Carlos Lima
Caminhando pela Praça Getúlio Vargas, sábado de sol—eu tinha acabado de fazer musculação na Academia de meu colega de turma, o grande Spinelli—, alegre ia reencontrar minha belíssima amiga Maura, louríssima, de olhos azuis, quando ouço gritos:
— Bryan, cuidado, Bryan, cuidado!
— Vovó não quer que você corra!
Pasmo reparei uma bela senhora de uns 68 anos, ruiva, bela, muitíssimo bem vestida, esporte fino, fumando—com muita classe, diga-se de passagem, mas fumando—, eu então pensei no meu tempo, quando era impensável uma vovó dizer isso; as crianças ficavam soltas para brincar, para correr, para saltar, e ainda estamos vivos, e os fumantes, como a bela vovó friburguense, quantos já morreram?
Andávamos em carros sem cintos de segurança (verdade), em carros sem air bag. Se batêssemos não havia chance. Andávamos na rua de bicicleta, não havia ciclovias, sem capacete. Era normal pedir carona a estranhos, sem neurose. Você que lê lembra das caronas de estranhos?
Bebíamos água direto da bica, abria-se a bica e glub, glub; jogávamos futebol na rua com carros passando, e com sede íamos na primeira bica e glub, glub; não havia ”água ionizada”. Andávamos de patinete que ”construíamos” muitas vezes sem freios. Quando batíamos num poste e nos machucávamos, lembrávamos dos freios. Subíamos em árvores para pegar frutas, cajás, goiabas, mangas, e algumas vezes caíamos, e nos machucávamos. Ao chegar em casa, não havia chiliques—caiu?, levante, e aprenda a ser homem!
Comíamos o que havia para comer. Não acreditei quando o neto de minha querida Maura falou: “Vovó, não gosto de beterraba, nem de cenoura”. Uma criança de 12 anos. Lembro-me que com essa idade certa vez na escola pública primária onde estudei, na hora da merenda, falei para a merendeira: “Não gosto de arroz-doce”. “O quê? Não gosta?”. A merendeira chamou minha professora. “Esse menino diz que não gosta de arroz-doce”. Minha professora então falou: “Merendeira, faça um prato bem cheio de arroz-doce até a borda. E você, menino, só vai levantar da mesa depois que comer tudo!”.
Eu fiquei sentado sem entender. Minha madrinha foi me buscar na escola, pois eu não chegava. Ao tomar conhecimento do caso, falou:
“Professora! Parabéns, assim que se faz. Menino, você trate de comer tudo e agora!!!” Fui obrigado a comer o arroz-doce goela abaixo. Não morri, estou forte, corado, e não fiquei traumatizado. Agora, já pensou isso nos dias de hoje, com avós superprotetoras, mães superprotetoras, jornalistas ávidos por sensacionalismos? A professora seria demitida. E nós ainda estamos vivos, estamos vivos.
Corríamos atrás de balão de São João, às vezes a bucha caía em cima da gente; corríamos atrás de pipas entre carros, caminhões e estamos vivos; cansei de pegar bonde andando, saltar de bonde andando. Nossos brinquedos eram brinquedos, não havia protetores para crianças, os pais ensinavam: ”Não pode comer nem engolir”. Se uma criança comesse uma peça de um jogo de damas ou xadrez, os responsáveis eram os pais! Hoje o responsável é quem fabrica. Incrível, mas verdadeiro!
Não tínhamos telefone celular. Saíamos para brincar e só voltávamos para casa quando a luminosidade do dia acabava. Nossos pais não nos paparicavam, vivíamos e aprendíamos que viver é correr riscos. Se não se chegasse na hora do jantar, ficava sem jantar, e ninguém morria por isso, pelo contrário, se aprendia a respeitar os horários, se aprendia a ter horário. As crianças corriam, pulavam, saltavam, não havia tantas crianças obesas como existe hoje. Incrível como existem ”gorduchos e gorduchas”, crianças que só comem e assistem a televisão e navegam no computador, e nós ainda estamos vivos. Não havia censura federal, Conar, etc. Se passasse um filme impróprio, o próprio pai ou mãe dizia: ”Menino, vá dormir” e ninguém respondia. Jogávamos futebol de campo descalços sem proteção. Brigávamos—e que ninguém fizesse queixa em casa: “Resolva seus problemas na rua, escolha melhor suas amizades.”
No futebol da escola, nem todos podiam jogar. Aprendíamos que na vida uns são melhores que os outros, aprendíamos a lidar com isso. Na escola aprendíamos, percebíamos, que uns são mais inteligentes que os outros; uns aprendiam rápido, outros eram reprovados, ou se estudava e passava ou se ia ao pau. Aprendíamos a ser responsáveis por nossas ações, e a arcar com as consequências. Não havia alguém que pudesse resolver isso pela gente!
A ideia de um pai protegendo um filho que desrespeitasse a lei era inconcebível. O pai era o primeiro a fazer com que as leis fossem cumpridas, até para não envergonhá-los. (Por isso: “Falhei na educação do meu filho”). Não íamos à boite! Mas ouvíamos Big-Boy, “Ritmos de Boite”, às 24 horas na Rádio Mundial. Ouvíamos os discos de Ray Conniff (aqueles olhos verdes, “Besame Mucho”, “Love Is a Many Splendored Thing”), íamos a bailes de terno dançar ao som de “Românticos de Cuba”, com moças de vestidos longos. Nos bailes de formatura dançávamos valsas.
Nós vivemos os anos dourados, mais que isso, nós fomos protagonistas dos anos dourados! Vivemos, e nossa gerarão produziu compradores de risco, criadores de solução, inventores—os últimos 50 anos foram uma explosão de inovação e novas ideias!
Tivemos liberdade e responsabilidade!
Sucesso e fracasso!
Alegria e dor!
E aprendemos a lidar com isso!
Se você tem mais de 50 anos,
Você é um deles!
Você é um dos nossos!
VOCÊ É UM HOMEM!
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