Literatura - Vinicius de Moraes - Poeta brasileiro

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014
por Jornal A Voz da Serra

Robério José Canto

Guimarães Rosa disse que as pessoas não morrem, ficam encantadas. Eu, por exemplo, me encantei no dia 9 de julho de 1980, mas meus versos ficaram, encantando tanta gente, no Brasil e no mundo. 

Advogado, nunca advoguei. Minha tribuna foram os livros e os discos. Crítico de cinema, nada critiquei. Já no ano de minha formatura publiquei "O caminho para a distância”. Estudei inglês e literatura na Universidade Oxford, em Londres, e trabalhei na BBC. Entrei para a carreira diplomática, fui vice-cônsul em Los Angeles, servi também em Paris, Roma e Montevidéu. Em 1968, eu insistia em cantar e ter esperança, e por isso fui aposentado compulsoriamente pela turma do mau humor que então mandava no Brasil. O ex-presidente Figueiredo disse que eu fui cassado "por vagabundagem”.

"Enquanto o mar inaugura/ Um verde novinho em folha/ Argumentar com doçura/ Com uma cachaça de rolha/ E com o olhar esquecido/ No encontro de céu e mar/ Bem devagar ir sentindo/ A terra toda rodar”

"Garota de Ipanema”, que compus com meu amigo Tom Jobim, está entre as primeiras músicas mais executadas em todo o mundo. Fiquei sabendo que essa música é tocada sem cessar — literalmente sem cessar — porque quando silencia em um ponto do planeta, já está começando a ser ouvida em algum outro lugar. Isso me lembra de quando disseram ao Tom que só os Beatles eram mais tocados do que ele. Resposta do Tomzinho: "É, mas eles eram quatro!”

Fui registrado como Marcus Vinicius Mello de Moraes, depois apenas Vinicius de Moraes, poeta e compositor, dramaturgo e diplomata, nascido no Rio de Janeiro em 1913, o branco mais negro da Bahia, a quem os amigos tratavam apenas por "poetinha”. E isso é o que, na verdade, eu fui: poeta por toda a vida, em tudo na vida. 

"Poeta, poetinha vagabundo/ quem dera todo mundo/ fosse assim como você” (Toquinho)

Amei muitas mulheres e todos os meus amores foram infinitos enquanto duraram. Tanto que me casei nove vezes e tive cinco filhos. Para falar a verdade, fui mais fiel aos meus parceiros musicais: Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Francis Hime, Carlos Lyra, Chico Buarque, Antonio Carlos Jobim, Pixinguinha, Ari Barroso... a lista não tem fim! O resultado ficou na história da MPB: "Garota de Ipanema”, "Gente Humilde”, "Aquarela”, "Arrastão”, "A Rosa de Hiroshima”, "Insensatez”, "Eu Sei Que Vou Te Amar”, "A Felicidade”, "Marcha da Quarta-feira de Cinzas” e "Minha Namorada”. 

"De tudo ao meu amor serei atento/ Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto/ Que mesmo em face do maior encanto/ Dele se encante mais meu pensamento”

"Rancho das Flores” foi baseada em "Jesus, Alegria dos Homens”, de Johann Sebastian Bach. "Arrastão”, que compus com Edu Lobo, ganhou o Primeiro Festival Nacional de Música Popular Brasileira, interpretada por Elis Regina. 

Toquinho! Grande parceiro e amigo. Juntos fizemos — dentre outros sucessos — "Aquarela”, "A Casa”, "As Cores de Abril”, "Para Viver Um Grande Amor” e "Regra Três”. 

O disco fundamental da Bossa Nova "Chega de Saudade”, gravado por Elizeth Cardoso, tinha, além da música-título, outras tantas composições minhas e do Tom. Sem falar na batida então inédita e desde então famosa do violão de João Gilberto. Nem sei quantos cantores e cantoras gravaram minhas músicas — dezenas? Centenas? 

Embora tenha escrito que "então a criançada toda chega/ E eu chego achar Herodes natural”, fiz até disco para elas: a "Arca de Noé”, lançado em 1980 para o público infantil. 

"Era uma casa/ Muito engraçada/ Não tinha teto, não tinha nada/ Ninguém podia entrar nela não/ Porque na casa não tinha chão”

Escrevi a peça "Orfeu da Conceição”, que o diretor francês Michel Camus transformou no filme "Orfeu Negro”, para o qual compus também a trilha sonora. Esse filme recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes, o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e o Oscar de melhor filme estrangeiro. 

Minha poesia teve duas fases. A primeira é mística, muito marcada por sentimentos cristãos, mais lírica e erudita. Isso está, sobretudo, nos livros "O Caminho para a Distância” e "Forma e Exegese”. Na segunda fase, voltei-me para o cotidiano, a presença feminina e o amor, como em "Ariana, A Mulher” e em tantos outros poemas que compus. 

Ó minha amada/ Que os olhos teus/ Se Deus houvera/ Fizera-os Deus/ Pois não os fizera/ Quem não soubera/ Que há muitas eras/ Nos olhos teus...

Por outro lado, não permaneci indiferente aos grandes temas sociais do meu tempo. "A Rosa de Hiroshima”, e "O Operário em Construção” são alguns dos meus poemas de denúncia e solidariedade. 

"Não sabia, por exemplo/ Que a casa de um homem é um templo/ Um templo sem religião/ Como tampouco sabia/ Que a casa que fazia/ Sendo a sua liberdade/ Era a sua escravidão”

Pelo que me lembro, meus livros são mais de vinte. Alguns exemplos: ”Poemas, Sonetos e Baladas”, "Pátria Minha”, "Livro de Sonetos”, "Pobre Menina Rica”, "Para Uma Menina com uma Flor”, "Para Viver um Grande Amor”. 

Bem, isso é um pouco do que eu fui e do que eu fiz. Mas não preciso falar muito mais: minha poesia fala por mim. Minha poesia fala por todos os que amam, por todos que sonham, por todos que querem um mundo de mais paz e alegria. 

Por isso, minha poesia fala também por você. 

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