“A Lei Orgânica não foi um fato político”, diz presidente da Câmara

Vereador Alexandre Cruz avalia os benefícios que a "Constituição friburguense" trará à população
sábado, 21 de julho de 2018
por Marcio Madeira (marcio@avozdaserra.com.br)
Alexandre Cruz:
Alexandre Cruz: "essa LOM deverá perdurar por 40 ou 50 anos. As futuras gerações sentirão mais do que nós as consequências do que foi votado aqui"

Em entrevista exclusiva ao jornal A VOZ DA SERRA, o presidente do Legislativo friburguense  relembra todas as etapas de elaboração da nova Lei Orgânica Municipal e avalia os benefícios que a legislação trará à população.

AVS: Vamos voltar a 1º de janeiro de 2017. Como foi que surgiu a ideia de reformar a Lei Orgânica Municipal? Considerando que essa é uma iniciativa pioneira entre os municípios brasileiros, o senhor já tinha imaginado que seria o presidente da Câmara de Vereadores por ocasião dos 200 anos de Nova Friburgo?

Alexandre Cruz: Não. Na verdade, ao longo dos três mandatos anteriores nunca houve de minha parte o desejo de ser presidente. Eu já havia sido vice-presidente em três oportunidades, por seis vezes fui secretário de Serviços Públicos e uma vez secretário de Obras. E quando meu nome foi apontado como possível candidato, a partir de sugestões do deputado Comte Bittencourt, do ex-presidente Marcio Damazio, e alguns colegas que acharam que naquele momento seria importante, eu aceitei o desafio e venci. Na posse, em 1º de janeiro de 2017, sabíamos que à tarde haveria o rito de posse do novo prefeito. E enquanto eu saía da Câmara, pedi orientação a Deus a respeito de que forma poderia propor uma situação diferente, gerar um fato novo para a cidade. E veio no meu coração a Lei Orgânica. Nossa lei, como a de todos os municípios do Brasil, já estava próxima de completar 30 anos, e pensei: ‘Meu Deus, vou falar com os colegas vereadores, com o colegiado e o novo prefeito, e durante meu discurso vou propor esse desafio à Câmara Municipal, para que a legislatura dos 200 anos pudesse entregar, no dia 16 de maio de 2018 a nova Lei Orgânica Municipal. Mais tarde nos demos conta de que não seria uma nova Lei Orgânica, uma vez que não se tratava de um novo município, mas um processo de atualização e reforma da LOM de 1990. E assim as coisas começaram a acontecer. Os vereadores aceitaram o desafio, e por uma prerrogativa da presidência criamos a comissão especial para elaboração da lei, com nove membros – sete titulares e dois suplentes –, que funcionou muito bem. E o primeiro passo seria discutirmos essa nova LOM com a sociedade civil organizada, a população tinha que ser ouvida. Tínhamos pela frente uma oportunidade única de atuação conjunta com a sociedade, em busca daquele lema que eu adotei desde o início: resgatarmos a estima da população perante o Poder Legislativo. Nesse momento difícil que vive o Brasil, e o estado do Rio em especial, não apenas de crise econômica, mas de crise moral, tínhamos a chance de mudar os quadros e a cara da Câmara, mostrando à população que aqui tem gente séria e podíamos fazer um bom trabalho. E aí veio a dúvida: a população perguntava o que é Lei Orgânica. A Lei Orgânica nada mais é do que a nossa constituição municipal. Nós temos a Constituição Federal, a Constituição Estadual – que muitos até desconhecem –, e a “Constituição Municipal”, que é a Lei Orgânica do município.

O senhor tem ideia de quantas audiências públicas foram realizadas?

Em torno de 70.

E além disso houve também a colaboração de diversas entidades, inclusive a própria OAB, a fim de garantir que toda essa participação popular estivesse em harmonia com as demais legislações vigentes, no próprio município ou em esferas superiores. O que o senhor pode dizer a respeito deste envolvimento da sociedade?

Nesse ponto eu tenho que agradecer à imprensa de modo geral, porque tivemos todo o suporte para que pudéssemos divulgar o que estava acontecendo. E foi isso que nos permitiu abrir o leque. Desde o início reuni os vereadores e manifestei o desejo de que a lei não fosse feita apenas a partir de nossas cabeças. A sociedade precisava ser consultada. Nós queríamos ouvir, debater, e então levamos essa demanda às entidades e à população. E assim foi feito. A Comissão elaborou uma agenda de trabalho, que começou em fevereiro de 2017 e terminou praticamente em maio de 2018. Portanto os encontros estenderam-se por mais de um ano, e todos puderam falar e debater. Graças a Deus a participação foi tão grande, que não temos como dizer que não deu certo. E a repercussão tem sido muito grande. Já recebemos pessoas vindas até da França, em agradecimento a avanços na questão ambiental, tivemos a participação de representantes da Uerj e da UFF no dia da votação, e já estamos sendo procurados por diversas câmaras municipais que querem conhecer nossa Lei Orgânica. No ano passado  recebemos representações de 14 câmaras municipais, que vieram aqui conhecer nossa metodologia de trabalho. E desde a aprovação da LOM estamos recebendo inúmeros telefonemas de pessoas querendo conhecer mais sobre esse projeto, que é inédito no Brasil.

O tabuleiro político é terreno para disputas de interesses e de poder. É evidente que as mudanças não agradaram a todos, e nos bastidores houve tensão, houve tentativas de interferir. Além disso, apesar de ser uma iniciativa do Legislativo, a Câmara consultou amplamente o Executivo durante o processo de elaboração. Tudo isso, aliás, resultou em dois adiamentos, que frustraram o objetivo inicial de entregar a nova lei no dia 16 de maio. O que o senhor pode dizer a respeito dos bastidores da elaboração e da construção da aprovação da nova LOM? Foi frustrante ter que adiar a votação?

Obviamente, no primeiro momento tudo frustra, porque havia o desejo de entregar a lei na festa do bicentenário. É como construir uma casa, e ter que adiar o dia de se mudar para ela. Mas depois a poeira baixa, e é preciso ter amadurecimento. Eu venho pedindo a Deus que ajude a me lapidar a cada dia. E eu preciso parabenizar a todos os vereadores na pessoa do Professor Pierre. Porque o nosso amadurecimento serviu para que soubéssemos muitas vezes recuar, para que pudéssemos avançar mais à frente. O prazo de entrega reflete bem isso. Havia uma promessa de que a lei seria entregue no dia 16 de maio, e não conseguimos cumprir. Foi proposta então a data de 10 de junho, e de novo não conseguimos. Recuamos mais uma vez, porque havia um pedido do governo municipal. Essa foi mais uma ocasião em que a Câmara demonstrou que vem assegurando toda a governabilidade necessária ao Executivo. Porque eu quero deixar bem claro: a Lei Orgânica não é do presidente da Câmara, não é do prefeito, não é dos vereadores. Ela é de Nova Friburgo! Todos ajudaram, e principalmente a sociedade, para que ele pudesse se tornar o grande documento que de fato é. Eu acredito nisso. Então veio a data final, com todas as emendas, toda a discussão... Realmente houve muitos altos e baixos, é verdade, muito desgaste emocional, mas no último dia 12 de julho conseguimos, finalmente, aprovar a LOM. E por unanimidade. Obviamente é impossível alcançar a perfeição, mas diante da satisfação de ver esse documento aprovado, e aprovado de uma maneira tão simbólica e debatida – porque essa é uma casa de debates – eu me sinto realmente satisfeito e feliz.

Diante das dificuldades que foram surgindo antes da aprovação final, houve diversas manifestações de apoio à LOM, por parte da sociedade. OAB, Ministérios Públicos, entidades e até mesmo cidadãos, na assistência. Qual foi a importância dessas manifestações para que fosse possível aprovar o texto?

A Lei Orgânica não foi um fato político, como alguns quiseram alegar. A LOM foi um fato para Nova Friburgo. O Poder Legislativo – esse foi o pensamento que eu tive desde o início – tinha que criar um fato para os 200 anos, e o presente que a Câmara podia dar à cidade pelos seus 200 anos era um documento desta espécie, dessa magnitude, para que pudesse mudar para melhor a vida do cidadão. O contribuinte paga os salários dos vereadores para que nós possamos ter ações positivas à população. E quando começaram a dizer que era isso ou era aquilo, nada chegou a me preocupar porque Deus sabia que no meu coração existia o desejo e uma vontade firme de que isso acontecesse. Mas também foi muito importante essa certeza de que também existia esse desejo por parte da sociedade civil organizada, através das manifestações do Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, ONGs, OAB, associações de moradores, conselhos de classe, conselhos municipais, sindicados – em especial o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais (Sinsenf), e muitas organizações que participaram da elaboração desse documento. Porque as pessoas viram que não se tratava de um fato político, mas de um fato real. Uma lei que precisava ser aprimorada, para que assim pudéssemos melhorar a qualidade de vida do cidadão, e de fato acordar para as mudanças que estão havendo no mundo atualmente. Ali entraram dispositivos sobre a comunidade LGBT, mobilidade, Defesa Civil, família, idosos, adolescentes, crianças, funcionalismo público... Ou seja, vários assuntos atuais que não eram contemplados na LOM de 1990. Fizemos uma mudança radical, que nos dá a crença de que essa LOM deverá perdurar por 40 ou 50 anos. As futuras gerações sentirão mais do que nós as consequências do que foi votado aqui, no último dia 12.

Ainda assim o senhor tem exaltado a importância da lei de 1990, como base para a atual...

Sim, porque alguns disseram que nós queríamos apagar o que foi feito no passado, e isso não é verdade. Não houve, em momento algum, o desejo de apagar a história da grande lei de 1990 que, diga-se de passagem, serviu a nós, friburguenses, durante quase 30 anos. Nós apenas adubamos a lei de 1990 para que ela pudesse florir mais, e se adequar à realidade dos dias de hoje. E mais: no dia da votação nós determinamos à secretaria de expediente que faça constar, quando da publicação do livro que irá conter a nova LOM, os nomes dos grandes edis que participaram da elaboração da Lei Orgânica de 1990, para que ess legislatura seja homenageada na contracapa do livro. Porque eles fizeram história, e nós simplesmente estamos dando continuidade a tudo aquilo que foi criado em 1990. Isso é respeitar o passado, e fazer com que aqueles homens e mulheres, que trabalharam incansavelmente, pudessem ver a continuidade daquilo que eles plantaram naquela época.

Missão cumprida?

Sim, existe a consciência do dever cumprido, mas acima de tudo o privilégio de poder ser útil. De fazer o que se gosta e poder contar com uma Câmara que tem 21 vereadores, cada um defendendo aquilo que acredita, mas todo mundo compreendendo no fim que a Lei Orgânica não era do presidente. Eu simplesmente entrei com essa ideia, mas deixei sempre claro que todos os vereadores estariam fazendo parte desse momento histórico. Juntos, nós estamos reescrevendo a história da Câmara, e reescrevendo a história de Nova Friburgo, com a publicação deste grande documento. Porque é mesmo um grande documento. Eu não duvido disso, ainda mais com as manifestações que estamos recebendo. O presidente vai passar, o prefeito vai passar, os vereadores vão passar. Mas a história há de lembrar, daqui a 30 ou 40 anos, que o vereador tal, o presidente tal e o prefeito tal fizeram parte da elaboração desse documento. Basta lembrar que o atual prefeito foi o relator da antiga lei. Isso é a história que continua, e eu acho que na vida pública a gente tem que deixar um legado de coisas bem feitas. Mesmo que muitos discordem.

O senhor gostaria de fazer algum agradecimento?

O peso da presidência é muito grande, a nossa família sofre muito. O trabalho consome entre 16 e 17 horas por dia, eu chego à Câmara às 8h sem ter hora para sair. A agenda de visitas, de trabalho, de reuniões, de eventos... É preciso prestigiar, porque as pessoas querem que o presidente esteja nos locais. E esses eventos são importantes, porque é assim, sabendo de tudo o que está acontecendo, que nós podemos trazer os debates para dentro desta casa. Então, sim, antes de tudo eu preciso agradecer a Deus, porque tenho a certeza de que veio dele a inspiração para que essa lei acontecesse. Depois, obviamente preciso fazer um agradecimento especial à minha família: ao meu pai, à minha mãe, aos meus irmãos, à minha esposa, aos meus filhos... À minha pequena Maria Vitória, minha caçula, que obviamente sofre. Ultimamente eu a estava levando rapidamente à escola para que ela não esqueça que tem pai. O vereador Professor Pierre trabalhou incansavelmente e passou pela mesma situação. Sem desfazer do sacrifício dos demais vereadores, mas ele foi o relator. Quem trabalhou mais diretamente na elaboração da lei sabe que, muitas vezes, não foi possível nem mesmo ir a aniversários de parentes. Eu mesmo faltei a alguns, e tudo isso é reflexo do amadurecimento dessa Câmara. Agradeço à população, pela forma carinhosa e respeitosa com que sempre me recebeu, e por ter esperado, por ter entendido os dois adiamentos. Agradeço aos vereadores, porque o povo me elegeu, mas eu estou presidente porque os vereadores também me elegeram. A todos, eu quero dizer que essa lei foi criada exclusivamente para melhorar a qualidade de vida e dar mais condições ao nosso povo, à nossa gente. Eu não tenho dúvidas de que ela veio para ficar, e vai servir de base para o país. Não foi fácil, mas no final deu tudo certo. Ela não é uma lei copiada, e vai mudar para melhor a vida do cidadão. Todo esse episódio mostra que a população pode, e deve, contar com a Câmara Municipal.

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