Texto: Karine Knust / Fotos: Amanda Tinoco, Karine Knust e Lúcio Cesar Pereira
Alfaiates, barbeiros, sapateiros, costureiros, consertadores, amoladores, tipógrafos, entre outros. Profissionais que há tempos eram muito requisitados, hoje disputam espaço em um mercado cada vez mais massificado e voltado para novas tecnologias. A equipe do Light foi atrás de alguns desses "heróis da resistência” para saber como tudo começou e porque eles lutam para conservar suas profissões.
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Eles criam, cortam e costuram: apesar de muito
antiga, a profissão de alfaiate ainda resiste
Sob medida
Graças aos ensinamentos de um tio, Elizeu Câmara começou a aprender o ofício quando tinha apenas 12 anos e, desde então, nunca pensou em largar a profissão de alfaiate. Um ano depois de ter começado a aprender as técnicas de corte e costura, seu tio começou a trabalhar consertando TVs e deixou a profissão. Eliseu poderia ter parado por ali, mas não desistiu: "Ele deixou a alfaiataria por minha conta e com 13 anos assumi o trabalho todo sozinho”, conta Elizeu.
Hoje, com 60 anos, Elizeu assume que manter a profissão tem sido cada vez mais difícil. De acordo com o alfaiate, as pessoas perderam a cultura de mandar fazer roupas sob medida, mas "sempre existe um conserto ou ajuste para ser feito”, menciona. E quem pensa que ele pretende parar assim que se aposentar, está muito enganado: "Só sei fazer isso e nem me interesso em aprender outras coisas. Amo o que faço e faço porque amo. Quando eu me aposentar, vou continuar fazendo isso, não me vejo sem trabalhar”, diz o alfaiate.
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Elizeu Câmara é alfaiate há 48 anos
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encapar botões? Pois é, ele ainda existe
Dos aviamentos aos botões
Célia Zago e seu irmão montaram um comércio em 1987 para oferecer aos clientes — como ela mesma diz — "um pouquinho de tudo”: moda íntima, bijuteria, aviamentos, artigos para presente... O objetivo era descobrir qual mercadoria iria vender mais. E descobriram: aviamentos. Eles começaram a investir, mas, com o tempo, perceberam que além desse item, os clientes sempre perguntavam se Célia também encapava ou colocava botões de pressão. Ela não oferecia o serviço, mas percebeu que havia um nicho de mercado e resolveu se dedicar a aprender. "Tentamos e deu certo. Comprei as peças necessárias e nas primeiras tentativas saiu tudo errado, mas não desisti, fui acertando aos poucos. Sou filha de costureira, mas não sei fazer uma blusa, não sei fazer nada, porém entendo um pouco de costura porque convivia com isso e acho que foi o que me ajudou”, conta Célia.
Os anos passaram e a comerciante continua com sua lojinha de aviamentos e botões. E conta que apesar de trabalhar em um ramo em que o retorno acontece de maneira bem lenta, tem uma lista razoável de freguesas e não pretende largar a profissão: "Tenho clientes que começaram a comprar quando montei a loja e até hoje eu as atendo. É o que eu sempre falo: nunca fiquei rica e nem vou ficar, porque o que oferecemos são serviços e produtos bem baratos, mas consigo sobreviver com o que faço e isso me deixa tranquila. Já fui gerente de loja de roupa e odiava o que fazia, mas hoje eu amo meu trabalho.”.
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Célia Zago encapa botões há mais de dez anos
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Antigamente, os sapateiros eram reconhecidos por
fabricar calçados; hoje, eles se dedicam a consertá-los
A arte de consertar calçados
Antigamente, os sapateiros eram conhecidos por fabricar calçados, mais do que por consertar. Hoje a realidade é bem diferente. Com as grandes e modernas indústrias, o sapateiro perdeu seu espaço e começou a ter que se adequar a novas necessidades do mercado, tarefa que não é nada fácil: "A qualidade dos calçados caiu muito, a invasão de sapatos sintéticos, chineses e as próprias indústrias nacionais estão imitando e fazendo muitos modelos descartáveis, de modo que quando estragam muitas vezes não tem como consertar”, explica o sapateiro Hilton Veiga.
Nesta profissão há mais de 35 anos, Hilton conta que aprendeu o ofício quando ainda era garoto e nunca trabalhou com outra coisa a não ser calçados. Sua oficina fica localizada onde antigamente era uma fábrica de sapatos e, diferente do que normalmente acontece com essas profissões mais antigas, Hilton é o único de sua família que trabalha neste ramo. Para ele, uma das maiores dificuldades e ameaças para o setor não é o advento de novas tecnologias, aliada ao imediatismo que faz com que as pessoas não pensem mais em consertar e sim comprar outro: pior do que isso é a falta de profissionais para dar continuidade ao trabalho de sapateiro. "Muitos que trabalhavam no ramo já se aposentaram ou faleceram. Eu já ensinei o serviço a dois amigos durante dois anos, mas eles não se adaptaram. Hoje todo mundo quer ganhar bem e trabalhar fácil”. Também, segundo o sapateiro, a falta de profissionais qualificados ajuda a impedir a expansão da empresa: "A clientela que eu tenho é 99% feminina e é o que sustenta o ramo. Tenho muitas freguesas, mas a falta de ajudantes para que eu possa dar conta dos serviços me impede de ter mais clientes e fazer mais propaganda da oficina.”.
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Hilton Veiga é sapateiro há 35 anos
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e fazer a barba no barbeiro nunca saíram de moda
Barba, cabelo e bigode
Lauro Leal, além de muito simpático, também é um ótimo barbeiro. Pelo menos é o que todos os colegas de trabalho e clientes fazem questão de dizer. Com 81 anos de idade e 64 de profissão, Lauro começou como ajudante de limpeza numa barbearia no estado do Espírito Santo: "A gente começava cedo assim porque não tinha escola pra frequentar e então ia aprendendo com os mais velhos até começar a trabalhar como barbeiro. Levei mais ou menos um ano para aprender.”, explica ele.
Na cidade do Rio de Janeiro, Lauro trabalhou por 15 anos, e só em 1969 se mudou para Nova Friburgo. Pensa que ele mudou de profissão durante esse tempo? Nada disso. Lauro chegou à Serra e montou sua barbearia. "Aqui estou até hoje e, se Deus quiser, vou ficar por aqui até morrer. Nunca quis e nem vou querer mudar de profissão porque adoro o que faço”, conta o barbeiro com um sorriso estampado no rosto. E mesmo quando questionado sobre as novas tecnologias e salões mais modernos, o barbeiro garante com firmeza: "A gente não perde trabalho, não. Uma vida inteira cativando amigos e clientes. Um serviço que passa de geração a geração. Tem uma família, por exemplo, que vem cortar cabelo comigo e já está na quinta geração. Vem o chefão da família, depois o filho, neto, bisneto, tataraneto. Ir à barbearia é uma tradição”. E ele ainda conclui: "Isso aqui é minha vida e uma diversão pra mim.”.
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Lauro Leal já completou 64 anos como barbeiro
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Dar ordem à estrutura de textos manualmente
não é uma tarefa fácil, mas ainda existe
Letra por letra
Você sabe o que faz um tipógrafo? Responsável por dar ordem às estruturas textuais, hoje os tipógrafos trocaram as grandes máquinas e tipos móveis — letrinhas que eram organizadas uma a uma para compor textos — por modernos programas de computador. É difícil achar gráficas que ainda tenham as antigas máquinas de tipografia, mas elas ainda existem.
O tipógrafo — e agora também designer gráfico — Gilderio Reis trabalha há 35 anos na profissão e ainda lida com máquinas de tipografia no seu dia a dia: "A tipografia quase não é mais usada, hoje as pessoas trabalham com máquinas off set que são mais modernas, mas ainda existe procura por esse serviço, principalmente, para montagem de logotipos de empresas”. Também, segundo Gildeiro, antigamente, os moldes para montagem não existiam na cidade e o atendimento mais próximo era em Niterói, mas hoje os desenhos de logotipos são montados com mais facilidade e os textos gravados em chapas, sem precisar de tantas letrinhas para montagem. "Para texto não se usa mais porque dá muito trabalho, usamos praticamente só para logomarcas. Antigamente, até livros eram feitas no tipógrafo, usando letra por letra para montagem. Acredito que somos a única gráfica da cidade que ainda preserva esse maquinário de tipografia.”, diz Gildério.
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Gildério Reis tem 49 anos e trabalha como tipógrafo desde os 14
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e que precisa de manutenção
Um consertador de acordeom
Nascido em Bonsucesso, Rio de Janeiro, e com formação em eletricista, Benemodir Dembergue, mais conhecido como Benê, começou a tocar acordeom ainda muito jovem, mas se via em apuros quando precisava consertar algum fole do seu instrumento ou fazer uma simples manutenção. Por quê? O consertador de acordeom mais próximo ficava em Itaperuna. E foi por esse motivo e por apresentar uma aptidão fora do comum para o ofício que Seu Benê resolveu largar a profissão de eletricista e se dedicar a consertar não só o seu acordeom, mas também de todos aqueles que precisassem: "Troquei ideia com minha esposa, Débora, que era viva na época, e ela me deu total apoio. De lá pra cá, graças a Deus, eu trabalho só com isso e nunca teve um dia que eu falasse que eu não tinha nada pra fazer”, conta ele.
Com 75 anos e se dedicando ao conserto de acordeons há mais de 35, Benê diz que são tantos fregueses que às vezes é preciso reorganizar os serviços para conseguir atender a todos. Na verdade, conserto é com ele mesmo, pois além de cuidar de instrumentos, Benê já teve oficina dedicada ao conserto de bicicletas. Ao ser questionado sobre o futuro de sua profissão, ele diz: "Comecei a tocar porque meu pai, Manoel Dávila — fundador da igreja evangélica Assembleia de Deus na cidade — tocava e acabou me incentivando a aprender também. Um dia ele me disse ‘é, o aluno já passou o professor. Meu filho, parece que você não tem ossos nos dedos, tem muita agilidade’. Nós tínhamos uma ligação incrível e desde então, não larguei mais esse instrumento. Acordeom é um instrumento caro e quem tem raramente se desfaz dele. Em muitos casos, alguns músicos morrem e os filhos não têm coragem de se desfazer e mantêm ele como lembrança de família. Às vezes, passa de pai para filho o aprendizado, como aconteceu comigo.”. E ele não pensa duas vezes ao afirmar: "Amo o que faço e tudo que eu coloco a mão parece que Deus coloca a mão junto comigo. E dá certo”.
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Seu Benê largou a profissão de eletricista para consertar acordeons
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De tudo um pouco
Dono de um armarinho no bairro Perissê há mais de 40 anos, Jacy Moreira não gosta de ver seus clientes saindo insatisfeitos, por isso tem de tudo um pouco por lá. Utensílios de cozinha, artigos de papelaria, botões, parafusos, artigos de presentes... Além de, é claro, ser famoso por consertar panelas e eletrodomésticos. Mas ele faz questão de afirmar: "Não sou profissional, sou curioso”. A fama de consertador começou quando Jacy teve a ideia de ajudar uma amiga que estava com um ferro elétrico com problemas. Ele levou o eletrodoméstico para casa e, no outro dia, o entregou novinho em folha. "Quando eu entreguei, dona Elza ficou toda feliz por eu ter conseguido resolver o problema e quis me pagar um cruzeiro pelo serviço. Não aceitei. Foi um prazer ajudá-la. Mas depois disso, percebi que podia ganhar um dinheirinho consertando coisas”, conta ele, aos risos.
A ideia de consertar eletrodomésticos se estendeu às panelas quando Jacy recebeu a visita de um representante de peças para conserto de panelas. Curioso como sempre, ele resolveu investir no kit e começar a treinar com as panelas da própria esposa, Maria José. Ele também conta que é graças a essas novas formas de sustento que conseguiu manter seu armarinho aberto até hoje. E qual é o segredo para ter tantos clientes? Jacy afirma: "Atendo as pessoas como se fossem da minha família, trato com amor e carinho e conserto cada eletrodoméstico ou panela com o mesmo cuidado que conserto os da minha esposa. É preciso amar o que você faz. O problema de muitos profissionais hoje em dia é que eles não amam o que fazem, por isso fazem mal feito. Quando eu falo em sair daqui, muitas clientes falam ‘não, você não pode fechar’. Acontece muito delas estarem fazendo comida e aí estraga a panela naquela hora. Elas correm aqui e eu conserto rapidinho. Elas voltam felizes para casa, pra continuar fazendo seu almoço. E eu fico contente porque consegui ajudar alguém e ainda consigo vender uma coisinha daqui da loja”.
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As novas atividades que aquecem o mercado de trabalho
Ana Blue
Quem não gosta de sentir o cheiro de um carro novo? De estar bem vestido, de ter uma casa bem decorada? Ter tudo isso exige tempo, dinheiro e talento. Bom, ao menos, é preciso ter dinheiro, porque tempo e talento os personais têm pra dar e vender — se bem que, neste caso, é só pra vender mesmo.
Profissões cada vez mais inusitadas vêm surgindo pela necessidade e, principalmente, comodidade daqueles que podem pagar por serviços personalizados. Com o aumento da renda da população, a demanda por estes serviços muito específicos também cresce. Aliás, a prestação de serviços é responsável por 70% da riqueza gerada no país. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) calcula que 11 milhões de brasileiros trabalham com prestação de serviços.
Os conhecidos "personais” são exemplos disso. Eles fazem de tudo: cuidam de séries individuais de exercícios físicos, acompanham obras e reformas nas casas — pasmem, mas até a profissão "pregador de quadros” já existe e o nome é autoexplicativo: é um especialista em dispor quadros na parede —, tratam do visual e do estilo de seus empregadores, enfim. Quem nunca quis ter um personal alguma coisa que atire a primeira pedra.
O que você faz mesmo?
Claro que a nova ordem empregatícia mundial vai além disso. Há uma gama inimaginável de profissões inusitadas. Você já parou pra pensar em quem garante a qualidade dos produtos que você adquire todos os dias? O osmólogo veicular, por exemplo, é o profissional responsável por assegurar que o carro que vai para a concessionária ser vendido terá realmente o "cheiro de carro novo”. Mas engana-se quem pensa que é só sair cheirando por aí: osmólogos — e aí entram também outros ramos da indústria que contratam estes profissionais, como a dos cosméticos — são especialistas em aromas e cheiros e dependem de conhecimentos de Química para exercerem a profissão.
Antes de se deitar para aquele sono reparador, saiba que há profissionais especialistas em conforto, que atestaram antes da venda o nível de confortabilidade do seu colchão. E, acaso prefira tomar o café da manhã na rua, poderá ser atendido por um barista — profissionais peritos em bebidas à base de café, desde a cadeia de produção até a arte de servi-lo em sua mesa. E se você pedir uns ovos mexidos para acompanhar esse café, saiba que eles só estão no seu prato porque as indústrias contratam sexadores: técnicos responsáveis por detectar o sexo das aves a fim de garantir maior produtividade. Até a pessoa a quem você paga para passear com o seu cachorro ganhou um nome interessante: dog walker. Aliás, na sua infância, quando sua mãe mandava que você levasse o bichinho pra passear, como você poderia imaginar que um dia alguém transformaria isso em profissão?
Dorminhocos profissionais para pesquisas científicas, degustadores de alimentos, analistas de mídias sociais, reports — pessoas que ganham a vida viajando, fazendo pesquisas culturais e socioeconômicas em outros países —, testadores de videogames, testadores de produtos eróticos... Algumas profissões, de tanto envolverem situações que julgamos divertidas e/ou prazerosas, nem mesmo parecem trabalho. Mas, como dizia a tia Maricota lá da quinta série do fundamental, "primeiro o trabalho, depois a diversão”. Descobrir uma aptidão já é um fato marcante. Conseguir fazer dela uma profissão — e ganhar dinheiro com ela — é quase um milagre. Merece mais que respeito, até. É digno de deferências. Ter preconceito com esses profissionais não passa de conservadorismo barato
E aí? Para onde você vai enviar seu próximo currículo?
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