O calção que se foi
Na década de 30, Guatapara era uma das maiores fazendas de café de Ribeirão Preto (SP). Apesar da crise então existente, ela conseguia manter sua pujança. E, como muitas das propriedades próximas, possuía o seu time de futebol. Os jogadores não ganhavam nada, além da satisfação de atuarem por um clube local. Na região existiam muitas equipes. Além da de Guatapara, havia as das fazendas São Martinho Prado, Dumão, Barrinha, Restinga e outras. As maiores rivais, no entanto, eram Guatapara e São Martinho Prado, que reuniam os melhores jogadores e tinham maiores torcidas.
Naquele domingo os dois ferrenhos adversários iam jogar novamente. Nas duas últimas partidas, o time de Guatapara levara a melhor. Além disso, o jogo seria realizado em seu campo. Por isso, um empate, para a São Martinho Prado, teria sabor de vitória.
Antes do início da peleja, a furiosa local atacou algumas marchas vibrantes, sendo muito aplaudida no final. As duas torcidas, no entanto, aguardavam ansiosas o início do jogo. E ele começou debaixo de forte tensão. Bola pra cá, bola pra lá, ataques contra defesas, o primeiro tempo terminou empatado. Veio o segundo período e o panorama permaneceu o mesmo. Embora os atacantes se esforçassem ao máximo para marcar um gol, esbarravam nas sólidas defesas. Até que o juiz, que não era dos mais honestos, desejando agradar o povo do lugar, e quase ao término da partida, marcou um pênalti contra o time visitante.
A galera de Guatapara gritou, pulou, delirou antegozando a vitória. Alguns mais frios, porém, mantiveram-se quietos, olhos fixos no goleiro do São Martinho Prado, tido e havido como um dos melhores da região. O homem parecia bem tranquilo debaixo da trave, aguardando a cobrança da penalidade máxima.
Mas, se o São Martinho tinha o mais ágil dos arqueiros, também era verdade que, do quadro do Guatapara, fazia parte o maior batedor de faltas da redondeza. Um chute de Sebastião Camilo era qual tiro de canhão, igualzinho aos petardos de Roberto Carlos. Diversos goleiros haviam saído de campo estourados, depois de tentar segurar nos peitos a porrada do Tião. Acontecera até o caso da bola explodir na barreira e mandar um adversário pro hospital. Por isso, quando Tião ia chutar, poucos se apresentavam como voluntários, para formar a barreira.
O goleiro do São Martinho continuava estático, mas com os olhos fixos em Tião. O silêncio tomou conta do estádio. Como bom adulador, o chefe da banda avisou aos músicos que, quando a bola entrasse, deviam atacar a marcha da vitória.
O árbitro desonesto sorri. A vitória do Guatapara por certo o colocaria em ótima posição perante o coronel Furtado, proprietário da fazenda, homem de fartas posses e não menor gratidão.
Soa o apito. Tião corre para a pelota, bica firme, procura encaixar a número cinco na última gaveta. Como impulsionado por uma mola, o goleiro salta, ágil, felino, elástico, toca a bola com a ponta dos dedos da mão direita e manda-a para corner !
Os jogadores do São Martinho explodem em alegria, atiram-se em cima do arqueiro, abraçam-no, derrubam-no no chão. Temendo ser esmagado, ele procura safar-se de tanta euforia, consegue levantar-se e sai correndo pelo campo, rosto e braços levantados para o céu, berrando sua satisfação.
Todos soltam um "oh!" de espanto. No puxa-puxa dos abraços, o cordão do calção do goleiro arrebentara. Sem que ele percebesse, o calção escorregara pelas pernas e a peça ficara abandonada junto à baliza. Enquanto o seu dono, que não vestia nada por baixo, corria de forma alucinada, nu da cintura pra baixo !
Deixe o seu comentário