Carlos Emerson Junior
carlosemersonjr@gmail.com
Lugar de homem não é na cozinha! Não, não estou fazendo gracinha, imaginem. Essa era uma das frases preferidas de minha mãe e, acredito, de quase todas as mulheres do século passado. Apesar de trabalhar em uma repartição federal no centro da cidade, ela acreditava que homem na cozinha significava, no mínimo, um desastre de proporções épicas.
Está bom, tínhamos empregada e cozinheira, um luxo na época para uma família de classe média muito média mesmo. O mais curioso é que elas também pensavam da mesma forma: na cozinha homem só podia entrar para beber água e olhe lá! Ah, os velhos anos 50!
Por mais que me esforce, não consigo lembrar meu pai preparando alguma coisa na cozinha que não fosse um Martini seco, sua grande paixão, ou abrindo uma cervejinha bem gelada, isso quando a geladeira, como todas as da época, conseguia sobreviver ao calor do verão carioca. E olha que ele morou sozinho durante muitos anos! Mas justiça seja feita, lavava pratos tão bem ou melhor que uma mulher, sem nenhuma conotação machista, por favor.
Meus tios e tias paulistas, mato-grossenses e gaúchos seguiam a mesma cartilha, com uma pequena diferença: a turma do interior pescava ou caçava o almoço, limpava, preparava, juntava amigos e parentes para devorar o bicho e depois iam todos dormir, enquanto minhas tias se encarregavam de limpar a bagunça e deixar preparado o almoço do dia seguinte. Pensando bem, isso não mudou muito, e vamos combinar que fazer um churrasco ou uma peixada uma vez por semana não pode ser considerado “entrar na cozinha”!
Eu nunca soube cozinhar sequer um mero ovo, confesso! Como tinha tudo na mão, acreditava piamente que um bom bife com fritas, arroz e feijão nascia na cozinha. Literalmente, é claro. Como poderia imaginar que teria que ir ao açougue, comprar a carne, temperar e ainda por cima usar aquele negócio chamado fogão? Pois é, mas um dia a gente acaba caindo na real e é obrigado a aprender o caminho da cozinha.
— Carlos, essa aqui é a Cozinha.
— Prazer, Dona Cozinha, posso entrar?
Como o ditado popular já ensina, o tempo passa, as horas voam, as pessoas somem, os olhares já não são tão penetrantes, as pernas não ficam bambas e resolvemos morar em Nova Friburgo, cansados da loucura, insegurança e desordem urbana de uma cidade com dez milhões de habitantes e sérios problemas de segurança e desordem urbana.
Destemidamente tomei à dianteira e passei a subir na frente, sozinho. Só que horrorizado me dei conta que não sabia cozinhar, lavar, passar e limpar a casa, exatamente nesta ordem! Caramba, almoçar e jantar fora todos os dias, deixar a roupa acumular até a patroa chegar e rezar para a faxineira não sumir não era exatamente o que tinha imaginado para minha nova vida aqui na serra.
Só me restava tomar vergonha na cara e mandar a tal da herança cultural às favas: resolvi aprender os famosos serviços domésticos. Afinal, se uma mulher consegue fazer tudo aquilo, por que um homem também não é capaz? Infelizmente descobri que não tenho o menor cacoete para algumas tarefas que foram prontamente delegadas para uma eficaz auxiliar. Mas a cozinha, a partir daquele momento, era minha.
Aqui cabe uma observação que até mesmo as donas de casa mais tradicionais vão concordar: tudo está mais fácil, e quando digo tudo, é tudo mesmo! A tecnologia finalmente chegou à cozinha e os velhos equipamentos como os fogões e geladeiras incorporaram novidades práticas como o freezer individual ou separado, o bendito degelo automático, acendimento eletrônico, forno autolimpante e ficaram mais práticos e eficientes. De quebra apareceram novidades como a lavadora de louças, sempre uma mão na roda, as cafeteiras eletrônicas, as centrífugas e as facas elétricas. O próximo passo será a cozinha completamente digital, é só esperar mais um pouco.
Minha primeira providência foi pedir para minha irmã, cozinheira de mão cheia, a receita das receitas, isto é, qual panela usar, a ordem das, digamos, operações, como saber se a temperatura está certa e por aí vai. Minha grande dificuldade era, por exemplo, saber se preparo o arroz antes, depois ou ao mesmo tempo que a farofa. Podem achar graça, mas para um analfabeto funcional culinário, isso é muito importante.
Já a segunda providência foi mais prática: comprei um micro-ondas, uma das maiores invenções do homem depois da roda e do smartphone! Meus caros, o bicho serve para qualquer coisa, da pipoca ao o sorvete empedrado, da comida congelada até o que sobrou do jantar da véspera. Com ele, você jamais passará fome, a não ser que a luz acabe. Aí não tem jeito, o remédio é ir para o fogão ou procurar um restaurante.
Outra ótima aquisição foi a panela de fazer arroz, totalmente eletrônica. Depois de algum tempo preparando arroz de saquinho, resolvi investir na modernidade e não me arrependo. Seu funcionamento é sensacional e permite combinações facílimas com legumes, brócolis, funghi e por aí vai. Uma beleza e todo mundo acha que meu arroz é ótimo!
Meu primeiro prato foi um filé no grill, arroz simples, milho cozido e um ovo frito que, sorte de principiante, ficou lindo como ele só, digno de uma fotografia para as revistas especializadas. O problema é que nunca mais consegui repetir o feito e, diante do aspecto lamentável dos meus últimos trabalhos, ninguém acredita que sei fritar um ovo sem deixá-lo com jeito de uma nuvem piroclástica. Já tentei com óleo, manteiga, margarina, o que tiver. Mas é uma questão de prática, eu chego lá.
Enfim, levou algum tempo, mas nós homens finalmente estamos descobrindo para que serve uma cozinha. Pessoalmente gosto muito, me divirto cozinhando. Aliás, vale até forçar uma analogia: cozinhar é como escrever uma crônica. É sério, você tem que pensar em um prato (ou tema), escolher os ingredientes (pesquisar o assunto), ir para o fogão (escrever), arrumar os pratos para servir (revisar o texto), chamar os amigos para a refeição (publicar) e ficar na expectativa se seus convidados (leitores) gostaram.
Bom apetite, ou melhor, leitura!
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