Giant butterfly takes over

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
por Jornal A Voz da Serra

Laryssa Frezze

Uma gigantesca borboleta tomou o poder político num golpe supersônico de asas. Diz que tem claros objetivos de restaurar o regime poético e, como primeiro ato, outorgou a remoção dos telhados das casas e prédios, para que o céu esteja ao alcance dos olhos.
Proibiu também—há de se entender—as redes para a caça de borboletas e estendeu sua proibição a todas as redes e grades do país.
Confiscou veículos, proibiu trabalhos e tornou ilegal o desperdício do dia com tarefas virtualmente não importantes para o funcionamento orgânico do planeta.
Por todo o mundo, outras borboletas têm se juntado para fazer valer suas ordens. Os homens param; o céu lhes parece infinito. Longe dos problemas cotidianos, suas vidas pesam de significados criptografados nas distâncias entre as estrelas.
E as flores têm cheiro e há pássaros que cantam. E joaninhas.
O imposto regime poético difunde-se e todos são obrigados a acatá-lo. Já não há mais convenções sociais, as propriedades passam a ser de quem as estiver utilizando no momento e começa a se diluir no ar a ideia de posse. Há gente se desfazendo de excessos. Caixas de roupas e sapatos se amontoam nas esquinas e o exército de vanguarda das borboletas distribui a mercadoria aos que precisam.
De repente, todos se veem iguais, compartilham comida e água e instituiu-se a contação de histórias como passatempo oficial.
Aboliram o hino nacional e, em seu lugar, puseram um poema sobre flores e a importância das abelhas.
Alastram-se suicidas pelo país. Saudosistas não suportam o excesso de poesia e se jogam dos mais altos prédios para quebrarem-se nas ruas vazias. O governo esconde o número de mortos. Há algo de mistério no ar.
Cria-se a oposição subterrânea. Grupos políticos se encontram com o objetivo de banir de vez a poesia e voltar aos moldes anteriores. Arriscam suas vidas em noturnas reuniões clandestinas, mesmo sabendo da implacável ronda das mariposas.
Ato político acontece na praça, onde inúmeros indivíduos se aglomeraram sob um teto de lona e tocaram buzinas de velhos automóveis, pela volta dos meios de transporte. Os responsáveis pelo protesto dizem não suportar a sorte de nunca mais conhecerem as distâncias—o que, em suas opiniões, vai contra a natureza humana. Os ativistas foram levados a interrogatório e passam bem.
Desaparecidos alastram-se em caixas de leite de vacas felizes e muito bem alimentadas. Se se perguntar, ninguém sabe dessa gente que sumiu e já não se pode lembrar ao certo de suas fisionomias. Talvez não os vejamos mais?
Borboleta Gigante é vista em um carro último modelo e discursa esclarecendo que, por conta de seus muitos compromissos políticos, o automóvel se faz para ela de extrema necessidade—mas seu uso é ainda absolutamente vetado ao resto da população.
Atenção! Procura-se, vivo ou morto, o homem que anda pichando nos muros a figura de uma rede para caçar borboletas. Suas obras são assinadas com a alcunha de “o colecionador” e oferece-se recompensa a quem puder informar qualquer coisa sobre esse famigerado criminoso.
Para maior segurança da população, pede-se que não se saia de casa após as 22 horas. Aqueles que porventura forem pegos após o horário estabelecido caminhando pelas ruas serão detidos e gentilmente levados à delegacia mais próxima para prestar esclarecimentos.
Ocorreu, durante a madrugada, um atentado contra a Borboleta Gigante, que foi atingida por duas flechas—uma no peito e outra na cabeça. O governante encontra-se no hospital, em estado grave, e o responsável pelo ataque segue anônimo.
Morre, durante as escuras horas da noite o governante Borboleta Gigante. Artrópodes juntam-se em uma tentativa de manter o governo, mas há desunião política e instaura-se a guerra civil.
Após meses corridos de combate, vence a oposição, por fim. A velha ordem está em vias de restauração e, aos poucos, grades e telhados são reconstruídos, assim como as estradas e linhas de trem.
Restabelecido o velho regime, os homens—ao voltarem de seus recém-adquiridos empregos—encaram o vazio entre os concretos impassíveis e descobrem, num átimo de surpresa, a poesia—intacta, apesar de tudo.

lara_frezze@hotmail.com

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