LETRA LIVRE: São João Gilberto no altar do Municipal

Por Sérgio Bernardo
sexta-feira, 29 de agosto de 2008
por Jornal A Voz da Serra

Alguém da platéia ouve o veterano cantar, jovialíssimo nos seus 77 anos, e em conversa consigo mesmo responde que sim, já foi à Bahia. Por sinal, quer logo retornar e estar nos lugares a que não foi, por falta de tempo, por economia de já parcos reais, ou pelos dois motivos somados. A Bahia é linda e Salvador enfeitiça, da paisagem vista junto ao Elevador Lacerda a cada um dos seus terreiros de candomblé. A começar pelo do Gantois.

O baiano tem razão ao bisar no palco do Municipal a canção de Dorival Caymmi, agora estrela de verdade, no sentido brilhante da palavra. O homem branco, da bata aos cabelos, do bigode às calças, caboclo urbano da Cidade Maravilhosa, está lá, com certeza, abençoando a apresentação do amigo João Gilberto. Presente em cada nota ou verso de Você já foi à Bahia?, composta para a terra que o abrigou quando jovem. Um espectador mais doidivanas sentiu vontade de sair do teatro e ir direto para o Galeão. Prestes a acatar a provocação do cantor, amanhecendo na Praia de Amaralina.

Muitos, escutando o ícone bossa-nova, nem lembram que logo ali na esquina o bicho tá pegando. Um casal mais adiante está sendo assaltado ou, um pouco mais longe, na subida de um morro, balas de fuzil se perdem como crianças em feiras lotadas. Levados a uma outra dimensão, atendem ao coro que puxa Chega de Saudade, por segundos esquecidos que o clamor geral da sua bela ex-capital há muito tem sido “chega de violência!”. Ah, que pena dos que não se deixam encantar pela magia da música, dos que não se entregam à graça da poesia... Como devem ter as vidinhas pobres de marré, pobres, pobres de marré de si.

Dirá amanhã a crítica que já é show histórico este do homem do violão baixinho e da voz sussurrante, ao desfiar o rosário dos seus maiores sucessos em sessenta minutos (transformados em noventa com o choro do bis de meia hora). Mas, mesmo que dissesse outra coisa, quem se importa com a crítica quando existe paixão entre artista e fã? Aquele japonês pagou quinhentos reais por um ingresso de cento e vinte, só para comprovar que o gênero musical brasileiro mais tocado no mundo deve tudo àquele homem tímido e sóbrio, de pouca fala e sorrisos dados em doses homeopáticas. E até Naomi Campbell vem emprestar sua beleza à glória dessa noite.

Noite para até quem não gosta se convencer da importância de João Gilberto e, com aplausos de pé, bater cabeça para o mestre.

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