Lula, FHC e a mitologia

segunda-feira, 09 de novembro de 2009
por Jornal A Voz da Serra

Maurício Siaines (*)

Enganei-me na matéria publicada em 24 de outubro quando afirmei ser de Jackson do Pandeiro a música que fazia referência ao sorriso de Getúlio Vargas. Na verdade, trata-se de marchinha de carnaval, feita logo depois da eleição de Getúlio, em 3 de outubro de 1950, de Haroldo Lobo, que tinha o seguinte refrão:

“O sorriso do velhinho

faz a gente trabalhar.”

A música de Jackson do Pandeiro que falava de Getúlio começava da seguinte maneira:

“Ele disse muito bem:

O povo de quem fui escravo

Não será mais escravo de ninguém.”

E segue recorrendo a outros trechos da carta-testamento de Vargas.

Fui alertado para o erro pelo leitor Jorge Miguel Mayer, historiador e organizador, junto com o também historiador João Raimundo de Araújo, do livro Teia Serrana. Agradeço a ele, lembrando, porém, que o engano não altera o sentido geral da reflexão que propus sobre os mitos na vida urbana.

Continuando a falar de mitos, é importante observar que eles cumprem uma função na vida social, prescrevem comportamentos socialmente aceitáveis, estabelecendo o que está certo fazer e o que está errado.

Na época do suicídio de Getúlio Vargas, em agosto de 1954, além do próprio Getúlio, outra figura inflamava a opinião de outra parte da sociedade, o então jornalista Carlos Lacerda, que viria a ser deputado federal, governador do estado da Guanabara, que se formaria com a mudança da capital para Brasília, e uma das principais lideranças civis do golpe de 1964.

Os mitos da política cumprem a mesma função de criar alinhamentos. Mais do que os partidos políticos, ainda são figuras como Getúlio Vargas que definem alinhamentos políticos. Mais facilmente reconhecem-se os perfis de getulistas ou lacerdistas do que os partidos PTB ou UDN. Dentro da mesma lógica, hoje, assistimos à figura de Lula tornar-se cada vez mais independente do PT no entendimento popular.

Partidos deveriam ser identificados por suas ideologias e seus projetos políticos para o conjunto da sociedade. No entanto, em nada se diferenciam uns dos outros, tornaram-se apenas agências de cargos políticos lideradas por antigos caciques, semelhantes às agências de empregos. Pelo menos é cada vez mais esta a visão que se tem deles. O que, mais que lamentável, é algo que põe a democracia em risco.

Alguém já lembrou que, ao final do governo Lula, o Brasil terá completado 16 anos com estabilidade financeira e institucional rara em sua história. Continua com imensa dívida social, em função da escravidão, dos deslocamentos de seres humanos com as migrações internas, aproveitadas por um processo de crescimento urbano irracional e sem infraestrutura. Mas sem as instituições democráticas funcionando e com a moeda instável fica muito mais difícil trabalhar no sentido de pagar essa dívida. Já tivemos a experiência.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em artigo publicado em em jornais de circulação nacional no domingo, 1º de novembro, criticando o governo atual, fala de como as pequenas transgressões, os arranhões na legitimidade institucional, abrem caminho para uma espécie de acomodação que lentamente vai levando ao descrédito todo o sistema democrático. E, nessa situação, o que acaba acontecendo é o crescimento das tentações autoritárias conjugadas com a antiga tradição coronelista. É um filme que não vale a pena ser revisto.

Um exemplo notável de desrespeito às normas da sociedade democrática aconteceu mais uma vez, recentemente, no final de outubro, no Senado, que simplesmente promoveu uma manobra, bem no estilo ‘jeitinho brasileiro’, tentando não cumprir uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O senador Expedito Júnior (PSDB-RO) havia sido cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de seu estado por “abuso de poder econômico e compra de votos” na campanha de 2006. Recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que era um direito seu, que manteve a decisão do TRE de Rondônia. Recorreu, então ao STF, que manteve as decisões anteriores. Depois de tudo isto, o ex-senador recorreu à Mesa Diretora do Senado, que se julgou no direito de sobrepor-se à maior corte de Justiça do país e encaminhou a questão à Comissão de Constituição e Justiça do próprio Senado, atribuindo assim a ela mais importância do que ao Poder Judiciário. Ou seja, a “casa do compadrio”, como já foi chamado o Senado, tentou ‘dar um jeito’ de salvar um dos compadres. O ex-senador dignou-se, enfim, na última quinta-feira, dia 6, a cumprir a decisão do STF, depois de muitas idas e vindas.

Coisas como esta precisam ser banidas da vida nacional, as eleições de 2010 são um dos caminhos para esse banimento. Mais importante, ainda, é o dia a dia das relações sociais, o espaço onde será possível abandonar essas práticas.

(*) Jornalista – mauriciosiaines@gmail.com

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