Rolou sujeira na água
Contraditório planeta azul (esta última qualidade só contemplam os astronautas e os ETs...).
Numa mesma edição do jornal vespertino da TV que me acompanha sempre na hora do almoço, duas notícias envolvendo o tema água me deixaram duplamente de boca aberta, já que assim ela já fica à espera das garfadas...
A primeira falava de uma cidade nordestina, acho que na Paraíba, cujos moradores recebem nas torneiras água suja. Aprisionado em garrafas pet, a tela exibia um líquido amarronzado, barrento e deixando borra negra no fundo. Mãe de vários filhos contava que aquela água é a que têm para tomar banho, preparar alimentos e, o que é estarrecedor, beber! Não é possível admitir que uma empresa de abastecimento de água – por incrível que pareça, a cidadezinha tem uma! – seja capaz de oferecer água podre para a população. A causa alegada pelos diretores da concessionária é a situação precária da tubulação das casas, que estaria velha e enferrujada. Tudo bem, vamos aceitar que uma parte das tubulações esteja em péssimo estado. Mas daí a todas as casas, inclusive as recém-construídas, possuírem encanamento degradado vai uma distância de cem vezes a ida de uma galáxia a outra. E o que faz aquela prefeitura em relação ao caso? Não sei, o repórter não disse. A reportagem finalizou com o take de uma anciã entrada em suas 80 primaveras mostrando a conta d’água a pagar e dizendo quantos dias tinha recebido o líquido sujo na caixa: para apenas dois dias de abastecimento em um mês, R$ 73 para desenbolsar no caixa do banco. Se a água vem a cada dia se tornando mais escassa no mundo, parece que nessa cidade nordestina o precioso líquido já acabou faz tempo, da mesma forma que a vergonha na cara dos que seguem cobrando – e caro – pelo que já não existe.
A segunda reportagem tratava de arte. Alívio. Uma pausa em meio a escândalos, crimes e absurdos. O tom da notícia foi de algo inusitado e belo. Mas minha leitura foi outra. Uma companhia de dança italiana apresentava em Buenos Aires um espetáculo em que os bailarinos desenvolvem suas coreografias em meio e sob um enorme paredão de água limpa, alimentado por uma piscina embaixo do palco comportando não lembro quantos mil litros do (de novo) precioso líquido. O resultado pode até ser belo, e é; pode até ser inovador, e estou certo de que é. Mas em tempos (outra vez) em que a água vem a cada dia se tornando mais escassa no mundo, usá-la em sua arte com tamanho desperdício é, por baixo, uma atitude ecologicamente incorreta de toda aquela companhia de dança. Ainda mais se levarmos em conta casos como o dessa cidade nordestina que leva água suja às bicas; ou o de populações inteiras na África e Ásia que apenas a vêem em miragens nos seus desertos do tamanho do estado de São Paulo. Belo por belo e inusitado por inusitado, sou mais a brasileira Deborah Colker e seus bailarinos em paredões de corda.
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