas, como que um ritual visceral de exorcismo, de vingança, ou, como sugerido no início do texto, um ritual de justiça. No fim, com o boneco aos pedaços, rasgado, destituído de membros, acende-se a fogueira. Põe-se fogo nos restos. Deu-se, então, a malhação do Judas.

Como outras tantas tradições que transcendem as gerações e ultrapassam os séculos, principalmente entre os moradores de cidades de interior, longe das megalópes, apesar de ter sua base calcada em um determinado tempo litúrgico católico — no caso, a malhação do Judas representaria o julgamento, a condenação e a execução do traidor Judas Iscariotes; a vingança do povo contra aquele que vendeu Jesus por 30 moedas —, alguns historiadores apontam para uma releitura do Homem de vime, um costume pagão de séculos antes de Cristo, de celebração das colheitas, no qual um boneco de palha era queimado. Uma vez incendiado o boneco, acreditava-se estar submetendo o deus da plantação ao poder inegável do sol, garantindo com isso a luz, o calor e o bom tempo necessários aos cultivos. Este costume teria evoluído para a Queima de Judas e, posteriormente, à atual Malhação de Judas.

No Brasil, a tradição necessariamente ficou associada a Judas Iscariotes, uma vez que o costume fora introduzido na América Latina pelos portugueses e espanhóis no século XVI. Ainda no período colonial, os brasileiros passaram a personificar no boneco de Judas figuras locais, como o homem mais fofoqueiro do bairro ou um vizinho malvisto por seus pares; logo, a revolta atingiu também as autoridades políticas, tidas como os culpados pela situação social difícil da população. Até hoje, a predileção na máscara que estampa o rosto do boneco continua sendo pelos políticos brasileiros, nas esferas federal, estadual e municipal.  O historiador Oliveira Lima relata no livro "Dom João VI no Brasil” que a brincadeira chegou a ser proibida no país, após o sábado de Aleluia de 1821, quando a população retratou Judas como as principais figuras da administração no país. Porém, dadas as imensas Dilmas de palha queimadas hoje em dia por todo o país, parece que a proibição não chegou longe.

Um dos costumes durante a confecção do boneco é colocar, em um de seus bolsos, uma "súmula” contendo um descritivo detalhado das "traições” cometidas por aquele Judas (judas-presidente, judas-prefeito, judas-governador); um texto geralmente escrito em versos. Considerando todo o dinheiro que some dos cofres públicos ano a ano, os "trinta dinheiros” que Iscariotes recebeu por Jesus são fichinha perto dos montantes arrancados da população todos os dias no Brasil. 

A pergunta é: o que você escreveria nestes versos? Quem é o seu Judas?

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TAGS: religião
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