Letra Livre - Cores de Ibitipoca

por Sérgio Bernardo
sexta-feira, 25 de julho de 2008
por Jornal A Voz da Serra
Letra Livre - Cores de Ibitipoca
Letra Livre - Cores de Ibitipoca

O título é o de uma pintura inacabada. Traços e curvas simples, em papel cartão A4, tão perecível como esta crônica impressa em folha de jornal. Na época pensava em retomar o pendor de menino. Diziam que desenhava bem. Meu tio Jorge, marido da tia Marlene – único dono de um Karmann-Guia que conheci – chegou a me presentear com um livro que ensinava perspectiva. Pouco me serviu. Logo troquei as formas das coisas pelos contornos das letras. E me dei ao prazer de desenhar imagens no branco da mente, transformando-as em poemas. Ainda tenho nos guardados um exemplo da junção dos dois, desenho e texto. Umas tiras de história em quadrinhos (inacabada) sobre um gato ladrão e um coelho policial.

O fato de a pintura estar inacabada, como a história em quadrinhos, pode dar a falsa impressão de que não concluo nada. Em alguns casos é verdade. Não foram poucos os cursos de idiomas que não terminei. E também algumas histórias de amor, dissolvidas no tempo. No mais, toda a busca que empreendo é pelo ponto final. Muitas vezes, com pressa. Sim, a pressa, inimiga número um da perfeição. Todos já devem ter percebido. Daí que elegi a crônica como meio de expressão. A crônica é como o risco de uma estrela caindo: um instante de vida e acabou. Sabendo que virá a próxima estrela-cadente. E a próxima. O poema, não. O poema o persegue para sempre, exigindo atenção contínua. Quer retoques. Mostra com olhos súplices aquela parte dele que ficou malformada. A verruga que ficou pendurada no nariz e você não percebeu. A única solução para a insistência do poema é aprisioná-lo num livro. Só assim ele aceita sua imperfeição. E o permite partir em paz para a gestação de um outro.

As cores de Ibitipoca... A primeira e única vez que lá estive foi durante umas férias, há uns sete anos. O parque estadual fica em Minas Gerais, na localidade de Conceição do Ibitipoca, próxima à cidade de Lima Duarte. Chega-se de ônibus por estrada (então) de terra, viagem sem conforto só atraente para os que encarnam o espírito de aventura. Há pousadas, simples em geral, nenhuma com grandes luxos. A vila é sedutora. Um presépio incrustado num amontoado de colinas. Uma igrejinha branca. O largo defronte e o casario em torno. Paisagens de tirar o fôlego em qualquer direção.

As cores que evoco são as do parque, aonde fui a pé, na melhor caminhada de toda minha vida. Cores, claro, que não se descrevem. Para isso há as imagens. As fotográficas e as pictóricas. Impossíveis, no entanto, de serem como são sobre o preto-e-branco desta página. O alaranjado da água, os vários tons de verde da vegetação, o ocre de um pedaço de chão, o marrom-escuro de outro. Tudo emoldurado pelo azul. Com traços de cinza se ameaça chover. Cores que uma visita a páginas da internet talvez exemplifique, mas que só podem ser reveladas com exatidão a olhos nus.

Quem sabe por isso a pintura nunca terá fim. A certeza da impossibilidade de reter naquele quadrado tantas tonalidades, apenas sonhadas pela mistura das três primárias dos meus bastões de tinta. Eu, que não sou nem serei um pintor, só um especialista na visão das cores.

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