Ao chegar ao Hospital São Lucas para entrevistar os diretores Hebson Deslandes e Jesuino Olivio da Cunha, na última quarta-feira, por volta das 10h da manhã, soubemos que uma jovem senhora, de 49 anos, dera entrada no pronto socorro com um quadro típico de infarto. Os primeiros exames confirmaram o diagnóstico e ela foi encaminhada para a unidade de cardiologia onde a equipe iniciou o atendimento. Ao longo da entrevista o doutor Hebson ia se inteirando do caso. Quando encerramos, ainda preocupado mas confiante, recebeu as últimas informações e nos repassou: a paciente continuava na mesa de hemodinâmica, onde fora submetida a intervenções antes de receber um stent no coração. Tratava-se de um serviço de alta complexidade, num momento, se assim podemos dizer, de emergência urgentíssima.
Este caso, entre dezenas de outros, de pacientes chegando, saindo, recuperados, convalescendo ou em vias de falecer, é apenas uma pequena mostra do dia a dia de centenas de funcionários — desde serviços gerais ao corpo médico — em um grande hospital de um município de 200 mil habitantes, que também atende a população de outras seis, 10 ou mais cidades. Quer dizer, toda a região.
O Hospital São Lucas, ou Casa de Saúde São Lucas, como muitos ainda preferem, é uma unidade de referência da rede particular, o segundo do Estado do Rio em número de atendimentos, apto a realizar os mais complexos exames e intervenções. Sua sede ocupa um edifício de oito andares, no qual funcionam: centro cirúrgico, unidade de cardiologia (hemodinâmica e cirurgia cardíaca), serviço de fisioterapia, endoscopia digestiva, pediatria e ortopedia (24 horas), laboratório próprio capacitado para realizar os exames mais sofisticados, além de tomografia e ultrassom.
Ainda está bastante nítido na memória da população de Nova Friburgo, o abalo estrutural e financeiro sofrido pelo hospital na tragédia climática ocorrida na Região Serrana, em janeiro de 2011. A área externa do prédio foi duramente atingida pela enxurrada e pedras que destruíram equipamentos e setores importantes. O hospital ficou fechado por quase dois meses e a direção lutou diuturnamente para voltar a funcionar. Inclusive recorrendo a empréstimo bancário. Sobre essa questão, Hebson Deslandes confidenciou:
“Conseguimos voltar a funcionar 40 dias depois da tragédia, mas o empréstimo, “esse” (diz, acentuando bem a palavra), passamos cinco anos pagando. Só nós, aqui dentro, sabemos como foi suportar a pressão e superar tanta dificuldade. Portanto, os 50 anos da inauguração do São Lucas serão duplamente festejados porque quitamos essa dívida mês passado. Essa é uma vitória memorável, de todos nós, e também de amigos e parceiros que nunca deixaram de nos apoiar naqueles momentos tormentosos”, disse, quase num desabafo, o diretor-superintendente.
O começo no Paissandu
Apesar do São Lucas ter sido inaugurado em 17 de abril de 1966 — num prédio improvisado no Paissandu (no antigo Hotel Madrid) —, o embrião que daria vida ao futuro hospital foi concebido 26 anos antes, em 1940, no início da Rua Gal. Osório, onde funciona o Colégio Modelo. Era o Centro Médico, sob a liderança do doutor Dermeval Barbosa Moreira, um grupo de médicos abnegados, entre eles os pioneiros Chamberlain Noé e Valdyr Costa. Mas só havia sete leitos e a maioria dos atendimentos era feito em casa. Fazia-se o que era possível, muitas vezes, o impossível.
“Assim foi durante 26 anos, até 1966, quando o doutor Dermerval percebeu que não dava mais para trabalhar naquelas condições, diante da demanda que não parava de crescer. Foi quando ele teve a coragem de alugar um prédio onde havia um hotel. Adaptou as instalações e conseguiu criar 30 leitos”, vai contando e se emocionando com as lembranças, já que foi ali e naquele ano que ele (o doutor Hebson), iniciou a carreira e sua mulher Silvia Deslandes deu à luz seu filho Alexandre, também médico, integrante da equipe de cardiologia do São Lucas. Haja coração!
Mas, voltando à história, a mudança, sem dúvida, melhorou as condições de trabalho. Mas, por outro lado, não havia elevador e os enfermeiros subiam dois andares carregando as macas com os doentes, no braço. As gestantes, com seus barrigões, também subiam as escadas para parir seus filhos, do mesmo jeito que sua mulher, Silvinha. “Quando a gente achava que tinha melhorado, descobria que não era assim lá essas coisas”, conta Hebson, nostálgico, mas rindo da situação. O chão do centro cirúrgico, por exemplo, era de tacos. E claro, havia as enchentes que a cada ano ameaçavam alagar o térreo, e às vezes, alagavam mesmo. Ainda assim, o hospital crescia e com o tempo, a história se repetiu. Gente demais, espaço de menos.
“De novo, era preciso encontrar outro lugar, e dessa vez Dermeval não queria mais uma sede improvisada, mas um prédio construído para ser um hospital, preservando o espírito de servir a comunidade, como sempre fora, desde o centro médico de décadas atrás. Esse era um legado que não podia ser esquecido, muito menos perdido, e aquela equipe pioneira tinha absoluta percepção dessa filosofia de trabalho, da visão comunitária. Para concretizar esse projeto, o doutor Dermerval decidiu dispor do terreno de um sítio que ele tinha aqui em Duas Pedras. Levantamos um financiamento em Brasília, que é bom frisar, foi pago antes do prazo, e aqui nos estabelecemos em 1983. Aí começamos um novo capítulo na história do São Lucas, vencendo desafios, enfrentando uma luta diária para manter um patrimônio que acreditamos ser um dos orgulhos desta cidade”, acrescentou o cardiologista e diretor médico Jesuino.
O que faz a diferença entre a vida e a morte
Desde que foi criado, há cerca de 18 anos, mais de 25 mil procedimentos foram realizados pela unidade de cardiologia, comandada pelo cirurgião Gustavo Ventura. Esse serviço de alta complexidade foi mais um marco de um hospital que sempre acompanhou a evolução da medicina. “São procedimentos cuja estatística é comparável a unidades localizadas em grandes centros, de capitais, inclusive. A velocidade que conseguimos imprimir ao atendimento de casos em que há risco de vida, como enfarto, por exemplo — quando segundos podem ser a diferença entre a vida e a morte —, poucas unidades no Rio podem oferecer”, avaliou Hebson.
Em tempo: De volta à redação, recebo uma ligação do doutor Hebson. Fazia questão de nos avisar que a paciente que dera entrada naquela manhã, com enfarto em andamento, já saíra da sala de cirurgia, estava no CTI, com um stent implantado. Sua vida não corria mais risco. Com evidente satisfação, o médico relatou que todos os procedimentos ocorreram sem percalços. Esse simples gesto, de querer compartilhar um momento que por coincidência acompanhei de perto e em tempo real, encerra em si mesmo a felicidade do profissional pela paciente cuja vida conseguiram salvar e o orgulho da equipe de cardiologia do São Lucas. O que, para mim, é a melhor tradução do que é ser um médico.
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