Foi Pitigrilli da primeira época quem escreveu que todo mundo se vende, tudo dependendo do preço. Uns se dão por pouco; outros, por muito, mas a maioria (vejam bem: eu tenho o necessário cuidado de abolir a palavra todos, levando em conta que em toda regra há exceção) acaba entregando os pontos. Existem, também, os durões, que aguardam a última e melhor oferta.
O fato é que Maria Alcina, que todos pensavam fosse a exceção, acabou entrando na regra geral. Antes, porém, deixem-me dar uma necessária explicação. Outro dia coloquei numa história um nome comprido, que pensei pouco comum. Acontece que havia um homônimo que não gostou do caso, meteu a carapuça e passou-me uma espinafração por carta. Esquecido de que, como sempre esclareço, quando me pedem, eu mudo tudo (nome das pessoas e cidades, troco datas etc) para evitar futuras complicações para o meu lado, já que sou de fazer amor e não a guerra. O que não quer dizer, no entanto, que estes fatos não são verídicos. São, sim, por mais incríveis que alguns pareçam.
Isto posto, voltemos à Maria Alcina, com perdão pelas demais Marias.
Quando ela entrou para aquela empresa, de muitas moças bonitas, ninguém pôde deixar de fazer a comparação. E Maria Alcina ganhou disparado em corpo, cara e demais atributos físicos. Os manjados gatões, logo no primeiro dia, botaram as garras de fora, mas foram sendo abatidos um a um. Ao Arnaldo, belo e elegante, Maria Alcina tratou com desprezo, deu-lhe uma gelada; ao falso humilde Carlinhos (que sempre aplica a técnica do coitadinho, aquela do instinto maternal) mandou que crescesse e aparecesse; e ao atlético Leopoldo, do tipo de levar na marra, não se dignou dar resposta ao seu grosseiro galanteio.
Em pouco, do time de bambas, só restava um monte de acabados conquistadores, humilhados com os foras que haviam levado.
Um mês depois, todos estavam certos: Maria Alcina, a bela Maria Alcina, era um muro intransponível. Para ultrapassá-lo, parecia só haver mesmo um jeito (já que solteira ela era): o altar, com véu e grinalda.
Como a maioria dos rapazes daquela S/A era casada, nada feito.
Apenas um homem na firma parecia desinteressado: justamente o chefe direto da mocinha, o dr. Mendonça. Tratava-a com toda a cerimônia, evitando a menor intimidade. E quando se despedia da secretária era com um gélido “até amanhã”.
Um dia, entretanto, Leopoldo, o dos grandes bíceps, chegou com a nova e assombrosa novidade: vira Maria Alcina saindo de um motel com o dr. Mendonça! Ninguém quis acreditar, chamaram-no de mentiroso, Leopoldo quis sair no tapa. Mas ele jurou por tudo que lhe era sagrado e a suspeita ficou, cresceu, passaram a observar os dois amantes.
Nada, absolutamente nada, porém, pôde ser notado e a coisa caiu no esquecimento, todos taxando (pelas costas, é claro, que o Leopoldo é de briga) o colega de fuxiqueiro.
O moço forte, entretanto, dissera a verdade.
Um dia, ao abrir a gaveta de cima da escrivaninha (só ela e o dr. Mendonça, para um caso de extrema necessidade, possuíam a chave) Maria Alcina encontrou uma bela orquídea. Linda de morrer. Virou, mexeu, não havia nenhum cartão preso a ela. Não era difícil, porém, adivinhar quem a colocara na gaveta. Aguardou a abordagem, que não veio. Esperou pelo olhar cúpido, que não houve. Uma semana depois, uma nova e ainda mais bela orquídea. Começou a ficar nervosa. Já não pegava taquigraficamente bem as cartas que o dr. Mendonça ditava, o tempo todo evitando olhá-lo de frente, procurando sempre puxar a saia para baixo, a fim de esconder o pouco das coxas a descoberto.
Na quinta orquídea, apenas uma frase, sem assinatura, colocada num diminuto cartão: “... um sorriso, apenas um sorriso, e me darei por satisfeito”. Deu o sorriso e o austero dr. Mendonça teve um novo brilho no olhar.
Mais algumas orquídeas e um outro bilhete : “... um passeio apenas, longe do escritório, e serei o mais feliz dos homens. Diga apenas sim e marcarei data e local”.
Ao encontrar o chefe, e de olhos baixos, Maria Alcina pronunciou o mais silencioso sim de todos os tempos.
O resto é fácil imaginar, e eu não estou aqui para colocar azeitona na empada de ninguém. O fato é que Maria Alcina é uma sentimental, que gosta de flores. Em especial, de orquídeas.
Este foi o seu preço. E a sua perdição...
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