Glauber Braga: ‘Não retiro uma vírgula do que eu disse’

Vídeo com o parlamentar friburguense ultrapassa 10 milhões de visualizações. Deputado acusa Bolsonaro de fazer "tortura psicológica" com Jean Wyllys cotidianamente
sexta-feira, 22 de abril de 2016
por Márcio Madeira

A VOZ DA SERRA: Até este momento [manhã de quarta-feira, 20], o vídeo com sua justificativa de voto na sessão que aprovou a continuidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff já havia alcançado mais de dez milhões de visualizações. No mesmo período, sua página no Facebook saltou de 36 mil para cem mil curtidas. Essa repercussão te surpreendeu?
Glauber Braga:
Acredito que havia muita gente com esse grito entalado na garganta, não é? Antes de ir para a votação eu recebi muitas mensagens de pessoas dos mais variados lugares, dizendo que pela distância não poderiam estar presentes, mas que queriam que eu as representasse na fala que ia fazer no Congresso. Então eu acho que a repercussão da fala tem uma relação direta com o que muita gente gostaria de ter dito ao Eduardo Cunha nesse momento político que a gente está vivenciando. E também ao resgate de lideranças históricas que fizeram a luta do povo, que combateram a ditadura militar... Tudo isso fez com que a repercussão da fala chegasse à proporção que ela chegou hoje, com essa ampliação do número de visualizações nas redes e nos meios de comunicação.

Dez segundos é um tempo muito curto para justificar efetivamente o voto numa situação tão complexa. O senhor serviu-se de algumas biografias para sintetizar suas razões, mas seria interessante explicar com mais detalhes seu posicionamento. Por que o senhor votou contrário à continuidade do processo de impeachment?
Por um conjunto de motivos. Em primeiro lugar porque existe um grande acordão, que está sendo feito em Brasília e os jornais estão noticiando hoje, dentro do qual a tropa de choque de Eduardo Cunha está agora o aconselhando a fazer chantagem com a possibilidade de impeachment de Michel Temer para garantir ainda mais apoio à salvação do mandato de Cunha e a evitar qualquer cassação. E ele tem a possibilidade também, se o Temer for afastado, de assumir a presidência da República, mesmo que seja por um tempo de 90 dias. Há um acordão, e esse acordão quer levar a cúpula do PMDB para o comando de todos os poderes da República: presidência da Câmara, presidência do Senado e presidência da República. Participam desse acordão vários partidos políticos, entre eles o PSDB e o Democratas. Não falo isso porque ouvi dizer, falo por ver as articulações que estão sendo feitas em Brasília. Aqueles partidos que antes solicitavam a saída de Eduardo Cunha em plenário, nas sessões, pararam de fazer isso, em nome desse acordão e em nome do impeachment. E mais: esse acordão já apresentou a agenda que quer implementar. É a chamada “Ponte para o Futuro”, que a cúpula do PMDB nacional apresentou como solução para a crise do Brasil — o que nós achamos que é um grande equívoco. E é um estelionato, porque é o tipo de proposta que nunca ganharia no voto popular, uma vez que é uma proposta de restrição de direitos. Entre outras coisas, ela propõe acabar com a política de valorização do salário mínimo; independência total e formal para o Banco Central; que a propriedade do petróleo não seja do Brasil, mas da concessionária e não mais num regime de partilha. Tudo isso está numa agenda já apresentada, e é nessa agenda, nesse projeto político, que o Temer junto a Eduardo Cunha e Renan Calheiros implementariam num possível governo do PMDB. Tem mais: democracia se efetiva através do voto popular. Eu sou oposição em Nova Friburgo ao prefeito Rogério Cabral, sou oposição no Estado ao governador Pezão, e sou oposição programática — assim como o Psol — ao governo federal. Mas ninguém nunca me viu defender o afastamento do prefeito Rogério Cabral ou do governador Pezão. Porque eu acho que a disputa tem que se realizar através das urnas, do voto. E o que foi recepcionado como denúncia na Câmara dos Deputados, além de ter sido uma chantagem explícita — palavras do próprio denunciante — foi o crime de pedaladas fiscais, que até o ano de 2015 não tinham como interpretação do Supremo Tribunal Federal, como se crime fosse. Tanto é que todos os antecessores, todos os outros presidentes da República, dezesseis governadores de estados, prefeitos espalhados pelo Brasil inteiro, não tiveram a incidência das suas ações como se crime fosse. Então, por esse conjunto de motivos, é que teve a expressão do voto “não”, não só meu, mas de toda a bancada do Psol.

A sua segunda frase foi um tanto enigmática: “O que dá sustentação à sua cadeira cheira a enxofre”. A ideia era sugerir uma espécie de pacto com o diabo, de vender a alma, alguma coisa nessa linha?
Eu falei sobre o que dá sustentação, porque ele é a representação simbólica de algo. Ou seja: do ponto de vista prático ele tem uma sustentação que é dada a ele, e a partir dessa sustentação ele é a figura que expressa as posições. Mas ele não age sozinho. Então quando eu falei sobre a cadeira, e aquilo que sustenta a cadeira, é porque ele tem, dentro e fora da Câmara dos Deputados, pessoas que sustentam uma ação política que precisa ser combatida. Dando sustentação a ele há uma bancada da guerra, que quer ampliar a violência para concentrar mais poder, através de um conjunto de projetos que estão tramitando; ele tem a bancada do latifúndio, que quer fazer a restrição cotidiana dos direitos dos povos indígenas; ele tem uma bancada que não pode ser chamada de religiosa — eu queria fazer essa diferença, porque inclusive há deputados que foram criticados por outros religiosos pelo tipo de postura que têm adotado... Então ele tem uma sustentação por parte daqueles que querem restringir um conjunto de direitos. Fora da Câmara dos Deputados essas bancadas têm uma sustentação que é forte, e eles fazem o discurso como se fosse o discurso do bem, e esse discurso é que precisa ser demonstrado claramente que não é do bem. Ele fez o discurso numa linha, mas o que dá sustentação a ele são os interesses mais espúrios. Foi exatamente isso que eu procurei fazer com aquela representação.

Eduardo Cunha falou publicamente que considera levar ao Supremo Tribunal Federal as acusações que lhe foram feitas durante o processo de votação — e a sua foi uma das mais contundentes a esse respeito. Qual a sua posição e a do partido a esse respeito?
Não retiro uma vírgula do que eu disse, e a gente espera sim que o STF se manifeste. Mas se manifeste sobre o pedido de afastamento de Cunha da presidência da Câmara, que já foi feito pela Procuradoria Geral da República.

O senhor tem falado muito sobre a importância de um trabalho orgânico junto ao partido. O Psol tem posturas conhecidas, e sempre condena a agenda defendida pela família Bolsonaro. Durante a votação houve um episódio envolvendo um de seus companheiros de bancada, o deputado Jean Wyllys, que cuspiu em Jair Bolsonaro diante das câmeras de televisão. O partido conversou sobre isso, cogita se manifestar sobre a situação, ou é algo que deve ser resolvido apenas internamente?
É, logo depois da votação nós já nos dirigimos para os estados, porque o Cunha cancelou qualquer sessão que fosse acontecer nessa semana. Mas a gente está dialogando sim, e avaliando medidas a serem adotadas. Mas deixar clara uma coisa — eu acompanhei isso, não foi ninguém que me disse. Eu vejo o processo de tortura psicológica que Jair Bolsonaro faz com Jean Wyllys cotidianamente. Ele chega numa comissão e se posta atrás do Jean, e fica falando todo tipo de xingamento por fora do microfone. Todo tipo. Xingamentos que eu não posso repetir aqui quais são. E ele faz isso em todas as sessões de comissão. Esse é um tipo de tortura que não há ser humano que aguente. Então é muito natural que qualquer ser humano reaja a esse tipo de tortura psicológica. E tem mais uma coisa. A gente não pode deixar de dizer que o discurso que Bolsonaro fez, exaltando um torturador brasileiro, notório justamente por ser torturador... É isso que tem que gerar indignação. É a isso que a gente tem que reagir. Então a gente está estudando ponto por ponto aquilo que pode ser feito, não só em relação à fala do Bolsonaro, mas também ao processo cotidiano de tortura psicológica que o Bolsonaro faz com o deputado Jean Wyllys. Eu sou testemunha, porque acompanho e vi ele fazer isso, não foi nem uma nem duas vezes. Eu vi ele fazer isso várias vezes.

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