Histórias Verídicas - 28 de março

Por Mario de Moraes
sexta-feira, 27 de março de 2009
por Jornal A Voz da Serra

TEMPOS IDOS, OUTROS TEMPOS

Quando eu era jovem – e põe tempo nisso – o pavor da rapaziada era pegar uma doença venérea, pois o tratamento, não muito eficiente, era dolorosíssimo. Um dia, surgiu a penicilina e todos levantaram as mãos para o céu, embora Ele não se meta nessas safadezas.

De lá pra cá, muita coisa de bom aconteceu. Sim, é claro, também de ruim. Vamos lembrar algumas que trouxeram novidades para a Humanidade e que têm a ver com aqueles que já passaram dos sessenta. Entre eles, este vosso criado.

Nós nascemos antes da penicilina, da vacina Sabin, da comida congelada, da fralda descartável, do modess, do OB, das creches, das lentes de contato, da pílula anticoncepcional, do Viagra e do Lexotan. Viemos ao mundo antes do plástico, do radar, do xerox, do motor a jato, do videocassete, do computador, do telefone celular e do raio laser.

Nascemos antes do cartão de crédito, da esferográfica, das lavadoras de roupas, das máquinas de lavar pratos, dos cobertores elétricos, do freezer e do micro-ondas. Antigamente a Lua era conhecida somente pelos namorados, poetas e seresteiros, muitos acreditando que nela habitava São Jorge. Não havia parabólicas, nem TV a cabo. Xuxas, Sachas, Faustões, Angélicas e Gugus também não existiam. Ratinho era parceiro de Jararaca, numa dupla sertaneja, tocava saxofone e fazia um humor saudável.

Nós nascemos antes dos direitos dos gays, dos homens de brinquinho, da mulher com dupla jornada de trabalho, antes das produções independentes, dos bebês de proveta, da ovelha clonada Dolly, dos filhos de berçários, da terapia de grupo, dos spas, dos flats e dos carros a álcool. O saudoso palhaço Carequinha ensinava que o bom menino não faz xixi na cama; para dormir a mamãe cantava o Boi da cara preta; quando fazíamos travessuras ela nos metia medo do bicho papão; nunca nos esquecíamos de pedir a bênção antes de sairmos de casa para o colégio, ou quando íamos dormir.

Aos domingos, nos reuníamos para o almoço na casa da vovó. Vovô, sentado à cabeceira da mesa, dizia tudo com simples olhares. No nosso passado tempo tínhamos medo da tuberculose, da gonorreia e da sífilis; a Aids não existia e desconfiávamos que homossexualismo era coisa de francês. Acho que a nossa geração era mais escorregadia, para nascermos bastava uma ajudazinha de uma parteira curiosa. As dores de dente eram aliviadas com a cera do Dr. Lustosa; para fraqueza, Emulsão de Scott; para bronquite, Rum Creosotado. Quem poderia esquecer, se toda manhã, ao tomarmos o bonde, lá estava escrito: “Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro...” Antigamente nós casávamos primeiro e só depois morávamos juntos.

Nunca ouvimos falar de imputs, edroom, multimídia, fax-modem, fibra ótica e videogame. Nós jogávamos bilboquê, pião e bola de gude, soltávamos pipa e apanhávamos balão, brincávamos de casinha, comidinha, pique-esconde, roda, passaraio, garrafão, carniça, bento que bento é o frade, calçadinha é minha e, por que não contar?, de falsos médicos e enferma. Esta, geralmente, a bonita menina do lado.

No nosso tempo os homens fumavam cigarros, erva era usada para fazer chá e coca era refrigerante; pó era sujeira; sangria era para evitar colapso; lambada era chicotada; malhar era coisa de ferreiro; fio dental servia para limpeza dos dentes e embalos faziam crianças dormir. Nossos ídolos eram o Diamante Negro, com seus gols de bicicleta; as emoções no futebol vinham pela voz de Gagliano Neto, e nos Fla x Flu por conta dos choros e da gaitinha do Ary Barroso. Nada de novelas de TV. Vivíamos todas as semanas as emoções de Em busca da felicidade, nos encantando com as vozes de Paulo Gracindo e Ismênia dos Santos. “Quem sabe o mal que se esconde nos corações humanos... o Sombra sabe”, garantia Saint Clair Lopes. E gargalhávamos com o humor inteligente do Edifício balança mas não cai. Era o rádio que pontificava, com a Pequena Notável, o Rei da Voz, o Caboclinho Querido e o Cantor das Multidões.

Nós éramos felizes e não sabíamos...

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