Barrados no baile flamenco
Mais brasileiros despachados assim que pisaram o aeroporto de Madri. Não verão as belas praças, monumentos e construções da velha capital de Espanha. Nem a cosmopolita maquiagem de um país que há até algumas décadas tinha perfil agrário, sendo um dos mais atrasados e pobres da Europa ocidental.
Quem não se lembra de Guernica? Apenas setenta anos se passaram desde que o gênio de Picasso imprimiu com a paleta e o pincel imersos em sangue os horrores da mais cruel guerra civil europeia: não havia no conflito etnias se digladiando para ter supremacia; eram, antes, espanhóis contra espanhóis, quem sabe um filho anarquista em oposição ao pai partidário do fascismo de Franco.
Atletas de arte marcial a caminho de Lisboa para uma competição foram trancafiados numa saleta da Imigração espanhola, onde aguardaram o voo da expulsão. Tratados como bandidos: acaso tentassem fuga, seriam com toda a certeza metralhados, como Jean Charles no metrô de Londres. “Terroristas”, suspeitariam. E atirariam primeiro para depois perguntar e saber que somente representariam seu país terceiro-mundista num torneio internacional da modalidade esportiva à qual estariam, literalmente, dando sua vida. O crime de ambos: terem se atrevido a fazer uma conexão em Madri, a caminho de Portugal, portando nos bolsos a ninharia de 450 euros (o que importa para os súditos de Sua Majestade Juan Carlos que no Brasil isso representa três vezes o salário-mínimo da maioria da população?). O que a imprensa não frisa e pouca gente sabe é que a Iberia, empresa de aviação espanhola, costuma oferecer preços muito mais baixos que a rival lusitana TAP nos voos para Lisboa e Porto, com conexão em Madri. Onde, com uma frieza desumana, estes brasileiros que apenas usaram o bom senso e pagaram menos pelas passagens aéreas são barrados e devolvidos a sua pobre nação tupiniquim. Ora, ninguém compra uma passagem aérea de dois mil e quinhentos reais tão-só para passear de avião do Rio ou São Paulo a Madri ou Barcelona. Para isso, caso fosse maluco o suficiente, pegaria um voo doméstico promocional que sai por sessenta mangos...
Há cinco séculos os espanhóis se apossaram de quase toda a América e daqui levaram quase todo o ouro e prata adormecidos sob essas terras, em cuja superfície trucidaram grande número de povos autóctones, entre eles os astecas e os incas. Agora, deixam claro que esses mesmos povos um dia dominados não têm o direito de buscar trabalho na grande corte colonial, cujo esforço para se firmar como um dos mais importantes do parlamento europeu foi empreendido exclusivamente para benefício dos cidadãos nascidos com hispânica superioridade. Arrogância bem ilustrada por aquele “ por qué no te callas?” do rei da Espanha dirigido ao líder venezuelano Hugo Chávez, numa das reuniões de cúpula dos países ibero-americanos. Assim que agem esses neofranquistas: quando não lhes basta mandar calar a boca, dão um chute no traseiro e mandam de volta à origem inferior no primeiro voo com poltrona disponível.
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