“Ler e escrever: essencial para todo ser humano” - 2 de dezembro.

quinta-feira, 02 de dezembro de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Por Alessandro Lo-Bianco

Em Malhação, a atriz Cris Nicolotti tem nas mãos um grande desafio: a personagem Vera, mãe de Tereza, a dona do colégio, interpretado por Helena Ranaldi. Cris orienta, no folhetim, os adolescentes ao longo de seus dilemas, um papel fundamental para a vida de um jovem. “Tenho uma identificação muito forte com eles. Já entrei no elenco abraçando, beijando e dando bronca (risos). Tenho esse lado maternal imenso que veio comigo quando nasci, não tem jeito!”, diz a artista, que virou febre entre os jovens ao lançar no Youtube, em 2007, a canção Vai tomar no c..., em resposta a uma briga com seu vizinho, que reclamava sobre o barulho que vinha de seu apartamento. A canção foi vencedora do Vídeo Music Brasil 2007, premiação promovida pela MTV Brasil, na categoria Web Hit. No fim de 2009, ela participou de Viver a Vida, de Manoel Carlos, obra na qual viveu a cartomante Regina.

Você tem um filho adolescente, com 18 anos, próximo à faixa etária do público de Malhação. Isso ajuda a construir seu personagem?

Cris Nicolotti - O Luca está com 18 anos. Com a turma dele sou considerada a “tia bacana”. Eu me identifico com isso porque brinco e converso abertamente com todos eles quando se juntam aqui em casa. Ele estudou no Colégio São Luís, em São Paulo, e desde quando era pequenino eu contei muito com os orientadores, que são profissionais maravilhosos, que conversam, orientam e guardam segredos dos jovens. Então peguei muita coisa daí.

Como você cuidou da educação do Luca?

Cris Nicolotti - Como a minha barriga começou a crescer em frente às câmeras, decidi ficar com ele o mais próximo possível. O Luca aprendeu a engatinhar dentro de um estúdio. Por isso sempre procurei prezar mais pela qualidade do tempo que passamos juntos do que pela quantidade. Hoje ele está entrando na faculdade para fazer direito.

E quais são os ensinamentos fundamentais que você procurou fixar na vida dele?

Cris Nicolotti - Sempre procurei passar para ele dois pilares importantes em sua formação educacional. O primeiro é saber que se pode confiar na família, que ela estará sempre ao seu lado, te apoiando. Que sempre quando precisar é o pai e a mãe que estarão ao seu lado. Os amigos vêm e vão, mas a família é quem fica. O segundo ensinamento foi que ele aprenda a dizer não para as coisas ruins. Se lhe oferecerem drogas, saiba dizer não e aprenda a selecionar o que será positivo para sua vida.

Apesar de estar sendo bastante pautado na mídia, o bullying sempre existiu dentro das escolas. O que você pensa a respeito?

Cris Nicolotti - Acho uma das coisas mais cruéis que pode existir, porque pega a criança numa faixa etária em que ela está se formando ou em processo de formação com sua autoconfiança e caráter. Este será um tema abordado dentro de Malhação e eu acho bem interessante falarmos, porque gera problemas psicológicos muito brabos.

Por que você acha que este tipo de prática ainda ocorre tanto?

Cris Nicolotti - Acho que o ser humano está ficando muito difícil, muito carente, agressivo e perdido espiritualmente. Falta conversa e amor. Digo isso porque a pessoa que comete o bullying tem uma crueldade em si, uma inveja que precisa ser consertada. Às vezes, sem perceber, ela comete este tipo de coisa porque acha que vai ser mais importante dentro da turma e, por isso, quer chamar atenção.

Neste caso, tem outro sério problema do bullying, né? Não é só a vítima que deve ser amparada, mas também quem faz este tipo de coisa...

Cris Nicolotti - Claro, por isso acho que não basta só tratarmos da vítima, de quem sofreu. Temos também que dar apoio psicológico para quem faz isso, porque é alguém tentando chamar atenção. Muitas vezes é uma criança querendo dizer que existe e que também quer se achar importante. Acredito que temos que tratar os dois lados.

E sua infância e seus tempos de colégio, como foram?

Cris Nicolotti - Estudei numa escola muito rígida, no Colégio Dante Alighieri, que ainda é um colégio seríssimo. Vim pro Brasil com 3 anos, então, cheguei sem entender uma palavra e lembro-me de chorar bastante na época de maternal. Minha infância no colégio foi um pouco diferente porque os tempos eram outros, né? Naquela época era mais difícil, porque não tínhamos o diálogo com os pais e professores que podemos ter hoje. Naquela época você não conversava.

Que lembrança ficou?

Cris Nicolotti - Ótimas pessoas, amigos que tenho até hoje. Estamos todos com 52, 53 anos, e guardamos daqueles tempos a troca que tivemos e temos até hoje em relação a nossa base da escola, a base da educação e da amizade.

Conta mais...

Cris Nicolotti - Lembro daquele medo que ficava de ir para a diretoria, aquela coisa de se esconder, de mentir, mas o lado dessa parte dramática é que acabei me formando atriz ali mesmo, no colégio (risos). Mentindo pra mãe, depois pro professor, comecei a ver que tinha o dom de interpretar (risos). Principalmente como defesa de uma educação totalmente rígida que era naquela época.

Você acha que o diálogo deveria estar mais presente dentro dos colégios?

Cris Nicolotti - Sim, essa falta foi, para mim, e ainda é para os jovens, uma coisa muito ruim. Muita autoridade e muita cobrança sem conversa não foi legal para mim naquela época. Às vezes eu precisava conversar e não tinha como. Queria falar sobre o que via e escutava, sobre o que tinha curiosidade, mas eram assuntos proibidos nos meus tempos de colégio.

Que diferença isso pode fazer na vida de um aluno?

Cris Nicolotti - No meu caso, se tivesse havido mais diálogos em vez de tanta rigidez, talvez não tivesse feito tantas bobagens, eu sinto uma mágoa disso. É esse diálogo que quero ter sempre com o meu filho, porque isso faz uma diferença enorme na vida de um ser humano.

E quais são os ensinamentos que você guarda com carinho da educação que recebeu dos seus pais?

Cris Nicolotti - Eles me passaram que eu sempre teria que ir à luta para alcançar minhas vitórias. Que não deveria nunca prejudicar ninguém para isso, que, se pudesse, ajudaria, mas se não pudesse, não deveria atrapalhar. A não desejar o mal do próximo e cultivar a inveja.

Que balanço você faz hoje desse aprendizado?

Cris Nicolotti - Hoje vejo que eles foram importantes, pois me fizeram ser uma pessoa do bem, de caráter. A honestidade, a verdade, todos os valores morais que tenho hoje recebi dos meus pais. Eles me fizeram ser uma pessoa do bem, não me deixaram como uma menina mimada, exigindo as coisas. Aprendi que nada cai do céu. Isso foi maravilhoso, porque me fez uma guerreira, uma batalhadora nata. Meus pais sempre frisaram que eu deveria ser uma pessoa honesta, caso contrário, eu iria arcar com as consequências. São valores morais que passei para o meu filho e que ele entendeu e cumpre com orgulho.

Qual é a sua formação?

Cris Nicolotti - Fiz faculdade de publicidade e propaganda na FAAP, porque era o que estava mais próximo dos meus sonhos, já que a minha mãe não deixava ser atriz. Era uma coisa absurda querer ser artista naquela época. Eles não apoiavam de jeito nenhum minha escolha. Mesmo querendo muito, não pude fazer a Escola de Arte Dramática por conta dos meus pais. Então busquei a comunicação, por estar mais perto do meu campo.

Você sempre quis ser atriz? Como isso começou?

Cris Nicolotti - Meus pais foram assistir à peça Hair e trouxeram um LP para casa. Eu comecei a escutar e achava o máximo ficar no meu quarto em frente ao espelho, com aquilo decorado. Passei a abrir um grupo de teatro em cada local que ia. Durante o colégio eu fiz isso, na universidade também, porque achava que o teatro modificava as pessoas. Assim começou minha vida no teatro amador.

E como foi quando você resolveu mergulhar de cabeça na profissão?

Cris Nicolotti - Na hora que eu comecei a fazer teatro profissional e tirei meu DRT, meus pais não conseguiram entender como eu estava largando publicidade, que era uma coisa que me daria um futuro, para fazer teatro. Eles achavam que isso era o fim do mundo. Mas como eu já estava com uma certa idade, coloquei um ponto final. Mesmo assim, nunca tive apoio.

Hoje em dia ainda vemos muitos jovens frustrados e revoltados por não terem apoio dos pais para fazer o que realmente desejam...

Cris Nicolotti - Eu sinto uma pena, uma mágoa muito grande por não ter tido esse apoio na hora em que mais precisei. Por conta disso, acabei perdendo muito tempo em minha carreira.

Você apoiaria seu filho na escolha de uma profissão inusitada?

Cris Nicolotti - O Luca está começando a faculdade, então está vivendo uma realidade nova, se descobrindo. Se ele vai fazer direito, tem o meu total apoio. Mas eu sempre disse para ele fazer o que ama, porque, do contrário, não dá certo. Você acaba sem ganhar dinheiro e sem ser feliz. Se for isso mesmo que ele quer, que seja o melhor advogado do mundo, fazendo da profissão um trabalho de amor e garra. Por enquanto é o que ele está fazendo...

O que você não concorda em relação ao ensino atual?

Cris Nicolotti - O que eu não gosto, e até já discuti isso uma vez no colégio do meu filho, é o excesso de matéria no lugar do diálogo. Acho que a escola é um local onde devemos aprender a raciocinar, pensar, e não decorar.

Então, de certa forma, poderíamos dizer que os problemas continuam os mesmos?

Cris Nicolotti - Continua igualzinho ao que era na minha época. Não basta decorar, é preciso contar. É uma enxurrada de matérias desnecessárias. Às vezes acho que uma conversa, um bate-papo gostoso sobre história, entra muito mais na cabeça dos jovens do que um livro de 200 páginas para decorar.

O que você mudaria, então? Você é contra o vestibular e os métodos pelos quais os alunos são avaliados?

Cris Nicolotti - Sou contra, mudaria tudo. A escola continua priorizando uma quantidade de matéria que não acrescenta ao aluno. Eu vi meu filho entrar em absoluto estresse por conta do vestibular e tive que pedir para ele parar de estudar um pouco para não enlouquecer. Eu vejo que essa sobrecarga em certas épocas vira um drama, um massacre para a meninada. Se isso fosse resolver alguma coisa, você não veria mais alunos de classe média alta jogando lixo nas ruas. Chego à conclusão de que saber somente química e matemática não está sendo suficiente para formar um ser humano.

O que deveria ser mais abordado na vida desses jovens dentro do âmbito escolar?

Cris Nicolotti - Os alunos hoje deveriam ter mais aulas voltadas à educação sexual, sobre drogas, cigarros, bebidas. Tudo isso deveria ser amplamente discutido e mais proveitoso do que decorar uma tabela periódica para ser aprovado no vestibular.

Você é otimista quanto ao ensino no Brasil?

Cris Nicolotti - Não sou não, porque vejo as crianças de hoje passarem pelas mesmas coisas do passado. Lógico que na minha época era pior. Mas acho que as instituições de ensino deveriam ser lugares bons, com acesso a boas amizades e bons professores, e criarem uma ligação com o jovem que o faça querer ficar sempre neste caminho. Procurei muito uma escola construtivista, mas vejo que este tipo de escola ainda é uma utopia.

Que recado você deixaria para o nosso país, em nome da Educação?

Cris Nicolotti - Em nome da Educação, que se abram escolas e que se faça valer o direito de toda criança, com ou sem dinheiro, de estudar. Que paguem melhor os professores, porque é uma profissão ingrata. Tem educadores hoje apanhando nas escolas. Tem gente que pega quatro horas de ônibus para dar uma aula e voltar com um lixo de salário, que mal dá para sobreviver. Uma humilhação! Aí sim, daqui a 30 anos, talvez possamos ter uma população mais educada, que não precise colocar um moleque de 11 anos para vender droga porque acha muito mais interessante do que ir para a escola.

E qual recado você deixa para os leitores de A Voz da Serra?

Cris Nicolotti – Primeiro, deixo um recado para as mães: lugar de criança é na escola. Vocês devem saber o que acontece na vida dos seus filhos, acompanhar, fazer a lição de casa com eles, e mostrar que a escola é um lugar gostoso para aprender. Afinal, eles passarão cerca de 15 anos ou mais lá dentro. Exija que seu filho viva a infância dentro de uma escola, custe o que custar. Para outras pessoas direi que não admitam nunca o analfabetismo, não admitam não saber ler e nem escrever. Todo mundo precisa saber para se defender. Não diga que não sabe porque não teve oportunidade, não importa, vá estudar agora mesmo! Sempre dá tempo de aprender. Procure uma escola e os educadores próximos a sua comunidade. Se não tiver, troque um bolo com uma vizinha e veja se ela te ensina alguma coisa. Vá à luta!

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