Solange de Paula
"Hoje, eu não quero sofrer”. Assim começa a marcha-rancho "Primeiro Clarim”, de Rutinaldo e Klécius Caldas, cantada por Dircinha Batista, em 1970. Passados quarenta e quatro anos, essa é uma das músicas mais tocadas por todas as bandas do país. Pode-se dizer que essa frase sintetiza o sentido do espírito carnavalesco e, mais adiante, a música nos remete ao desejo do anonimato (o uso de máscaras e fantasias), quando diz: "...quero ser ninguém na multidão...”.
A boa nostalgia que as lembranças das folias trazem nos dá conta do quanto esses três dias são importantes para se vivenciar um estado de liberdade e alegria, que aguça a criatividade. Tudo isso acompanhado por canções, confete e serpentina, reunidos num grande cortejo que marcha descontraído, sem distinção de classe, credo ou etnia.
São dias especiais, onde se veste a fantasia da fantasia, caracterizando uma sátira, uma brincadeira, com a vida do outro, ou com a sua própria, contando uma estória através da indumentária escolhida.
Até meados da década de 80, viveu-se aqui em Nova Friburgo o ponto alto do Carnaval, tanto de rua, quanto de clubes que, à época, realizavam bailes noturnos e matinês. Entre eles: Clube de Xadrez, Clube dos 50, Sociedade Esportiva Friburguense e Nova Friburgo Country Clube. Era o "must” participar desses bailes, onde a produção das fantasias era bem elaborada e cada grupo caprichava nos detalhes, para se destacar entre os demais. Eram melindrosas, piratas, havaianas, índios, baianas, bruxas, ciganas, bailarinas e, quando não dava para ter uma, um colar havaiano já compunha (e compõe) o visual carnavalesco. Na real, tudo continua como antes, não é mesmo?!
Durante o dia, também havia folia nas ruas de Nova Friburgo. Desde cedo, na Praça Getúlio Vargas, já se podia ouvir tambores batucando marchinhas, que enchiam os espaços de sons e cores, confetes e serpentinas por todos os cantos, enquanto famílias inteiras chegavam para ver os mascarados, os "blocos do sujo”, que passavam pra lá e pra cá alegrando as manhãs, escondidos pelas máscaras feitas de fronha ou outro material, por onde se via apenas os olhos, nariz e boca. Eles mexiam com o imaginário de todos e um jogo de adivinhação já se formava, para saber quem estava ali por trás do disfarce. A criançada morria de medo mas, com sua única "arma”, o lança-água de plástico, atingia em cheio aqueles "monstros ameaçadores”. Divertido!
Tinha gente que, dias antes da festa, sentia um enorme frio na barriga e, até que o Carnaval chegasse, aquilo não parava. Esse "frisson” desembocava na criatividade que todo esse processo pedia, que ia desde a maquiagem, passando pela elaboração da fantasia, até os acessórios. A preparação para a festa já era uma festa à parte. A reunião da galera em casa se somava à expectativa de como seria aquela noite. Encontrar um novo amor, por exemplo, já era motivo para alta ansiedade! Muitos namoros iniciaram embalados pela música: "Todos eles estão errados/ A lua é dos namorados”, cantada por Ângela Maria. Por outro lado, muitos se desfizeram ao som de: "você pra lá, eu pra cá, até quarta-feira”. É claro, todas terminavam com seu laialaia...
O melhor carnaval do estado
Muita gente considerava que Nova Friburgo tinha o melhor Carnaval do estado do Rio e, por isso, a cidade ficava lotada de turistas e veranistas nesse período. Era uma delícia o Carnaval na rua Portugal, "point” onde se reuniam vários blocos durante o dia, num esquenta que já dava uma prévia do que seria o baile à noite, no clube. A rua Portugal ainda não era só para pedestres como a conhecemos hoje e, às vezes, um menos avisado passava acelerado por lá. Isso irritava muito aos que estavam ali para brincar, paquerar, cantar as marchinhas, mas nada que abalasse a empolgação e a clareira aberta para dar passagem ao carro era imediatamente fechada pela multidão, que ocupava toda a rua.
Algumas pessoas deram seus depoimentos, revirando suas melhores lembranças para contar um pouco de seus momentos. Uma dela foi a friburguense Rozangela Fumanchú, que vive nos Estados Unidos há mais de 20 anos e, de lá, narra algumas passagens. Ela diz: "Lembro de Carnavais divertidíssimos, sem violência; da cidade lotada, do verão e um calor gostoso. Lembro de um cheiro de mato queimado, da piscina do Xadrez, Sociedade e outros clubes, todas sempre muito cheias. Lembro, ainda, da galera saindo do Country, às 6 da manhã, no último dia de Carnaval; da ressaca por quase dois dias e daqueles verões inesquecíveis, como se nunca fossem ter fim... Lembro, ainda, dos mascarados, da rapaziada do bloco do Galeria e eu de mascarada, com um travesseiro no popô, para parecer a "Maria Maluca”. Acho que a minha primeira "comédia” foi nos anos 60, diz ela. Quando morava no Paissandu. Eu devia ter uns 15 anos e vivia em frente ao espelho experimentando roupas para colocar no carnaval. Um dia, eu achei um vestido incrível da minha tia Vilma, que tinha uma anágua de filó rodadíssima, super engomada, que acompanhava esse tal vestido, que pensei em improvisar pro carnaval. Eu estava em frente ao espelho, dançando ao som de alguma musica, testando o visual, quando meu namoradinho buzinou lá embaixo do prédio e, saí correndo escada abaixo sem o vestido, comenta Rozangela rindo da distração. "Ao chegar lá embaixo, corri pro carro dele, mas não entrei. Fiquei assim, com o popô pra cima e os dois braços apoiados para dentro do carro, com aquela anágua frufrulhada engomada, virada pra cima e minha mãe a gritar da janela: "Rozangela, Rozangela, ah, se seu pai chega aqui agora!”. É muito engraçado quando lembro dessa situação!
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