Quem assiste hoje à clássica ópera baseada no romance de José de Alencar, jamais imaginaria que, a partir dos anos 60, um dos seus organizadores viria a ser um gigante do carnaval brasileiro. Brilhos, tambores, suores e muita animação na festa mais popular que há neste país de dimensões gigantes tornaram-se outro palco de encenação.
Se a linda história de O Guarani é de fato um marco da literatura nacional, decerto o personagem carnavalesco sobre quem falamos é também um ícone na história da folia do Rio de Janeiro. Bem, refiro a João Clemente Jorge Trinta, popularmente conhecido como o saudoso Joãosinho Trinta, o mago do desfile na Marquês de Sapucaí. Sabe-se que, após largar o trabalho de escriturário lá no Maranhão, esse gênio da alegria faria fama no Brasil e no mundo com a arte das alegorias. Assim como o vermelho encarnado representou um dia a cena teatral do incêndio fictício e ameaçador na encenação de O Guarani, e na qual colaborou, decerto essa mesma cor vermelha, junto ao branco, representaria os estandartes do Salgueiro e da Viradouro, duas dentre as Escolas de Samba com as quais Joãosinho Trinta sagrou-se campeão na Marquês de Sapucaí.
Joãosinho nasceu na cidade de São Luiz, no Maranhão, em novembro de 1933, e desde muito cedo desenvolveu o interesse pela arte da dança, dos movimentos, da fantasia, enfim, da alegria proveniente da dinâmica entre a imagem e a cor. Além dos títulos conquistados com a Viradouro e o Salgueiro, conforme já mencionamos, obteve sucesso merecido com a Beija-Flor de Nilópolis junto ao amigo figurinista Viriato Ferreira. Pouca gente sabe das ações de responsabilidade social exercida por esse carnavalesco maranhense. Mantinha costureiras, aderecistas, escultores de carros alegóricos, ou seja, uma indústria no sentido mesmo do termo. Mas não só isso, às crianças das comunidades com as quais matinha contato, ele dedicava boa parte dos seus esforços na geração de cultura e educação, livrando os jovens da criminalidade.
A mania de repetir “causos” e anedotas fazia dele a alegria da imprensa. Criava lendas das mais absurdas, no intuito de extrair sorrisos de qualquer cidadão que se pusesse à sua frente. Qual jornalista nunca escutou que o “Joãosinho nasceu de um desses romances relâmpago de carnaval”? Quem não se deparou com a engraçada explicação de que ele sentiu a batucada e se apaixonou já no ventre da mãe? Outra lenda (criada pelo próprio) decorre da explicação cujos AVCs que o acometeram, lapidaram sua alma, transformando o interior do carnavalesco e aumentando a sensibilidade. E a letra “s” em vez de “z” do Joãosinho deve-se aos bons ventos soprados pela numerologia que tanto lhe agradava. Sandra Sá, por exemplo, acrescentou o “de” ao registro civil em favor também das energias emanadas pelos algarismos, por que não daria certo com o nome dele também? Enfim, uma vida de espetáculo pode ser descrita na trajetória de Joãosinho Trinta. Tanto assim, que sua história serviu de roteiro ao cinema, no qual o ator Matheus Nachtergaele deu o toque de refinamento ao personagem que chegava ao Rio de Janeiro com o sonho de se tornar bailarino do Teatro Municipal. De fato, uma vida plena de significados este artista de São Luís aproveitou. Dizem que o rei do Marrocos, Hassan II, quando em viagens ao Brasil, fora envolvido pelas peraltices do carnavalesco. Bem, mas isso é assunto para outra história.
Cumpre ressaltar: o seu falecimento marcou a data de 17 de dezembro, ano de 2011, quando o Brasil recebeu pesares dos mais variados extratos sociais. Enfim, foi no sábado, dia mesmo de descanso, que o mestre Joãosinho descansou. E, aos 78 anos, o Brasil sentiu a falta daquele que, como ninguém, fez da própria vida um imenso estandarte de amor.
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