Jornalista com “J” maiúsculo

quinta-feira, 25 de junho de 2009
por Jornal A Voz da Serra

Por Liliane Souzella

Comecei a trabalhar em jornal aos 14 anos, aqui em Nova Friburgo. E tenho muito orgulho disso. Naqueles tempos, não havia ainda curso de graduação de Comunicação Social na cidade e a lei previa que, nestes casos, as pessoas que exercessem a profissão não teriam por obrigação apresentar um diploma para obter o registro profissional. Mesmo assim, optei por ir morar em Niterói, onde tive a oportunidade de cursar jornalismo. Foi a decisão mais sábia e não me arrependo. Cursar uma faculdade mudou minha vida, meu jeito de pensar, aprofundou meus conhecimentos, me ensinou a refletir e a questionar meus valores.

Hoje, também graduada em direito, admito ter ficado estarrecida com a decisão do Supremo Tribunal Federal de derrubar a obrigatoriedade de diploma para o exercício da profissão. E mais espantada ainda com os argumentos apresentados antes, durante e depois da lamentável sessão. A decisão do STF é extremamente equivocada. Primeiro, porque considera liberdade de expressão e direito à informação como um único direito, garantido constitucionalmente. São dois direitos distintos, e ambos são, atualmente, respeitados pelos veículos de comunicação, que reservam espaços específicos em suas páginas para publicar opiniões e informações.

Segundo, porque ameaça justamente o direito à informação de todos nós, a partir do momento em que permite que pessoas despreparadas exerçam a profissão de jornalistas. Terceiro, porque a afirmação de que um erro jornalístico não representa riscos à sociedade é bizarra. Quem não se lembra da Escola Base, de São Paulo, cujos donos tiveram a vida arruinada por conta de sucessivos erros cometidos pela imprensa? Sem falar de outros casos, de vidas invadidas, imagens expostas e reputações destruídas por erros e sensacionalismos da imprensa.

E, por fim, o argumento de que basta escrever bem para ser jornalista só pode ser utilizado por pessoas de má-fé ou que desconheçam completamente o dia a dia de uma redação de jornal, seja ele impresso, de televisão, rádio ou internet. Escrever corretamente é pressuposto básico para a profissão, sim, mas não é tudo. Um bom jornalista precisa conhecer as técnicas que o tornarão apto ao exercício de um ofício que, todos sabem, é fundamental para a manutenção de qualquer regime democrático.

Ele precisa da técnica para escrever uma matéria jornalística, para redigir um bom lead – quem não sabe o que isso significa pode se matricular em nosso curso de Comunicação Social para aprender. Somente com técnica ele saberá entrevistar uma pessoa – não apenas registrar e reproduzir o que ela diz – mas entrevistar de verdade, com questionamentos, perguntas consistentes, conduzindo a conversa para a obtenção de dados importantes, que irão compor a reportagem e fornecer ao leitor, ouvinte ou telespectador a informação de que ele necessita. E tantas outras técnicas que nem vêm ao caso neste momento.

Além disso, teoria e técnica andam juntas em nossa profissão. Um jornalista precisa de bagagem cultural e de conhecimento geral sobre vários assuntos – ele precisa da multidisciplinariedade que somente uma universidade qualificada pode oferecer. Ele precisa de cultura para ter condições de entrevistar qualquer profissional, de qualquer área. E isso ele só vai aprender nos bancos universitários.

A lei pode não exigir, mas o mercado vai selecionar, sim, os profissionais realmente qualificados. E esta qualificação passa, necessariamente, pelo curso de graduação em Comunicação Social. Hoje, a velocidade é uma das características primordiais da boa informação. Estamos na era do tempo real. O mundo mudou, não se aprende mais o ofício nas antigas redações, que levavam uma semana para colocar uma edição nas ruas. A dinâmica é outra, a rapidez é parte inerente da profissão e não há espaço no mercado para aprendizes, amadores e curiosos.

Acredito que a questão vai além das características da profissão. O Jornalismo (com J maiúsculo) é, hoje, em nosso país, a única esfera que, de verdade, enfrenta, questiona e denuncia as falhas do Judiciário, do Executivo, do Legislativo. Talvez aí esteja a resposta para esta decisão de derrubar a regulamentação da profissão. Mas o que eu gostaria também de saber é por que o Judiciário não declara a inconstitucionalidade do Artigo 20 do Código Civil, que permite a censura nos meios de comunicação; a mesma censura que é vetada pela Constituição em seu artigo 220.

Tenho muito orgulho do meu diploma e do meu registro profissional. Não há decisão judicial capaz de reduzir o valor do meu conhecimento, da minha capacidade de exercer com dignidade e ética a profissão que escolhi quando ainda tinha 14 anos.

Liliane Souzella é jornalista, graduada em Comunicação Social; bacharel em Direito; mestranda em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense; assessora de Comunicação e coordenadora do Curso de Comunicação Social da Universidade Candido Mendes de Nova Friburgo.

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