Desculpem, mas discordo do acordo
O assunto rende e, se eu der bobeira, vou me estendendo muito além do breve limite de uma crônica passável
O dia 1º de janeiro de 2009 marcou o início da vigência do acordo ortográfico da língua portuguesa nos países lusófonos.
Daqui pra frente tudo vai ser diferente, já dizia Roberto Carlos (ou melhor, diz, já que o rei deles continua cantando as mesmas canções há décadas, no maior show de mesmice de todo fim de ano). Mas será mesmo? Será que alguma coisa de fato mudará, para melhor, apenas com meras mudanças na ortografia? Muitos falam num tom de que a partir de agora estudantes escreverão de forma mais correta; mais leitores serão conquistados, já que se descomplica o português; os cidadãos de língua alienígena se interessarão de repente pelo nosso idioma, que reincorpora ao alfabeto o K, o Y e o W da maioria das línguas não-latinas ocidentais, e extermina alguns acentos. Será?
A não ser pelo trabalho extra surgido de uma hora para outra na vida dos revisores de texto que atuam junto às editoras, ou para estas, que reeditarão obras, em especial as didáticas e os dicionários, dando uma aquecida nas vendas, penso que nenhuma das questões enumeradas no parágrafo anterior vai se materializar com a simples instituição de um acordo ortográfico, ainda mais um tão paliativo como esse. Para que se escreva (e fale) melhor, mais leitores sejam fisgados e estrangeiros valorizem o português são necessárias políticas específicas, que analisem e atendam cada caso na raiz, seja cultural, social, econômica ou de qualquer outro tipo. Trabalho para especialistas, exaustivo, longo e que demanda investimento e vontade.
Divirto-me passando os olhos em algumas dessas mudanças.
O trema em palavras do dicionário caiu. Somente permanece em nomes próprios de origem estrangeira. Há quem diga que não deixará saudade. Muitos já não o usavam há bom tempo, portanto, para esses não fará diferença. Para outros, desaparece com ele um charme especial do nosso idioma, um traço remanescente de Belle Époque ou um resquício de germanismo – não fossem os visigodos e ostrogodos, povos que alhures invadiram Portugal, de origem germânica. Um preciosismo, para gregos. Imprescindível, para troianos, por indicar a pronúncia do U após as letras G e Q. Se não passaremos a falar cinkenta, também não mais deixamos claro o kuen da palavra.
Falece o acento agudo nos ditongos abertos tônicos éi e ói, como em idéia e jibóia. Sendo assim, é a última vez que me leem escrevendo as duas palavras com os saudosos acentos (aliás, lêem tinha este caduco acento circunflexo no primeiro E, lembram? Pois é, morreu também...).
Quanto ao hífen, diversas alterações foram feitas e seria indicado estudar as mudanças. Ou então ter sempre ao pé do computador material consultivo para as horas de aperto. Mas é bom frisar que bem-vindo, pós-graduado, recém-nascido e bem-estar mantêm o hífen (certo, pessoal da redação?!).
O assunto rende e, se eu der bobeira, vou me estendendo muito além do breve limite de uma crônica passável. Para arrematar, cito a ficha que caiu há bem pouco tempo, quando vi na TV uma reportagem sobre grandes editoras e o seu trabalho hercúleo de reimprimir toneladas de obras de acordo com o acordo: meu pobre livro, de 2005 e com edição independente, não terá chance alguma de ser reimpresso. Desde 1º de janeiro de 2009 e para todo o sempre, amarga o destino de estar cheinho de erros de ortografia.
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