A baiana Andaraí, terra do saudoso acadêmico Herberto Sales, foi cenário da história de hoje. Aconteceu ao tempo em que nela brotavam garimpos e muita gente se encheu de dinheiro com as pedras que brilhavam. Não falarei nisso, que para tanto já existe a magistral obra de Herberto, o seu antológico Cascalho.
O meu assunto é outro e se prende a cabra, homem contratado para defender ou matar alguém. No caso, assassinar um rico fazendeiro, aqui chamado Antero, que estava incomodando outra fortuna, a de um autêntico coronel do mato, cujo nome não revelo para não me meter em encrenca.
De nome bíblico, Isaías era o matador. Viera das Alagoas para o seu mortal mister. Noite escura foi feito o trato. Mostraram-lhe o retrato da vítima, disseram-lhe como e onde poderia matá-la, empurraram-lhe algum como adiantamento.
Trancado no imundo quarto de pensão, Isaías procurou guardar bem as feições de Antero. Não era difícil, com aquele bigodinho ralo e maçãs do rosto salientes. Além disso, os óculos, de grossas lentes, o identificavam a distância.
Naquele mesmo dia, um domingo, a vítima deveria ir visitar a mãe idosa, que morava num sobradão da Rua do Sapo. De lá saía, invariavelmente, por volta das nove ou dez horas da noite. Isaías deveria tocaiá-lo na esquina. Dois ou três tiros, dados à queima-roupa, e Antero embarcaria de pés juntos para o desconhecido.
Eram quase nove e meia, quando Isaías viu abrir-se a porta da mansão. Uma velha senhora, de imenso xale nos ombros, despedia-se do filho que, graças a ele, um matador, pouco depois seria apenas um cadáver.
Foi quando o cabra observou que, na outra calçada, semi-encoberto por um muro, alguém também espreitava. Seus atilados olhos deram com a arma na mão do indivíduo. Arma branca, peixeira de bom tamanho. Um ladrão ou outro assassino, possivelmente aguardando a passagem de Antero pela rua deserta.
E disso teve certeza quando o desconhecido, saindo repentinamente de onde estava, pulou em frente a sua vítima. Antes, porém, que ele pudesse usar a faca, Isaías acionou o gatilho duas vezes. Os tiros estrondearam na noite até então silenciosa e o atingido tombou na calçada com um gemido surdo.
Olhos esbugalhados de espanto, Antero compreendeu, num relance, o que tinha acontecido.
E tartamudeou um agradecimento:
– Obrigado... muito obrigado... o senhor salvou a minha vida...
Ao longe já se ouviam os passos dos primeiros curiosos.
Isaías mirou Antero bem nos olhos e deixou que as palavras escorressem pelos seus lábios frios:
– Não agradeça, não, moço. Eu só não deixei ele roubar meu serviço.
E sem mais dizer, descarregou no rosto do estarrecido Antero as outras quatro balas do seu revólver.
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