A cultura de dentro do Brasil
Quando se desvia do saturado eixo Rio-São Paulo, por qualquer estrada em direção a um Brasil que a maioria não conhece, é possível perceber que a produção artística de qualidade não é privilégio destas duas ditas capitais culturais do país. Parece óbvio, mas muita gente ainda não está convencida disso.
Pego o exemplo de Adélia Prado na literatura: nunca deixou as ruelas centenárias de sua Divinópolis, no interior de Minas Gerais, visando a ser reconhecida pelo mundo literário, como hoje é. Ela tira o avental, depois de bater um bolo na cozinha, vai à escrivaninha rascunhar um poema e em seguida volta ao fogão para preparar a janta. Nada cinematográfico como a cena de um poeta urbano na madrugada, escrevendo intrincadas digressões filosóficas em meio a goles e mais goles de uísque barato. Um processo criativo simples e uma existência idem. Assim como os da grande dama da literatura francesa, Marguerite Yourcenar, criando obras-primas enquanto os pães que fazia assavam, em sua casa numa ilha do Maine.
Uma destas estradas rumo a um Brasil que pouco se vê, porque a mídia dos grandes centros quase não o focaliza, leva ao noroeste do Paraná, à cidade de Paranavaí, perto da divisa com Mato Grosso do Sul. Nela, uma cidade jovem onde habita um povo super gente boa, acontecem, desde 1966, o Femup (Festival de Música e Poesia) e, desde 69, o concurso literário de contos. É preciso estar lá para dimensionar a importância deste evento capaz de reunir em três dias músicos, atores, poetas e escritores de várias partes do país, sem esquecer os da cidade e região. Todos mostram sua arte com a mesma parcela de visibilidade, nas apresentações no teatro ou nas leituras dramatizadas na biblioteca pública, ambos no mesmo prédio, que ainda abriga a sede da Fundação Cultural de Paranavaí. Ou seja, uma verdadeira indústria da cultura, que durante o festival ferve de talentos, muitos deles voltando para casa com o Troféu Barriguda na bagagem.
Mas não só ali os participantes fazem a festa. Todos os dias, após a parte oficial do Femup, há o lado mais descontraído, com uma esticada a um espaço onde o microfone fica aberto para quem quiser fazer uso. É nessa hora também que se travam conhecimentos ou nascem amizades, trocam-se idéias e se abre caminho até para o surgimento de futuras parcerias, pois não existe artista que não queira chegar de algum modo ao coração do outro.
Ao realizar um encontro anual de várias artes, vertentes, pensamentos e sotaques, o que é único no país, dessa forma e com tal dimensão, os organizadores do festival e concurso literário concretizam o que os gregos idealizavam na Antiguidade, através dos mitos: criar um mundo igualitário e belo, em que todos se utilizam dos dons do espírito para encantar e ser encantados. Não é o que o homem busca desde o começo dos tempos? Pois então. É só pegar a estrada, todo novembro, para dentro do Brasil, interior do Paraná, a um lugar chamado Paranavaí.
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