Lembranças de um ilustre cidadão de Nova Friburgo (entrevista)

O friburguense Carlos Jayme de Siqueira Jaccoud, 93, descendente de suíços originários de Fribourg, tem muitas histórias para contar
sábado, 16 de maio de 2015
por Jornal A Voz da Serra
Carlos Jayme de Siqueira Jaccoud (Lúcio Cesar Pereira/A Voz da Serra)
Carlos Jayme de Siqueira Jaccoud (Lúcio Cesar Pereira/A Voz da Serra)

O friburguense Carlos Jayme de Siqueira Jaccoud, 93 anos completados na quarta-feira, dia 13, descendente de suíços originários de Fribourg, naturalmente tem muitas histórias para contar. Em sua longa existência de mais de nove décadas, ele destaca a infância como o período mais feliz de sua vida, o que mais deixou saudades. Tanto que se dedicou a descrevê-la e publicar, em maio de 2004, quando completou 82 anos. Suas lembranças começam com o seu nascimento em 1922 e vão até o início de sua adolescência, em 1936, quando sua família mudou-se para o Rio de Janeiro onde foi matriculado no tradicional Colégio São Bento. Vejam que delícia de relato: “Em 1936, em Botafogo, com 14 anos, eu senti o fim da minha infância... Lembro-me bem. Numa manhã, na Rua Farani, junto com o Raphael e o Renato, eu “garantido” com $1000 réis no bolso, entramos num botequim, perto da nossa casa. Sentamo-nos numa mesa e pedi uma garrafa de cerveja “barriguda”. Era uma cerveja fechada com uma rolha amarrada à garrafa com barbante. Serviram-nos, enchemos os copos e bebemos. Achei-a horrível, mas, mesmo assim, bebemos toda ela, que parecia ter mais espuma do que cerveja. Paguei com meus um mil réis e recebi o troco de trezentos réis. Naquele dia tive a sensação de que a infância se fora...” Confiram um pouco mais de suas lembranças.

Light – Foi quando teve início uma nova etapa de sua vida lá no Rio. Como foi? 
Carlos Jayme – Correu bem, sem maiores percalços. Lá, me formei em química, me casei, tive meus cinco filhos, que estão todos bem, graças a Deus. E tenho meus netos para os quais conto histórias da minha infância.

O senhor gosta de lembrar de sua infância, de contar histórias daquele tempo, não é mesmo? 
É. Na verdade, ser criança é o melhor estágio de uma vida, ou pelo menos deveria ser, para todos.  

Então, vamos falar dela, desde o começo. Onde o senhor nasceu?
Bem aqui no Centro, em frente à Praça 15 de Novembro (hoje Getúlio Vargas), nº 171, onde funciona uma agência do Itaú/Unibanco. Nasci em casa, como todo mundo naquela época. Éramos cinco filhos, três meninos e duas meninas. 

Onde o senhor se alfabetizou?
Por volta dos meus seis anos, meu pai me matriculou no colégio de D. Hermínia Moura, que ficava na Rua Ernesto Brasílio, esquina com a Rua Eugênio Müller. Aliás, a casa existe até hoje. Depois estudei no Colégio Modelo, que veio de Cordeiro para Friburgo em 1926. 

O senhor cresceu numa casa cheia de crianças, com quintal, espaço para muitas brincadeiras, portanto num ambiente bem animado. Daí o seu entusiasmo pela infância?  
Exatamente. Lembro de um dia em que o Raphael (irmão mais novo, já falecido) estava brincando dentro de um caixotão. Naquele dia o vovô Jayme tinha feito pra mim uma espada com cascas de palmito e um chapéu de jornal. Eu desfilava pela casa todo prosa, com o chapéu de general, como dizia meu avô, e a espada de palmito a tiracolo. Quando passei pela sala e vi o Raphael dentro do caixotão, tive a brilhante ideia de experimentar a espada. Dei umas espadadas nele. Não sei por que ele não gostou da brincadeira e abriu o berreiro. Eu, imediata e injustamente fui preso, julgado e condenado pela mamãe, a ficar sentado num canto da sala. Poucos minutos depois, como sempre, o meu advogado vovô conseguiu um habeas-corpus e eu fui libertado, mas sem espada. 

Como era o mundo à sua volta? 
Meu mundo se resumia à nossa casa, onde eu já dava bastante trabalho (risos) e ao trecho da praça em frente a ela. As ruas não eram calçadas e, quando chovia, enchiam-se de poças e de lama. Bem no meio da praça, em frente à nossa casa, havia um ringue para patinação, sempre vazio, e um pequeno prédio velho, construído para ser o primeiro teatro de Nova Friburgo. Ali funcionou depois o primeiro cinema da cidade. 

O senhor brincava na praça?
Quando o tempo estava bom, sem lama, eu podia ir com a Faustina, uma espécie de babá, brincar com meus amigos, que eram o Luiz Mastrangelo Neto, o seu irmão Mário, o “Lulu”, o Mielle (o futuro padre e depois monsenhor Mielle) e o seu primo Caetano. 

Vocês brincavam de quê?
Jogávamos bola, brincávamos de pique, amarelinho. Bem em frente à nossa casa havia um jameleiro e quando caíam de maduros, a gente pegava pra comer. O problema é que no jameleiro também havia uma colmeia das chamadas “abelhas cachorro”, que, embora não tivessem ferrão, se enroscavam nos nossos cabelos. Era uma confusão. 

O senhor morou nessa casa até quando?
Até os meus cinco anos, em 1927. Ainda morava no fim da praça quando foi feito o primeiro calçamento de rua em Nova Friburgo, no outro lado da praça. E foi pra esse outro lado que nos mudamos em seguida, para um sobrado enorme, no qual meu pai (dono da Farmácia Central) montou a loja no primeiro piso e nossa família se instalou na parte superior. 

Gostou da mudança? 
Nesse “sobradão”, número 94 da antiga Praça 15 de Novembro, passei a melhor fase da minha infância. Ali vivi dos cinco aos 13 anos. As únicas coisas tristes de que me lembro terem ocorrido naquela casa foram a morte de minha avó materna, a vovó Totinha, e a do meu avô paterno Carlos Felipe. Do falecimento da minha avó, o que mais me impressionou foi a tristeza e as lágrimas do meu avô Jayme, meu protetor e advogado em todos os litígios que minha mãe tinha comigo. Naquele ano, como a família estava de luto, não tivemos permissão para apreciar o carnaval. As três portas da sacada do sobrado permaneceram fechadas durante todo o tempo.

Dali o senhor viu chegar a década de 30, anos bem movimentados em todo o país. Do que o senhor lembra dessa época?
Realmente, da nossa enorme sacada, pelo menos para mim era imensa, vi passar um pedaço da história de Nova Friburgo. Em 1930, a partida dos soldados “legalistas” com destino a Porto Novo para combater os revolucionários mineiros. E vi também, poucos dias depois, o seu humilhante regresso, como derrotados pela revolução. Vi, em seguida, a chegada triunfal dos revoltosos de então, com a festa dos políticos que eram contra Washington Luís. Vi ainda a chocante e injustificável derrubada do busto do Dr. Galdino do Valle Filho, um dos maiores nomes da nossa terra. Assisti a passagem de funerais e presenciei o incêndio do cinema e Hotel Glória. Mas também tive momentos de alegria e diversão, como as batalhas de confete durante os carnavais, os desfiles das bandas Campesina e Euterpe. Vi de tudo. De nossa sacada vi passar um bom pedaço da história de Friburgo.

E por aí vão as lembranças de Carlos Jayme Jaccoud, que aos 80 anos, mais ou menos, tomou para si a missão de digitalizar as atas da Câmara Municipal de Nova Friburgo, de 1820 a 1889, empreendimento ao qual se dedicou por mais de seis anos. São muitas histórias, que ouvi com prazer durante quase duas horas. Entre tantas, lembrou de seu encontro com um “primo” descoberto no pequeno vilarejo de Fiauger, em Fribourg, a vinda dos suíços para o Brasil, as travessuras infantis, as origens de algumas famílias friburguenses, professoras, vida doméstica, pais, irmãos e avós. Nunca nos cansamos de ouvir uma pessoa como seu Jayme, filho de Manoel Aristão Jaccoud e Anna Zalina de Siqueira Jaccoud, descendente de Jean Pierre Jaccoud e Marie Rose Robadey Jaccoud. Um cidadão que orgulha a terra onde nasceu.  

  • Carlos Jayme de Siqueira Jaccoud (Lúcio Cesar Pereira/A Voz da Serra)

    Carlos Jayme de Siqueira Jaccoud (Lúcio Cesar Pereira/A Voz da Serra)

  • Carlos Jayme de Siqueira Jaccoud (Lúcio Cesar Pereira/A Voz da Serra)

    Carlos Jayme de Siqueira Jaccoud (Lúcio Cesar Pereira/A Voz da Serra)

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