Márcio Madeira
"Ainda existem pessoas boas no mundo”
Esta frase é a primeira que vem à mente quando alguém se depara com um grande contingente de estrangeiros dedicado a trabalhos voluntários junto às parcelas mais carentes de uma população tão distante. Uma cena que tem sido comum em Nova Friburgo desde a chegada de vários grupos de jovens de todas as partes do mundo, atraídos pela Jornada Mundial da Juventude. Pessoas que optaram por viajar mais cedo justamente com a intenção de praticar o bem e ajudar quem precisa. Entre esses jovens, um grupo de 95 espanhóis, a maioria com origens em Madri, Barcelona, Valencia e Santander, que têm se dividido entre serviços na Clínica de Repouso Santa Lúcia, em Mury, Casa dos Pobres São Vicente de Paulo, no Centro, e em algumas creches do município.
A imagem é tocante. Jovens entre 17 e 25 anos cortando cabelos, fazendo unhas e interagindo alegremente com pacientes que, na maioria dos dias, não recebem qualquer tipo de visita externa. Duas realidades extremamente distantes, pessoas de mundos diferentes, reunidas no tempo e no espaço pela atração da solidariedade. E então são abraços, sorrisos, diálogos — estes mais gestuais do que verbais. Trocas de energia, de experiências... Cursos intensivos sobre a vida, crescimento mútuo. A urgência das relações parece refletir com nitidez tanto a brevidade do momento quanto a diversidade de experiências e rotinas. O "outro”, de repente, parece ter saído das telas de televisão e por algumas horas está ao alcance das mãos. E das perguntas.
Todos ganham, sem qualquer distinção. "O Santa Lúcia é um hospital conveniado ao Sistema Único de Saúde (SUS), e nós temos passado por inúmeras dificuldades em virtude das diárias baixas que nos são repassadas. Não é um quadro apenas daqui, mas uma situação comum no quadro da saúde pública brasileira. Então, diante dessa realidade, qualquer iniciativa de apoio acaba tendo sempre um impacto muito grande, além de fazer muito bem aos pacientes. O que esses jovens estrangeiros estão fazendo é como um presente de Deus, tanto pela alegria quanto pelas ações. Cada sorriso que eles multiplicam acaba tendo efeito até maior do que os muitos remédios que a gente administra aqui. E isso acaba sendo um exemplo para a população local sobre a importância de uma juventude comprometida, atuante e atenta às necessidades desses irmãos desprovidos e necessitados. O paciente psiquiátrico costuma ser esquecido e abandonado, porque geralmente ele não vota, não reivindica, e muitas vezes não pode contar nem mesmo com a própria família. A Clínica Santa Lúcia atende 160 pacientes e instituições como a nossa precisam muito de doações e ajuda”, explica o psicólogo Paulo Langer de Mattos.
"Somos um grupo de 95 pessoas e viemos a Nova Friburgo para fazer voluntariado, ajudar os desvalidos”, afirmou o jovem e sorridente Manuelo Trigo, de 17 anos, morador de Madri. Logo ao lado, a bela jovem Lourdes Sánchez Galindo, madrilenha de 23 anos, ostenta o mesmo sorriso ao cortar os cabelos de pacientes do hospital. "Estamos cuidando dos enfermos mentais, brincando com eles, cortando cabelos, fazendo unhas, dando atenção, ensinando a fazer artesanato, fazendo companhia e todo o possível para entretê-los. Pintamos as paredes aqui e num colégio também. Outra parte do grupo está na Casa dos Pobres São Vicente de Paulo cuidando dos doentes”, explicaram Santiago López, Ignez Piqueras, Cristóbal López e Miguel Roic.
Óbvio que nem tudo é fácil. Entre um e outro atendimento, um paciente pede para que seja levado de lá, diz que já teve alta, que está liberado. E insiste, quer saber se pode ir junto, sem nem ao menos perguntar para onde. A troca de carinhos de repente revela seus limites, e todos sentem a frustração do momento.
Foi Ítalo Calvino quem escreveu que "o outro é como um espelho em negativo, pois nos diz quem somos ao mostrar o que não somos”. Dura verdade. Ao testemunhar o encontro de vidas tão distintas na superfície, mas tão iguais em suas essências; ao ver a juventude saindo de sua zona de conforto em busca de significados maiores à existência; ao observar a resposta imediata dessas vidas tão carentes a qualquer demonstração de carinho e atenção, o coração se enche a um só tempo de esperança e culpa. Ninguém passa ileso por este tipo de experiência, afinal.
Esta é a frase que por fim ecoa na mente após se deparar com exemplos como esses.
"O que eu tenho feito pelos meus semelhantes?”
Exemplo de solidariedade: jovens espanhóis dedicam-se alegremente
a tarefas voluntárias pelo bem dos pacientes psiquiátricos da Clínica Santa Lúcia
Paulo Langer de Mattos, psicólogo da Clínica Santa Lúcia
Os jovens Santiago López, Ignez Piqueras, Cristóbal
López e Miguel Roic em meio a pacientes da clínica
As aulas de artesanato despertaram grande interesse
Em primeiro plano, o jovem Manuelo Trigo cortando os cabelos de pacientes
A madrilenha Lourdes Sánchez Galindo também
cuida dos cabelos dos internos da Clínica Santa Lúcia
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