Sim, é possível controlar a pressão arterial apenas com dieta e exercícios. Quem afirma é o renomado cardiologista Jesuíno Cunha que, entre outros títulos, é chefe do Serviço de Cardiologia e Cirurgia Cardíaca do Hospital São Lucas. Partindo dele, a informação tem que ser levada a sério. E bota sério nisso. Afinal, o doutor Jesuíno não tem nada de alternativo nem de natureba, muito pelo contrário. Faz questão de se manter sempre muito atualizado no que diz respeito aos avanços científicos, especialmente em sua área de atuação.
Com décadas de serviços prestados à medicina friburguense, ele garante que o tratamento não medicamentoso pode controlar a hipertensão leve e, quando associado ao tratamento farmacológico, consegue melhorar muito o controle do paciente com hipertensão moderada/grave, reduzindo significativamente o risco cardiovascular.
A VOZ DA SERRA: Já foi realmente comprovada a eficácia do tratamento não farmacológico da hipertensão?
Dr. Jesuíno Cunha: Sem dúvida, existem diversos trabalhos científicos demonstrando a influência positiva da dieta e do exercício no controle da pressão alta e das complicações frequentemente associadas a este quadro.
Há várias medidas não farmacológicas que podem resultar em grandes benefícios para o paciente hipertenso. Entre as medidas de maior impacto na pressão arterial merecem destaque a redução do peso, mesmo que pequena (5% do peso total), a redução do sal da dieta e a prática regular de atividade física. Outras medidas, tais como suplementação de potássio e aumento do consumo do ácido graxo ômega 3, também resultaram em queda da pressão arterial.
AVS: Que tipo de exercício o hipertenso deve fazer?
Dr. Jesuíno Cunha: Até recentemente este aspecto ainda não estava bem estabelecido. Novos estudos, porém, têm demonstrado que a prática de atividade física regular e moderada – caminhadas, por exemplo – pelo menos três vezes por semana, confere benefícios diretos ou indiretos, que auxiliam a reduzir a pressão arterial e o risco cardiovascular global.
AVS: Mas, sem dúvida, esta nova abordagem terapêutica exige um empenho muito maior do paciente...
Dr. Jesuíno Cunha: Sim, implica esforço conjunto não só do paciente, mas da equipe multidisciplinar que o atende. Afinal, não se trata apenas de prescrever e ingerir comprimidos de tantas em tantas horas, mas de toda uma mudança na abordagem da doença.
AVS: O tratamento medicamentoso é suficiente para o controle adequado da pressão arterial e das comorbidades dela decorrentes?
Dr. Jesuíno Cunha - Nem sempre. Para começo de conversa, o tratamento da hipertensão é bastante complexo. Não é incomum nos depararmos com pacientes de alto risco cardiovascular em uso de três ou mais medicamentos antihipertensivos, mais de um para glicose, outro para colesterol e um antiadesivo plaquetário. O fato é que, muitas vezes, não conseguimos visualizar uma solução medicamentosa para a hipertensão.
AVS: Para o senhor, então, a solução passaria pela ênfase em relação aos cuidados com a dieta e os exercícios?
Dr. Jesuíno Cunha: Com certeza. O paciente hipertenso, principalmente aquele que tem morbidades associadas, deve receber uma atenção especial do ponto de vista médico, nutricional, psicológico e de enfermagem, além de orientação quanto à atividade física.
AVS: Quando devem começar estes cuidados?
Dr. Jesuíno Cunha: O quanto antes, melhor. A pessoa não deve esperar a hipertensão, o diabetes, a dislipidemia ou a obesidade se manifestarem, mas em fase precoce, justamente para evitar as consequências físicas, sociais e econômicas da associação mórbida destes fatores.
AVS: Mas, convenhamos, muitos médicos parecem seduzidos pela prescrição e não têm paciência para insistir com o paciente sobre a importância dos demais cuidados...
Dr. Jesuíno Cunha: É verdade. A boa adesão ao tratamento da hipertensão, seja ele farmacológico, não farmacológico ou associado constitui tarefa difícil não apenas para o paciente, mas também para o médico.
AVS: Quais dessas medidas podem ser consideradas prioritárias no controle da hipertensão?
Dr. Jesuíno Cunha: Sem menosprezar as outras medidas, eu diria que é a obesidade, sobretudo abdominal. O peso excessivo faz com que o coração trabalhe mais, o que contribui para o aumento da pressão. Por isso mesmo, o paciente que emagrece consegue melhorar e até mesmo obter a remissão dos demais sintomas associados à pressão alta. A associação entre o índice de massa corpórea e a pressão arterial já foi devidamente documentada em diversos trabalhos. Também já foi demonstrado que indivíduos com sobrepeso têm risco aumentado de desenvolver hipertensão. A necessidade de reduzir o peso torna-se imperiosa, porque a obesidade agrega vários fatores de risco cardiovascular. Vale a pena ressaltar que até pequenas perdas do peso podem acarretar uma redução da pressão arterial. Este é um dos motivos pelos quais insistimos tanto em programas voltados para a educação e a reeducação alimentar. Uma mudança em certos hábitos de vida ainda continua sendo a solução para esse problema que tem se agravado tanto em nosso meio.
AVS: O uso de sal continua proibido?
Dr. Jesuíno Cunha: A redução moderada do sal é um dos fatores mais importantes na prevenção e no controle da pressão alta, sobretudo em indivíduos com predisposição genética. Trata-se de um fato já bem estabelecido e documentado cientificamente. Porém, um aspecto que vem sendo muito discutido nos últimos anos é o grau de restrição salina ideal. Com poucas ressalvas pode-se dizer que o consenso médico atual recomenda uma dieta com restrição moderada de sódio como parte do tratamento não medicamentoso da hipertensão arterial. Devemos usar sal suficiente para dar sabor à comida - até 6g, se possível, de 4g a 6g – procurando substituí-lo por outros temperos que também dão sabor aos alimentos. Não se deve esquecer que produtos processados e industrializados, inclusive os queijos (com exceção da ricota), os embutidos e compactados, como salame, mortadela, frios, também contêm sal.
AVS: Qual o novo padrão alimentar estabelecido para hipertensos?
Dr. Jesuíno Cunha: Preconiza-se uma dieta rica em potássio, magnésio e cálcio. Alguns alimentos também já comprovaram ser capazes de reduzir a pressão, como a castanha do Pará ou de caju, que deve ser ingerida uma vez ao dia, de preferência, meia hora antes do almoço. O ideal seria que todos, hipertensos ou não, substituíssem os grão processados pelos integrais, que conservam as fibras. As vitaminas e sais minerais também ajudam a reduzir a pressão, assim como as frutas, feijão, lentilhas, soja, ervilhas, hortaliças e cenoura, que também são fonte de fibras. O suco de beterraba contém altas doses de nitrato e contribuiu para abaixar a pressão. No mais, nada de mudar seus hábitos alimentares abruptamente, porque não dá certo. Ah, e muita gelatina diet como sobremesa.
AVS: De um modo geral, bastam estas medidas dietéticas?
Dr. Jesuíno Cunha: Fala-se também na suplementação de cálcio e de magnésio, mas no que diz respeito à redução da pressão arterial o benefício é muito discreto. No entanto, a suplementação de ômega 3 na dieta do hipertenso, além dos efeitos cardiovasculares favoráveis já conhecidos, pode trazer grandes benefícios no controle da pressão arterial.
AVS: Ao longo desta entrevista, o senhor enfatizou por diversas vezes a importância da participação de uma equipe multidisciplinar para o êxito do tratamento. Quer dizer, então, que não basta ir ao cardiologista para controlar a pressão?
Dr. Jesuíno Cunha: O tratamento moderno da hipertensão deve envolver diferentes profissionais da área da saúde. Entre eles, médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, professores de educação física, farmacêuticos, assistentes sociais. Existem inúmeros trabalhos demonstrando o benefício adicional obtido pelo paciente que é acompanhado por múltiplos profissionais.
AVS: O senhor citou que somente 23% dos hipertensos controlam corretamente a doença, 36% não fazem controle algum e 41% abandonam o tratamento após melhora inicial. Porque tantos pacientes não aderem ao tratamento, deixando de tomar as medicações prescritas e não fazendo as mudanças necessárias em seu estilo de vida?
Dr. Jesuíno Cunha: Em primeiro lugar, porque a hipertensão arterial é uma doença silenciosa, seus sintomas são difíceis de perceber. Além disso, o tratamento exige dedicação, disciplina e força de vontade, pois envolve mudanças de comportamento e novos hábitos alimentares. Por isso mesmo, acho que é preciso uma determinação maior por parte dos profissionais envolvidos no tratamento, no sentido de tentar engajar mais seus pacientes.
AVS: É mesmo alarmante o índice de hipertensos não só no país, mas em todo o mundo?
Dr. Jesuíno Cunha: Sim e o pior é que metade das pessoas que sofre de pressão alta não sabe disso, apesar do enorme risco que estão correndo de apresentar doenças cardíacas. O papel da hipertensão arterial no surgimento das cardiopatias é importantíssimo, até maior que o aumento do nível do colesterol, o diabetes ou o fumo. A pressão alta é o principal fator de risco de complicações cardiovasculares, sendo responsável por 40% dos infartos, 80% dos acidentes vasculares cerebrais (AVC) e 25% dos casos de insuficiência renal terminal no país.
AVS: Por falar em tabagismo, qual a real associação entre a hipertensão e o cigarro?
Dr. Jesuíno Cunha: Antes, o cigarro estava associado ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares e não propriamente à elevação da pressão arterial. Entretanto, já foi demonstrado que o tabagismo é um dos principais fatores de risco para a origem não só das doenças ligadas ao coração, mas da pressão sanguínea em si. Quem fuma está mais propenso a desenvolver hipertensão e a ter doenças do coração. O risco de ter um ataque cardíaco sobe conforme o número de cigarros e o tempo do vício. Quem fuma um maço de cigarros por dia tem o risco dobrado em relação àqueles que não fumam.
AVS: E o estresse, tem algum papel na hipertensão?
Dr. Jesuíno Cunha: Sem dúvida o estresse pode elevar a pressão arterial e este fato já foi comprovado há muito tempo. Por isso mesmo é importante enfrentar os problemas com tranquilidade, divertindo-se e reservando um tempo para fazer aquilo de que se gosta. Uma pequena dose de estresse é inevitável, não podemos evitar, mas sempre é possível administrar.
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