Lumiar: turismo e programações culturais, segundo Vovô

quinta-feira, 14 de abril de 2011
por Jornal A Voz da Serra
Lumiar: turismo e programações culturais, segundo Vovô
Lumiar: turismo e programações culturais, segundo Vovô

Derci Klein, nascido em 15 de maio de 1963, é bastante conhecido, mas pelo apelido de Vovô, que não combina muito com sua idade. Ele não se diz lumiarense, porque nasceu e viveu os primeiros anos da infância em uma localidade conhecida como Ponte dos Alemães, próximo ao Encontro dos Rios, local onde o Rio Macaé recebe o Rio Bonito. Embora faça parte do distrito de Lumiar e não fique a mais de cinco minutos de carro do centro, é interessante notar que quando a maioria das pessoas fala em Lumiar, refere-se ao centro da localidade, excluindo os arredores. É que, em outros tempos, as diversas localidades eram isoladas umas das outras, com acessos difíceis, restringindo a circulação das pessoas.

Vovô ganhou o apelido ainda criança por ter, então, cabelos muito claros, quase brancos. Tal como a senhora Noêmia Klein, Vovô se desenvolveu em um ofício em que se relaciona muito com as pessoas de fora. Ela foi a criadora da Pousada Klein, ainda em 1969, e ele, do Bar do Vovô. Uma característica destes trabalhos é o contato com pessoas que procuram Lumiar por suas belezas naturais.

Dona Noêmia Brust Klein e seu marido, Liberino Klein, foram os pioneiros do negócio de turismo em Lumiar. Mudaram-se de Rio Bonito em 1964 e compraram as terras onde hoje está a Pousada Klein. Viveram da agricultura, mesmo quando, em 1969, se iniciaram no turismo, com uma pequena pensão.

A então Pensão Klein atendia aos poucos viajantes comerciais que se aventuravam pela região. Dona Noêmia conta que às vezes ficavam até três meses sem um hóspede. Ela e seus familiares entendem que os hippies foram os iniciadores do turismo em Lumiar. A partir deles, outros públicos começaram a se interessar pela região.

Carlos Bini, de Nova Friburgo, diretor do filme Geração Bendita, que conta histórias dos hippies em Nova Friburgo, fez parte de um dos grupos que frequentava Lumiar. Ele se lembra das refeições de dona Noêmia, que sempre tinham aroz, feijão e aipim frito.

Vovô desenvolveu a mesma vocação desses seus parentes distantes, mas com negócios também em Lumiar, e conversou com A VOZ DA SERRA, na noite do último domingo, 10 de abril, quando o movimento em seu bar e restaurante já era menos intenso. Nessa conversa, algumas considerações sobre as mudanças da vida social, sobre o papel do turismo e das atividades culturais para a economia local.

A VOZ DA SERRA – Quando você era criança, esta região era completamente isolada, não era?

Vovô – Totalmente isolada.

AVS – O que você tem de lembrança mais marcada?

Vovô – Quando vim morar aqui, em 1969, com 6 anos, em Lumiar só existia calçamento no centro, na praça, na área em volta do lago e nada mais. Havia a Rua Sete de Setembro, mas não era calçada. A estrada Mury-Lumiar era toda de terra. Em 1982, asfaltaram a metade da estrada, de Mury até onde fica hoje o Sítio Friburguinho [aproximadamente no Km 12]. Em 1983, afastaram a outra parte. Em dezembro de 1984, chegou a luz.

AVS – E o telefone?

Vovô – O posto telefônico chegou aqui em 1994. Linhas de telefone nas casas e no comércio, em 1996. Celular, há mais ou menos dez anos. Aqui, antes de haver geladeira elétrica, era a gás. Ainda vi geladeira a querosene.

AVS – Nesta região aqui, o povo vivia basicamente da agricultura e ninguém pensava que isto fosse se desmanchar, não é? Você, então, cresceu justamente no período em que essa vida começou a mudar ...

Vovô – É, começou a sair da agricultura para o turismo. No início, 90% viviam da agricultura, hoje, no mínimo 95% da localidade vivem do turismo. Eu participei dessa mudança. O grande responsável por essa mudança foi uma pessoa, o Beto Guedes. A natureza daqui nós temos que agradecer muito a Deus. E o Beto Guedes divulgou Lumiar para o Brasil. Ele, foi, então o grande responsável por essa mudança da agricultura para o turismo. O pessoal começou a ouvir a música e a pensar: “Ah! Vou conhecer Lumiar”. A maioria das pessoas que chegava aqui dizia que tinha vindo por causa da música [do Beto Guedes].

AVS – O Beto Guedes foi responsável pela divulgação, mas o preço dos produtos agrícolas estava caindo ...

Vovô – O fato da região ser montanhosa trazia dificuldades para o plantio, para limpar e capinar. E tudo aqui era feito a mão, a enxada. Não era com máquinas. Em grandes fazendas, hoje, esse trabalho é feito com máquinas. E aí o pessoal foi vendo que o turismo era melhor. Alguns começaram a fazer casas para alugar, outros fizeram pousadas. Para se ter um ideia: lá em casa, todo mundo trabalhava na lavoura. Hoje todo mundo, lá, vive do turismo. Eu mesmo cheguei a trabalhar na lavoura, com 6 ou 7 anos. Trabalhava meio período e em meio período, estudava. Quando tinha 9 anos, comecei a trabalhar no comércio, na Casa Klein, aqui na esquina, que é do meu pai desde 1971. Meu pai cuidava das coisas dele e eu trabalhava no mercadinho.

AVS – Foi aí que você despertou para essa possibilidade de ser um comerciante ligado ao turismo?

Vovô – Exatamente.

AVS – E o seu ramo de comércio, hoje, é muito ligado às pessoas de fora, não é?

Vovô – É, tenho que admitir isto. Tenho frequentadores da localidade, mas grande parte vem do turismo. E foi nessa época em que comecei a trabalhar no mercadinho do meu pai, a Casa Klein, que comecei. Primeiro criei o bar aqui em baixo, já o Bar do Vovô, e depois passei aqui para cima [para o sobrado]. Isso foi em janeiro de 1984 ...

AVS – ... na época em que a energia elétrica chegou. Agora, retomando essa questão a que você se referiu do Beto Guedes: se você considera que o Beto Guedes foi responsável pela transformação de Lumiar em local de turismo, você acredita que as atividades culturais são muito importantes para a região, não é?

Vovô – Com certeza.

AVS – Por exemplo, ontem, a banda da Euterpe Lumiarense fez sua reestreia. Você acha que atividades assim podem contribuir para a atração de visitantes a Lumiar?

Vovô – Pois é. Eu até saí para ouvi-la tocar.

AVS – E o que você sentiu? Você chegou a conhecer a banda antigamente?

Vovô – Não, não cheguei a conhecer. Nós não morávamos ainda aqui. Quando viemos para cá, a banda já tinha parado. Mas eu me senti naquela época com a banda. O pessoal comentava e eu via os quadros que existiam ali na sede da Euterpe. Eu achei muito bom e saí para ouvir a banda. Deixei minha esposa aqui e fui lá.

AVS – E você acha que ela trouxe público?

Vovô – Ela trouxe e vai trazer ... era um fim de semana comum e a praça estava cheia. Imagina em um desses feriados com a bandinha tocando na praça! E eu ouço o pessoal falar que, quando tinha a banda de música, tinha também uma banda de jazz, com o mesmo pessoal. Não cheguei a ver, mas tenho foto. Muita gente veio aqui para o bar esperar a hora da apresentação da banda, umas 15 pessoas.

AVS – Quer dizer que, além da importância cultural, esse tipo de atividade tem significado comercial, não é?

Vovô – Pois é. Tenho uma matéria feita para a televisão com o Beto Guedes, que veio aqui gravar um clipe, em 1999. Ele fala da sede da Euterpe, que estava fechada. Ele diz que esperava que a porta se abrisse para novos talentos daqui de Lumiar. Tenho esse DVD e nele aparece, inclusive a fachada da sede da Euterpe. Depois desse clipe ele veio, em 2000, fazer um show aqui em Lumiar. E agora vai voltar, em 16 de julho vai fazer um show aqui, para comemorar os 35 anos da música Lumiar. Daqui a duas semanas, os organizadores do show vão fazer uma reunião aqui.

AVS – Como você vê essas atividades culturais relacionadas com a educação? Elas podem contribuir?

Vovô – Eu acho fundamental, principalmente em um lugar que está crescendo como Lumiar. Isso impede que as crianças cresçam sem ter o que fazer.

AVS – No tempo das atividades mais agrícolas, essas crianças não ficavam tão perdidas, não é?

Vovô – Não ficavam tanto na rua porque não havia o que fazer e também porque os pais tinham sempre uma ocupação para elas. Foi o meu caso, chegava sete horas da noite, meu pai não queria que eu ficasse na rua. Hoje mudou, um adolescente vai dormir três, quatro horas da manhã.

AVS – Você chegou a conhecer a professora Maria Mouta?

Vovô – Conheci, mas ela não foi minha professora, porque ela só dava aula para quem era seminarista. Cheguei a estudar, em aulas de reforço, com alguns alunos para quem ela dava aulas.

AVS – E o bispo dom Clemente Isnard, ele costumava vir aqui, não é?

Vovô – Vinha muito. Às vezes ele vinha quando havia algum evento.

AVS – Você falou da natureza de Lumiar. Você tem a noção de como isto aqui é diferente?

Vovô – Tenho porque, quando tirei férias de um ano, dei uma saída e não vi em nenhum lugar com tanto verde como aqui. Nova Friburgo tem 15% da mata atlântica do estado. Eu não vi nenhum lugar parecido com isto aqui.

AVS – E por onde você andou?

Vovô – Andei pela Região do Lagos e pela proximidade de Valença, conheci Conservatória. Mas não vi nada parecido com isto aqui, nada. Ou era pasto de boi, ou era plantação. Para se entender como aqui é especial — já venho vendo isto há muito tempo — veja o que aconteceu com o resto de Nova Friburgo. E aqui não houve praticamente nada.

AVS – Mas na estrada Mury-Lumiar houve muitos deslizamentos.

Vovô – É, mas os lugares onde aconteceram esses deslizamentos nem pertencem a Lumiar. São mais perto de Mury.

AVS – E por que você acha que essas coisas aconteceram assim?

Vovô – Eu acho que aqui é um lugar especial, protegido por Deus.

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