UM ÓTIMO NEGÓCIO
Essa questão de puritanismo é muito relativa. Conheço alguns gajos metidos a carola que, quando os íntimos não estão vendo, fazem das suas, jogando fora a máscara da hipocrisia, que comumente levam atarraxada na cara.
O homem era espanhol e entendia de hotel. Durante algum tempo eu tive certa convivência com ele. Depois de trabalhar para diversos patrões, achou que era hora de montar seu próprio negócio. O dinheiro, por muito tempo avaramente amealhado, tinha objetivo certo: a sua independência. Ele deu para alugar apenas uma velha casa no caminho da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. E foi nela que, depois das necessárias adaptações, Gonzalez inaugurou seu primeiro e humilde hotel.
Naquela época, além de não haver incentivos para os que se metiam nesse negócio, os turistas rareavam. Os de gaita farta passavam ao largo pelo hotelzinho do espanhol. Alguns pés-duros, que reclamavam de tudo e de todos, é que constituíam sua minguada freguesia.
Aos trancos e barrancos, Gonzalez foi levando seu pequeno negócio, sem querer passá-lo adiante. E àqueles que lhe acenavam com boas propostas, “desde que facilitasse a entrada de hóspedes à hora”, respondia aborrecido:
– Esta é uma casa de respeito, tá sabendo?! Aqui só se hospedam solteiros ou casais que comprovem sua condição social!
E realmente era assim. O homem e a mulher chegavam agarradinhos, maletas nas mãos, iam preencher as fichas e lá vinha o espanhol exigente:
– Os senhores trouxeram a certidão de casamento?
Como a maioria não levava o documento, os quartos iam ficando vazios.
Mas o tempo foi passando e o dono do negócio mudando de idéia. Agora, por todo o Rio de Janeiro, proliferavam os “hotéis de alta rotatividade”, mais conhecidos como motéis, a turma entrando e saindo sem cerimônia, enquanto enchiam as burras dos felizes proprietários desses modernos prostíbulos.
Lá um certo dia, o espanhol entrou em casa e explodiu:
– Não agüento mais de contas a pagar! Amanhã mesmo transformo aquela joça num motel!
Se uma bomba H tivesse caído naquela sala, não teria feito maior estrago. Levantaram-se a sogra, a esposa e a filha mais velha, as três partindo como feras pra cima do infeliz.
– Só se passar por cima do meu cadáver! – dramatizou a gorda cara-metade.
– Eu saio de casa! – ameaçou a filha.
– Eu não disse que ele não prestava? – indagou a sogra, voltada para a filha e mulher do espanhol.
A discussão entrou madrugada adentro, mas Gonzalez não arredou pé. No dia seguinte, depois de espalhar a novidade, ele escancarou as portas do seu hotel para quem aparecesse, fosse quem fosse. E veio muita gente, já que a casa era simpática e acolhedora, ótima para uma transa legal. Alguns, mais cínicos, perguntavam:
– Como é, seu Gonzalez, não vai pedir certidão de casamento ?
Mandava-os àquela parte.
Agora, raramente havia quarto vago, os casais entrando e saindo num rodízio contínuo. Rápido, o espanhol construiu um anexo nos fundos do quintal, aumentando o número de cômodos. E, alguns meses depois, comprava a propriedade, pagando muito além do que ela valia.
Sua conta bancária crescera a olhos vistos. Mas, embora ele não deixasse faltar nada em casa, nela não podia mais botar os pés. Porque toda a família ficara contra “o novo e imoral negócio”, como o taxara a sogra irredutível. Embora não devolvessem os polpudos cheques enviados pelo espanhol, fruto de amores pecaminosos.
Há meses o coração pifado do Gonzalez parou de bater. Após o enterro, a família reunida, falou-se na venda do indesejável imóvel. Aconteceu, então, o não previsto: nenhum, mas nenhum mesmo dos parentes do falecido concordou com isso, terminando todos acordes que o motel é, realmente, um ótimo negócio.
– Mas quem vai dirigi-lo? – indagou a sogra de Gonzalez.
– Quem mais poderia ser? Eu, naturalmente – perguntou e respondeu dona Minervina, esposa do extinto seu Gonzalez e freqüentadora assídua da missa das sete.
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