Há 21 anos levando um atendimento multidisciplinar e humanizado a pacientes residenciais, o serviço Hospital-Lar de Nova Friburgo é o segundo mais antigo do Brasil — atrás apenas do de Santos, no estado de São Paulo. Atualmente atendendo a 33 pacientes, a equipe composta por oito profissionais de diversas áreas da saúde é prova de que, mesmo no serviço formal, é possível fazer mais do que o esperado e adotar algumas das melhores posturas típicas do voluntariado.
"Sem dúvida, nosso trabalho tem muito de voluntariado sim”, explica a enfermeira Cássia Viviane Kale Martins. "Não é o tipo de serviço em que se cumpre horário e recebe um salário ao fim do mês. O envolvimento é muito grande. Nós trabalhamos nas casas das famílias. Então ficamos além do horário, fazemos coleta entre nós mesmos para comprar cesta básica para quem precisa, e tentamos sempre contornar as dificuldades estruturais que se apresentam. Se algum dia estamos sem carro, tentamos dar algum jeito para não interromper o serviço, porque sabemos o quanto essas pessoas precisam. E, claro, com o envolvimento nós acabamos cuidando também de outras pessoas da família. Nós verificamos a pressão da cuidadora que está se sentindo mal, ou damos assistência ao bebezinho que acabou de nascer... É um tipo de envolvimento muito diferente”, argumenta.
"Com certeza é um trabalho que pede um perfil diferenciado”, explica a psicóloga Carla Miguel Turque. "A pessoa tem que entrar na Kombi, fazer deslocamentos que nem sempre são fáceis, entrar no meio do mato ou em locais de risco. O profissional precisa gostar muito das funções, até porque você acaba se envolvendo com as famílias de um jeito muito mais profundo.”
A médica Mônica Carvalho, geriatra, conta que já chegou a sofrer ameaça em meio a uma consulta. "Nós estamos expostas a esse tipo de situação, em nossa rotina de atendimentos. Numa dessas consultas eu presenciei uma cena chocante, e interferi. A assistência psicológica é parte importante de nosso trabalho, principalmente porque trabalhamos com um perfil de pacientes que, muitas vezes, dependem de cuidados paliativos, e não podem ser curados. Essa paciente, no entanto, se revoltou, e nos disseram claramente que nossa vida estaria em risco se voltássemos lá outra vez”, relatou.
Cuidado que vai além da vida
Considerando que esse tipo de tratamento é feito em casa, e que a estrutura não permite que a equipe visite todos os pacientes diariamente, a preparação dos cuidadores e familiares torna-se estratégica para o sucesso do programa.
"Nós damos muita atenção aos cuidadores”, explica a doutora Mônica. "Tanto na capacitação para os tratamentos diários, quanto no auxílio psicológico também. Falamos sempre abertamente sobre a gravidade da situação, inclusive com os pacientes. Existem pessoas que passam pelo tratamento e depois têm alta, e outras que sofrem de doenças crônicas, sem esperança de cura. Parte difícil de nosso trabalho é a preparação para o óbito em casa, mas é um auxílio que ajuda muito a enfrentar o momento”, explica.
E o apoio continua mesmo após essa passagem. "Nós fazemos visitas pós-óbito também”, explica a psicóloga Carla. "Entre dez e quinze dias após o falecimento nós procuramos a família, e continuamos o suporte. Inclusive com auxílio espiritual por parte da capelania, que é um trabalho voluntário muito importante, e que ainda pode ser bastante ampliado aqui no hospital. Muitos pacientes pedem este tipo de auxílio quando enfrentam situações mais difíceis, e esse apoio religioso ajuda muito a aliviar o sofrimento de vários deles, e também de alguns familiares”, afirma a psicóloga.
Programa Melhor em Casa
O serviço Hospital-Lar, no entanto, também tem suas limitações. "Esse nosso serviço atende a talvez 10% da demanda total, por conta de todas as restrições que temos”, explica Mônica Carvalho. "Nossa triagem infelizmente precisa ser muito rígida, e nós só atendemos mesmo a pacientes muito específicos, que dependem do atendimento de toda a equipe, ou que residam num raio de 20 km do hospital, porque em casos mais distantes o tempo de deslocamento seria muito grande e nós acabaríamos fazendo apenas um atendimento”, complementa Cássia Martins.
A boa notícia, no entanto, é que essas limitações devem ser reduzidas muito em breve, com uma gradativa ampliação da capacidade de atendimento do serviço. "Nossa condição deve melhorar sensivelmente nos próximos meses graças ao Programa Melhor em Casa, do Ministério da Saúde”, comemora a doutora Mônica. "Recentemente nós conseguimos habilitar Nova Friburgo a aplicá-lo, e assim nós teremos uma verba mensal para ampliar a equipe e o atendimento. O processo já foi aprovado no Tribunal de Contas, e com isso nós poderemos ter duas equipes. O programa deve permitir também um acréscimo no salário, reduzindo um problema que reduziu nossa equipe de 11 para oito pessoas nos últimos meses. Apenas como exemplo, uma médica que trabalhava com a gente saiu há três meses, e até agora ninguém se candidatou a essa vaga. Essa é uma situação que deve ser resolvida em breve”, encerrou.
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