O alcoólatra e o cego
De tanto beber, ele tornara-se um alcoólatra, raramente sendo visto sóbrio. Quando entrava num bar, para entornar umas e outras, o seu cão, um mal tratado vira-lata, ficava do lado de fora, aguardando que o infeliz saísse, para acompanhá-lo até em casa. Certa ocasião, no entanto, vendo o dono em estado lastimável, sendo expulso pelo botequineiro, o cachorro achou que devia intervir, rosnando ameaçadoramente para o proprietário do bar. O que o animal conseguiu, porém, foi fazer o bêbado voltar-se contra ele. Ao invés de descarregar sua fúria contra o comerciante que o enxotava, o mau-caráter deu um violento pontapé no pobrezinho, que saiu ganindo de dor, com o rabo entre as pernas. Uma das testemunhas do fato - justamente a pessoa que me contou esta historia - presenciou, então, o seguinte : o homem saiu cambaleante do bar e, em passos trôpegos, tentou atravessar a rua. Mas acabou desabando na calçada, tão embriagado estava. Foi quando todos viram o vira-lata chegar de mansinho, lamber o rosto do dono ingrato e ficar ali parado, ao seu lado, protegendo-o de dentes à mostra, impedindo que alguém se aproximasse daquele que ele tanto amava. Só quando o alcoolizado melhorou da carraspana e conseguiu se levantar, é que a dupla, homem e animal, voltou para casa, o cão esquecido do doloroso pontapé que levara.
Um leitor, Maurício de Amorim, que trabalha num escritório da paulistana Avenida Ipiranga, me envia uma história semelhante, da qual foi testemunha. Esta aconteceu no bairro da Penha.
É lá que mora um cego que tem um cão policial que o acompanha em suas andanças pelo bairro, na faina diária de vendedor de vassouras. Não é bem um guia, como os que são treinados especialmente para o trabalho de conduzir pessoas sem visão por caminhos seguros. O tal cego guia-se com uma bengala branca, o animal servindo-lhe apenas de companhia. Segundo Maurício, ele criou o cachorro desde pequenino, um se acostumando ao outro. O mais interessante é que, quando está ao lado do dono, não há nada que desvie a atenção do cachorro, nem mesmo uma sedutora cadela ou um provocador cão de rua.
Este fato aconteceu há meses. Numa das ruas percorridas pelo cego, que a conhece metro a metro, a companhia de gás - que ali estava fazendo um conserto - abrira um bueiro, por onde os operários haviam descido uma escada. O bueiro ficava bem no meio da calçada, constituindo um perigo para qualquer transeunte distraído. Pior, ainda, se ele não visse nada.
Antes mesmo que alguém pudesse gritar, avisando o cego do perigo, ele encontrava-se a poucos passos do bueiro. Não havia mais tempo para evitar a queda! Foi quando um sexto sentido alertou o cão e o animal agarrou desesperado a bainha da calça de uma das pernas do dono, puxando-o para trás. À princípio, sem refletir no que estava fazendo, o cego tentou afastar o animal com a bengala. Depois, quando as pessoas se aproximaram e explicaram o que acontecera, o cego ajoelhou-se junto ao animal e, abraçado a ele, pôs-se a chorar...
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