Histórias Verídicas - ANTES DE TUDO, CRIANÇA

Por Mario de Moraes
sexta-feira, 23 de maio de 2008
por Jornal A Voz da Serra

Nas páginas policiais de um jornal carioca leio as peripécias de um ladrão que está sobressaltando os moradores de alguns bairros da zona sul do Rio. O dito meliante agarra-se às paredes – sabe-se lá como –, faz mil malabarismos e vai subindo, subindo, até atingir os andares superiores dos edifícios. Depois, penetra por janelas abertas e faz a limpa.

Os James Bond da praça, nas suas investigações, chegaram a uma dolorosa conclusão: o “homem mosca”, que assim o apelidaram, deve ser um menino. Ou um anão. Não pode ter mais de quarenta quilos de peso, pois mais não suportariam as calhas por onde ele se agarra, e as marcas digitais, que vai deixando na sua subida, parecem de dedos de criança.

A memória recua nos anos e eu me vejo, autêntico foca (vocês sabem o que é isso? Se não sabem, fiquem sabendo que foca é repórter novato, em início de carreira), como plantonista de polícia de um matutino carioca, a procurar, na desgraça alheia, assunto para minhas tristes reportagens. Quanto maior o drama, mais laudas eu enchia, construindo, com a desgraça e o sangue dos infelizes, vítimas de toda sorte de crimes, as frases feitas do meu ofício.

– Quantos morreram no desastre de trem?

– Perto de cem...

– Oba!...

Quando a ocorrência dava manchete, sentia-me um herói, com direito a vale-extra. Não pude, portanto, conter o entusiasmo quando apareceu naquele Distrito Policial o guarda conduzindo preso um menino de uns l0 anos de idade. O guri fora agarrado quando furtava uma casa em Copacabana. Ele conseguira entrar pela janela do banheiro, que bastante franzino para isso o garoto era. O que levara? Apenas um punhado de soldadinhos de chumbo!

Na saída, apressado, ficara preso pela cintura.

Visto pela empregada, preso pelo jardineiro.

Tudo muito simples, com um “mas” a me apoquentar a razão. Por que o menino só furtara os poucos valiosos brinquedinhos de chumbo?

O próprio guri me deu a resposta, entre soluços de apavorado.

Ele fora treinado por ladrão adulto para aquela modalidade de roubo.

Penetrava pelas janelas, ia ao quarto da madame e enchia os bolsos de tudo de valor que pudesse carregar.

Naquele dia, porém, as lições do desonesto mestre não tinham surtido efeito. Passara pelo quarto do filho da dona da casa. No chão, jogados a um canto, fruto do desinteresse do proprietário, um monte de soldadinhos de chumbo, novos, brilhantes, em várias posições, prontos para o combate de mentira.

O menino não resistira. Aquilo era tudo o que ele desejava na vida. Encheu-se de falsos militares e procurou ganhar a rua. Os bolsos da calça rota, no entanto, estofados pelo furto, dificultaram a saída e foi agarrado às grades da janela.

Antes de ser ladrão, era criança...

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