Este fato aconteceu por volta de l930, no município de Lábrea, localizado na calha fluvial do rio Purus, tributário da margem direita do Solimões. Nas matas dessa localidade perdera-se um indivíduo que atendia pela alcunha de Resto de Onça. A razão do apelido provinha de uma sangrenta luta que tivera com uma parruda onça-pintada. Vencedor da disputa, com a morte do feroz animal ficou para sempre com o apodo.
Apesar de bom mateiro, daquela vez não encontrara o caminho de volta.
Por muitos dias procurou orientação, buscando restos humanos ou algo que o fizesse retornar ao ponto de partida. A mataria, porém, teimava em esconder o segredo.
Fome, que seria pior, não chegou a passar.
Na época havia abundância de frutas silvestres, e os córregos de água cristalina matavam-lhe a sede. Aos poucos, entretanto, foi perdendo a calma. Aquilo parecia coisa feita. Onde já se vira um sujeito como ele, versado em andanças pelos matos mais cerrados, perder-se como qualquer citadino?
Seis dias o mateiro passou na busca. Até que numa tarde deu de cara com uma capoeira, onde ainda se viam restos de antiga colocação de seringueiro. Por certo o abandono da área não era de pouco tempo, pois o mato, alto e espesso, já conquistara em boa parte o terreno perdido. Examinou aqui e ali, procurando a picada que outrora servira ao seringueiro para vir e voltar à sua barraca.
Acabou dando com uma velha sepultura. Na cabeceira dela havia uma tosca cruz, caindo de podre. Onde ainda dava para ler, pintado com grosseiras letras, o nome Pantaleão.
Homem de fé, Resto de Onça livrou a cova do mato rasteiro e ajeitou a cruz, reforçando-a com cipós. Depois caiu de joelhos junto a ela e, de mãos postas, contando com a gratidão do defunto ali jazente, fez um apelo endereçado à alma do falecido.
O mateiro pediu que ele o livrasse daquela enrascada, mostrando-lhe o caminho de saída. Merecedor da graça, garantiu, voltaria ali, todos os anos, para pagar promessa de muitas velas acesas.
Nem bem havia acabado de pedir, quando seus olhos deram com um cachorro que o espiava a distância. Nada mais que um vira-lata, mas que lhe deu imensa alegria. A presença do animal era sinal de que o dono devia andar por perto. Na certa haveria de ajudá-lo.
Chamou o cão, mas este, sem atendê-lo, voltou-se e mergulhou no mato. Resto de Onça tratou de segui-lo. Depois de muito andar, sempre atrás do animal, o mateiro avistou a barraca de um seringueiro. No mesmo instante em que perdia de vista o prestimoso guia.
O seringueiro recebeu-o afetuosamente, mas informou que não possuía nenhum cachorro. A alegria do encontro, porém, fez Resto de Onça esquecer o sucedido. No dia seguinte, bem cedo, ambos tomaram a picada e foram dar junto à cova de Pantaleão, onde o mateiro rezou em agradecimento.
Um ano depois, já de volta a Lábrea, com o firme propósito de cumprir o prometido, Resto de Onça reuniu amigos e voltou à capoeira. Levava, em romaria, muitas velas e uma coroa de flores de papel de seda.
A história da salvação do mateiro correu pela região e muitos foram visitar o lugar, à procura de milagres. Terminaram resolvendo construir uma capela para Pantaleão junto à margem do rio, para a qual seriam transladados os restos mortais daquele que julgavam ser um seringueiro.
capela foi levantada em poucos dias. E Resto de Onça voltou mais uma vez à clareira. Seguiam-no inúmeros devotos de Pantaleão.
Foi, então, que a coisa aconteceu. Tão surpreendente, que até hoje é comentada naquelas paragens. Aberta a cova, sob alguns palmos de terra úmida, foi encontrada a ossada de um... cachorro!
Um vira-lata, por certo.
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