Com uma parada cardíaca, depois de período de luta contra um câncer, morreu no último sábado, às 21h, no Hospital Raul Sertã, o professor aposentado Alcides Heiderich, e com ele parte da memória do distrito de Lumiar. Seu Cidinho, como era chamado normalmente, nasceu em 1928 no local onde hoje se encontra a Vila Mozer, naquele distrito de Nova Friburgo.
Toda sua vida se desenrolou na mesma localidade e muitos acontecimentos de que ele participou compõem a história do lugar. Sua mãe, a também lumiarense Gracinda Maria Brust Heiderich, conhecida como Dona Lolota, nascida em 24 de agosto de 1896, era conhecida como uma das melhores dançarinas de xote de roda, dança tradicional com ligeira semelhança à quadrilha. Algumas dessas histórias e lembranças ele contou em entrevista a este jornalista em junho de 2008. Foi agricultor, mas sempre trabalhou em terras alheias. Era comum trabalhar-se a meia, isto é, cuidar de uma parte da terra e receber a metade do valor que nela se produzia.
Da varanda de sua casa, no centro de Lumiar, seu Cidinho fez um gesto para os morros em volta e disse que “tudo isso era plantação de café”, exceto as partes mais altas, onde era preservada a mata nativa. No meio dos cafezais plantavam-se outros produtos, como inhame e aipim.
Naquela ocasião, ele descreveu a rotina da vida de trabalhador rural por ele experimentada: acordava-se antes do nascer do sol e, às 7h, já se estava na roça, quando se almoçava. Jantava-se às 11h, havia o café às 16h e uma ceia às 20h. Falou de valas que existiam entre as plantações com profundidade de dois metros, aproximadamente, cuja finalidade nunca entendeu muito bem, sabia apenas que eram muito antigas, provavelmente feitas por escravos. Outras pessoas explicam essas valas, que segundo seu Cidinho ainda existem em alguns lugares, como um sistema de drenagem, para que os campos plantados não acumulassem água em excesso. Outra curiosidade é um local de brincadeiras de sua infância conhecido como o cemitério dos Roure, próximo de onde hoje se encontra o restaurante Casa Velha, na chegada à localidade. Deve-se a essa família, de Felipe de Roure, o nome de Lumiar, desde o início do século XIX.
Magistério
Em 1951, Alcides Heiderich encontrou-se com outro ofício, o de professor, que exerceu por 35 anos até se aposentar. Esta nova experiência acabou influenciando seu filho Edimar e sua neta Amanda, também professores. É o mesmo caso de sua ex-aluna Marta da Silva, que com ele desenvolveu “a vontade de ser professora”.
Começou na localidade conhecida como Ponte dos Alemães, próximo ao Encontro dos Rios, com 35 alunos. Trabalhava na escola pela manhã e na roça, à tarde. Exercendo a profissão por opção, numa época em que quase não existiam instituições de ensino na região, pagava com seus próprios recursos o aluguel da casa em que se instalava a escola. Somente mais tarde passou a exercer o magistério como funcionário do município. Segundo a ex-diretora de escolas aposentada Bercília Mozer de Moraes, “Cidinho foi professor responsável, de grande conhecimento e ensinava seus alunos com grande dedicação, respeito e, acima de tudo, com o exemplo”.
Na Toca da Onça chegou a ter 60 alunos em uma só sala de aula. “As famílias não se espalhavam, as pessoas só se mudavam com o casamento. Mais tarde é que começaram ir para São Paulo, para trabalhar nas lavouras de café e algodão”, contou Cidinho esta mudança dentre muitas outras que acompanhou.
Ele se dedicou também às artes. Tocava bombardino na banda da Sociedade Musical Euterpe Lumiarense e fez teatro até ter em torno de 35 anos, no início dos anos 60, participando de encenações de comédias, que eram comuns na região em ocasiões diversas e aconteciam em local próximo ao campo do Lumiar Futebol Clube.
O também lumiarense Ipojucan Kher, 58 anos, conhecido como Juca, teve em Cidinho seu primeiro professor. Juca é o responsável pelo Cemitério da Pedra Riscada e fez o sepultamento do antigo mestre às 17h de domingo, 4 de dezembro. Disse o seguinte: “Para mim ele foi tudo. Ele me ensinou as primeiras letras, foi um ótimo professor e tudo o que eu sei devo a ele. Hoje quis fazer uma homenagem a ele, mas, além de não ter o dom da palavra, naquele momento estava emocionado ... ele era uma excelente pessoa”.
Terminou assim, nas mãos de um conterrâneo, a história de uma vida passada toda no mesmo lugar. Exemplo de “grandeza de alma e simplicidade na vida” é o legado que deixa, segundo depoimentos. Para seus familiares e amigos foi a perda de pessoa querida, mas foi também o fim de uma memória viva de Lumiar. Esta pode, porém, ser resgatada e guardada para que a história não tenha fim.
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