Ele era proprietário de uma gafieira no Rio de Janeiro. Bailes aos sábados e domingos, a moçada dançando ao som de um conjunto incrementado. Enquanto Miltom, junto à caixa, só ouvia o agradável tilintar da máquina registradora marcando mais uma despesa. Não rendia muito, mas com o lucro do “Bar e Dancing das Neves” (ninguém sabia explicar o porquê desse nome, nem o próprio Miltom, que já a comprara batizada) ia vivendo na base do remediado. Ou melhor, mais que isso, pois até carro possuía. E um confortável apartamento no bairro do Méier, para onde levava, após fechar o negócio, a mulata Palmira.
Conhecera a jambete num domingo de fandango legal. Não era de olhar as ancas das freqüentadoras, pois precisava dar-se ao respeito, mas aquela ia além dos limites. O seu rebolado estava fora do mapa, como diria o saudoso Sargentelli. E enquanto ela sambava, passando de uns para outros braços, Miltom não conseguia despregar os olhos de seu bumbum volumoso, mas bem torneado. Alta, cabelos longos e negros, olhos grandes, boca sensual e um permanente sorriso de dentes claros, faziam Palmira parecer ainda mais apetecível.
Mandou a discrição àquele lugar e indagou a um conhecido:
– Quem é ela?
– Chama-se Palmira. Eu conheço a pinta.
Depois, vendo no oferecimento um possível ganho futuro:
– Se quiser, posso apresentá-la.
– Obrigado, cortou o dono da gafieira, perguntei por perguntar.
Mas tanto Miltom olhou, já esquecido até da registradora, que a mulata acabou notando. E como não era boba, aproximou-se da caixa.
– Perdeu alguma coisa, moço?, indagou desafiante.
– O quê ?, Miltom fingiu-se desentendido.
– Eu sei que não gasta, moço, mas vira essas botucas pro outro lado, tá bem?
Dançar com ela, Miltom não podia. Nunca fizera isso antes e não seria agora que mudaria o disco. Precisava manter a “posição”. Mas, mesmo assim, saiu do sério:
– Você está acompanhada?
– Depende. Vim com aquele grupo, mas posso sair diferente, Palmira deu trela, sabendo-o dono do negócio.
– Se ficar até o fechamento, posso levá-la em casa. O meu carro está aí em frente.
Os olhos da mulata brilharam ainda mais e ela concordou.
Quando fechou a porta lá de baixo, Palmira o esperava na calçada. A mulatona conseguira, não interessa como, mandar os companheiros às favas.
Aquela foi a primeira noite, em seu apartamento de solteiro.
E deveria ser a última. Este, pelo menos, era o pensamento inicial de Miltom, que outras tinham feito o mesmo trajeto e não tinham passado da primeira visita. Só que, com Palmira, a coisa foi diferente. A cabrocha caprichou na arte de fazer amor e Miltom gamou.
Tirou-a do emprego de doméstica em Copacabana, colocou-a aos seus cuidados, como “gerente” da gafieira. Palmira ficava no caixa, dando entrada no dinheiro, e ele ao lado, vigiando o material de primeira. Só havia um senão, e isso ficara acertado desde o início: de quando em quando, a mulata precisava dar umas voltinhas pelo salão, matar as saudades nos braços de velhos parceiros. Primeiro, Miltom quis estrilar, mas quando Palmira ameaçou cair fora, ele meteu o galho dentro. Depois, acabou até gostando, pois compreendeu que a jambete cadeiruda arrastava muito freguês para o “Bar e Dancing das Neves”. Por uma rodada com ela, os admiradores entornavam dúzias de bramas.
Um mais desaforado – aliás, o mesmo que tentara apresentar-lhe Palmira – botou veneno na canjica:
– Você não tem medo de perdê-la, Miltom, deixando-a dançar com todo mundo?
– Eu não sou ciumento. Além disso, ela precisa se divertir, explicou o dono da curvilínea.
– Por que, então, você não dança com ela?
– Não fica bem.
chegou o domingo fatídico, até hoje lembrado nas rodas boêmias cariocas. A madrugada ia alta, quando se ouviu o estampido. No centro do salão, Palmira levou a mão ao peito, suspirou baixinho e desabou já sem vida. O parceiro, um crioulão deste tamanho, sem dama nos braços, olhava aparvalhado para o assassino, o aparentemente pacato Miltom. E a arma, que ele conservava escondida debaixo da caixa registradora, para uma eventualidade, ainda fumegava.
- Por quê, Miltom? Por quê? – alguém indagava, enquanto os freqüentadores iam se afastando apavorados, alguns até ameaçando correr.
Olhos fitos no corpo inerte da mulata, o proprietário da gafieira respondeu :
– Ela estava dançando...
– E daí, Miltom? Você nunca se importou com isso...
Um PM levava Miltom preso, quando, da porta, ele explicou :
– Mas Palmira dançava com uns e outros... nunca a noite toda com um só...
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