Texto: Dalva Ventura
Fotos: Regina Lo Bianco
Suas mãos são calejadas e a pele, curtida, precocemente envelhecida. Eles levantam antes do sol nascer e trabalham na lavoura o dia inteiro, de domingo a domingo, para produzir o alimento que estará na mesa de todos nós, dia após dia. Para eles, não existe feriado, dia santo nem carnaval. No entanto, pergunte a qualquer agricultor se trocaria sua dura rotina na roça para vir morar na cidade, ganhando salário mínimo e tendo que encarar ônibus lotados, engarrafamentos e violência urbana, entre outros problemas da vida urbana.
Não trocariam. Sim, eles podem perder toda a safra cultivada com o maior sacrifício durante meses. Bastam alguns dias de chuva forte ou de granizo para botar tudo a perder. Foi o que aconteceu há dois anos com seu Josué Schuenck. Ele foi obrigado a vender o caminhão recém-adquirido para bancar o prejuízo causado por uma chuva de granizo que destruiu sua plantação de hortaliças, em Conquista. Seu Josué, porém, não se abalou. Continuou firme trabalhando na roça e seu esforço foi recompensado nas safras seguintes. “A gente perde aqui e ali, mas ganha na frente, não pode é desanimar”, diz.
Dia do Agricultor? Como assim? Eles até riem quando tomam conhecimento da data, criada em 1960, pelo decreto nº 48.630. “A gente não precisa de data especial, precisa é de ação”, queixa-se o vice-presidente da Associação de Agricultores Familiares de Salinas, no distrito de Nova Friburgo, Gildo José Darcy, que assumiu o cargo há poucos meses, no lugar do presidente, licenciado para se candidatar a vereador.
Gildo está mesmo coberto de razão. Ele não reclama da vida que leva, muito pelo contrário. Mas faz questão de deixar claro que só chegou aonde chegou porque ele e toda sua família se dedicam à terra, de corpo e alma, cultivando jiló, pimentão, brócolis, beterraba, alface, ervilha e todo tipo de legumes e hortaliças, principalmente, couve-flor, que eles chamam, simplesmente, de “couve”. Nova Friburgo é, aliás, o maior produtor de couve-flor do Estado do Rio.
“É muito esforço, mas não podemos reclamar”, diz Gildo, sem conseguir disfarçar o orgulho ao contar que trabalha na terra desde que aprendeu a andar. “No começo eu tinha apenas uma moto velha. Hoje temos três propriedades pequenas e até um trator que alugamos para os lavradores das redondezas”, diz. Além dele próprio, sua esposa, Creuzete, também trabalha duro para a família chegar aonde chegou. Os filhos, Gildo José e Gilsara, apesar de já formados, optaram por continuar na lavoura, como tantos outros.
Bastam alguns minutos de conversa para perceber que assim como o marido—ou até mais—Creuzete é uma grande líder comunitária, da pesada e, por isso mesmo, está sempre à frente ou nos bastidores das lutas travadas pela associação dos agricultores de Salinas. Como as outras mulheres rurais, Creuzete cuida da casa, dos filhos, das lindas flores de seu jardim e ainda encontra tempo para trabalhar na roça. Para tanto, acorda antes das seis da manhã e só para na hora da novela. A televisão é, aliás, uma das únicas diversões dos homens do campo. Isso, porém, não chega a fazer muita falta. Como 90% dos moradores da área rural são cristãos, dispensam forró e outros prazeres da vida, sem problemas. Vivem felizes assim.
Mãos que plantam e colhem...
Associação de Agricultores Familiares de Salinas é um exemplo de organização social que funciona de verdade. Segundo o zootecnista Selmo Oliveira Santos, que acompanhou a reportagem de A VOZ DA SERRA, a associação é a mais forte do município. Para início de conversa, tem 200 associados que, em sua maioria, comparecem às reuniões e acreditam na união do grupo como um instrumento de avanço social. Graças à luta empreendida pela comunidade, conseguiu, por exemplo, asfaltar a estrada, importantíssima para o escoamento de sua produção e outras benfeitorias.
O que ninguém consegue é livrar estes agricultores dos atravessadores, que vendem os produtos pelo dobro do preço que pagam àqueles que de fato trabalharam para plantar e colher toda a produção de hortaliças. Daí para frente, o custo vai aumentando até chegar às nossas mesas, mas quem colocou as mãos na terra para cultivá-las são os que menos ganham por elas. “Não dá tempo de cuidar da plantação e levar até o Ceasa”, explica Creuzete. Uma pena. O primeiro elo da produção e o mais importante é quem fica com a menor parte do bolo. Não é justo.
Energia é o que não falta a estes valorosos homens do campo que já foram chamados de “pequenos produtores” e hoje são denominados de “agricultores familiares”. Nada mais adequado. Afinal, seja produzindo alimentos ou flores, este trabalhador fundamental para o desenvolvimento do país precisa mesmo ser reconhecido pelo que realmente é. “Está mais do que na hora destes profissionais se valorizarem, aumentarem sua autoestima”, defende Selmo, ex-secretário de Agricultura e, atualmente, consultor de empresas na área de solos, muito querido pelo pessoal da roça.
Flores, flores e mais flores
Nova Friburgo também é o maior produtor de flores de corte do estado e o segundo do país, só perdendo para Holambra, em São Paulo. Nossas flores são cultivadas, principalmente, na região de Stucky e Vargem Alta, e os responsáveis por estes títulos têm uma vida ainda mais dura que a dos produtores de hortaliças e legumes.
Além de estarem mais expostos aos agrotóxicos, que usam sem muito critério e a necessária assistência técnica por parte dos órgãos oficiais, eles próprios têm que se responsabilizar pelo escoamento da produção. Ou seja, além das estufas, plantando, podando e colhendo as flores, ainda encaram uma viagem de caminhão de madrugada até a Cadeg, onde elas são comercializadas.
Vejam a história de Carlos Alberto Bernardo, o Beto, que cultiva todo tipo de flor em suas 44 estufas de 40 metros de comprimento, cada uma. Atualmente, além de caminhões e mais caminhões de hera paulista, gérberas, dez variedades de crisântemos, entre outras flores, está com 30 mil pés de rosas plantas e outras oito mil já começando a produzir, em Ribeirão do Capitão, localidade situada depois de Colonial 61. Beto e toda sua família se envolvem com a produção, incluindo esposa, sogra e o filho, que chama de “parceiros”.
Rony Schuenckel trabalha como meeiro nas terras de Carlos Alberto, que é presidente da Associação de Produtores Rurais do Stucky e Colonial 61. Nascido e criado na região, ele foi funcionário da prefeitura, mas preferiu a roça e acha que está bem melhor assim. “Não sou rico, mas não tenho do que reclamar”, diz. “Trabalho muito, como todo mundo aqui, mas eu e minha família comemos bem, temos celular, parabólica, acho que estou muito melhor do que na época em que trabalhava na cidade”, declara.
Quando se trata de agricultura familiar, a distinção entre meeiro ou proprietário rural não faz tanta diferença assim. Claro que um deles é dono, e o outro não, mas ambos trabalham duramente. E os filhos e as esposas também vão para a lavoura, e enfrentam a mesma dureza. Selmo Oliveira resume numa palavra a realidade destas pessoas: “sacerdócio”.
Selmo Oliveira destaca o importante papel da agricultura familiar no Brasil, responsável por pelo menos 70% de toda a produção agrícola do país e 95% de toda a produção de Nova Friburgo. Selmo toma as dores dos produtores rurais e critica a falta de assistência técnica que lhes é oferecida. “Não há como o Brasil continuar investindo em agricultura familiar sem assistência técnica, crédito rural e investimentos sérios neste setor tão fundamental para a nossa economia”, afirma.
Selmo destaca, por exemplo, o sério problema representado pelos agrotóxicos, que representam um risco não apenas para os consumidores, mas principalmente para os próprios lavradores. “Costumam imputar toda a responsabilidade pelo mau uso destes venenos aos agricultores, mas na verdade, é preciso analisar esta questão com um pouco mais de profundidade”, continua, acentuando que não adianta fazer palestras ou cursos sobre agrotóxicos na área rural.
Os lavradores já estão cansados dos políticos—“que só aparecem em época de eleições e depois somem”. Afirmam também que os técnicos agrícolas das empresas oficiais nunca aparecem por lá. A VOZ DA SERRA tentou, por diversas vezes, fazer contato com o escritório local da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) para confirmar a informação e não obteve retorno. Ao que parece nossos bravos agricultores estão mesmo abandonados à própria sorte. Felizmente, porém, dão conta do recado. Palmas para eles.
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