A inteligência financeira e a importância da educação financeira

Economista Gabriel Alves ensina o que fazer ainda este ano para pensar num 2020 mais próspero
sábado, 26 de outubro de 2019
por Ana Borges (ana.borges@avozdaserra.com.br)
Gabriel Alves:
Gabriel Alves: "O que manda no equilíbrio é a inteligência financeira"

“Não é de hoje a preocupação com as finanças pessoais e a economia doméstica. Contudo, a necessidade de uma vida financeiramente estável nunca foi tão imediata. O Brasil, há anos, vem enfrentando uma grave crise econômica que afeta diretamente grande parte da população. Em meio a tantos acontecimentos e tentativas de reerguer a economia, os índices de pobreza e desigualdade não param de subir. Se formos considerar o índice de endividamento familiar, os números assustam: 44,04% – de acordo com uma pesquisa do Banco Central – das famílias brasileiras estão em situação de endividamento”, revela o consultor financeiro Gabriel Alves, que nesta entrevista exclusiva esmiúça o assunto.

A VOZ DA SERRA: O que é inteligência financeira?

Gabriel Alves: Não há uma definição estrita acerca do termo, mas numa noção geral, inteligência financeira é o equilíbrio entre controle emocional e educação financeira; é a capacidade de tomar boas decisões que afetam positivamente a qualidade de vida com o menor impacto possível no padrão de consumo. Independente de qual seja a sua renda, o importante é viver bem e com um padrão de vida bem elaborado.

Como usá-la para alcançar uma vida financeira equilibrada?

Viver com mais inteligência financeira é resultado de um conjunto de hábitos, e o primeiro deles é falar sobre dinheiro. Dinheiro é rotina, mas virou tabu. Não é comum ouvirmos conversas francas sobre valores e quantias; não é comum saber quanto o seu amigo ganha ou gasta. A transparência – principalmente no contexto familiar – é fundamental para alcançar uma vida financeiramente equilibrada. Outros costumes, como o de planejar metas e elaborar um orçamento doméstico também são indispensáveis. Além de criar uma nova rotina financeira, esses hábitos farão, das suas finanças, um sistema completo de concepção de necessidade, previsão e prevenção de crises e sazonalidades, aquisição de ativos e conforto. Parece utópico, mas com planejamento é possível.

Por que há a cultura do endividamento no Brasil?

Nosso país tem uma história recente de estabilização monetária e econômica; são 25 anos desde a criação do Plano Real na tentativa – que deu certo – de combater a hiperinflação que assolava a economia do país e corroía as finanças da população, principalmente os que não tinham educação e capital necessários para proteger seus patrimônios. A hiperinflação fez com que os consumidores criassem os hábitos de imediatismo (guardar dinheiro desprotegido da inflação astronômica era uma tática ineficiente de controle financeiro) e estocagem (valia mais a pena comprar tudo o que desse do que deixar o dinheiro perder seu valor). Hábitos que, de tanto serem passados através de gerações, tornaram-se culturais.

Passados tantos anos, qual é, então, a causa dessa inadimplência estrutural?

De acordo com muitos especialistas, o problema é simples – ainda que muito complexo –, a falta de educação financeira. Sem entrar em questões específicas do contexto nacional de educação, é evidente a necessidade de uma reformulação da base comum curricular. Afinal, e sem desmerecer qualquer conteúdo básico educacional, lidamos com dinheiro todos os dias e ninguém nunca nos ensinou no colégio como fazê-lo com inteligência financeira. É somente com investimento em educação que o quadro financeiro das famílias será transformado; e nisso Nova Friburgo é exemplo em dar o primeiro passo para a contribuição com a educação financeira de sua população.

Como assim?

Com a Nova Lei Orgânica da cidade aprovada em 2018, os currículos das escolas municipais – no âmbito do ensino fundamental – passam a considerar o estudo de “educação financeira, incluindo construção de conhecimentos em economia familiar” como parte do desenvolvimento cidadão. É só o primeiro passo. Educação financeira é para todos e os conhecimentos adquiridos são amplos. Outros projetos a fim de democratizar a educação financeira podem ser os pilares de uma futura sociedade mais consciente de suas escolhas.

Em que nível estamos em termos de índice quanto à educação financeira?

Para início de conversa, é importante ressaltar que o Brasil não está nada bem quando o assunto é educação financeira. Em 2016 a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizou uma pesquisa sobre conceitos financeiros em 30 países e nosso desempenho é alarmante. Com um índice de acertos de 58%, o Brasil ficou muito abaixo da média de 78% e ocupou a 27ª colocação; ficando à frente apenas da Croácia, Bielorrússia e Polônia. De acordo com a avaliação da própria OCDE, o problema apresentado no Brasil é o foco no curto prazo. Como já citei, o imediatismo é um mau hábito. Educação financeira é algo com que Estado e população precisam começar antes que a situação se agrave ainda mais.

O que dizem as pesquisas sobre essa questão?

A Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), Serasa Experian e Banco Central do Brasil (BCB) são instituições que promovem pesquisas e estudos a fim de mapear e analisar o cenário financeiro pessoal e familiar da sociedade. Em pesquisas recentes, - 73% dos consumidores viram o valor dos compromissos financeiros superar as receitas em seu orçamento familiar. Os números divulgados nestes levantamentos têm evidenciado as consequências da falta de educação financeira e como isso pode afetar diretamente a qualidade de vida.

Como combinar consumo e qualidade de vida?

Para pensar em ter uma vida financeira equilibrada, é preciso já ter de antemão as definições de padrão de consumo e qualidade de vida esclarecidas. Padrão de Consumo é o valor médio de gastos ao longo de um determinado período. Equivoca-se quem pensa que um padrão de consumo alto corresponde a qualidade de vida alta. Qualidade de Vida, de acordo com a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), é “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. Ambos estão diretamente relacionados, mas os conceitos se confundem quando escolhas ruins fazem com que o padrão de consumo aumente deliberadamente e o descontrole – com a falta de planejamento –  financeiro e emocional resulte na perda de qualidade de vida.

O que fazer com o 13º salário e o saque do FGTS?

Quitar dívidas! Não há investimentos cujas rentabilidades superem as taxas de juros cobradas em dívidas. O Brasil tem as maiores taxas de juros de cartão de crédito do mundo, pagá-las é como dar um tiro no próprio pé. Caso não esteja endividado, comece a pensar nos IPTU, IPVA, material escolar e outros destinos que o início de um novo ano reserva para o seu dinheiro. Maneire nos presentes e faça apenas o que seu orçamento permitir. O controle emocional é fundamental para que suas atitudes sejam condizentes com a sua realidade financeira.

Para encerrar, o que gostaria de acrescentar sobre equilíbrio financeiro?

Com o intuito de ajudar o leitor a conquistar uma vida financeira equilibrada, recomendo começar já, este mês, outubro de 2019, a planejar suas finanças. Analise sua atual situação econômica: endividamento crítico, endividado, falso equilíbrio (gasta o que ganha), poupador ou financeiramente equilibrado? Descubra seu perfil. Feito isso, é hora de aproveitar o momento a seu favor: saiba o que fazer com as rendas e despesas extras. As sazonalidades devem ser consideradas ao fazer um planejamento financeiro a fim de precaver possíveis crises na economia doméstica. O perfil do falso equilíbrio, por exemplo, corre um risco enorme de recair no endividamento caso deixe de considerar uma possível sazonalidade. Suponhamos que num período de muitos gastos, as vendas de um profissional autônomo caiam significativamente. Se ele não estiver preparado, as contas não vão fechar, as dívidas vão começar a surgir e cresce o risco de a situação se agravar. É daí que vem a necessidade da criação de uma reserva de emergências; não podemos prever o futuro e justamente por isso precisamos estar preparados para ele. Reserva de emergências é um valor proporcional ao seu padrão de vida – que a essa altura do planejamento já precisou passar por revisão – e corresponde a determinado tempo. Recomendo de 3 a 6 meses de consumo. Por exemplo, se o seu padrão de vida foi calculado em R$ 2 mil, a sua reserva de emergências precisa ser de R$ 6 mil a R$ 12 mil, e precisa estar aplicada em produtos de alta liquidez para ser resgatado a qualquer momento.  E é assim que a balança entre dinheiro e qualidade de vida fica equilibrada: independente de receita, o que manda no equilíbrio é a inteligência financeira.

 

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