Maurício Siaines
Parceria entre a pedagoga Mônica Monnerat e o administrador Randolfo Campos Sobrinho deu origem ao livro “Guia de gestão: desenvolvimento humano e organizacional”, a ser lançado nesta sexta-feira, 15 de junho, às 20h, no Centro de Arte, na Praça Getúlio Vargas.
Mônica é filha do professor Cícero Monnerat, criador do Centro Educacional Monnerat–Escola Pontinha de Sol. Randolfo, “friburguense por opção”, há vinte anos na cidade, é nascido em Goiás, de onde se mudou para o Rio de Janeiro aos 7 anos.
Em conversa com A VOZ DA SERRA, na quarta-feira, 6 de junho, na escola Pontinha de Sol, com o vozerio de crianças em hora de recreio ao fundo, os autores do livro explicaram o que pretendem da obra nascida desse entendimento entre a gestão e a educação. “Para onde está indo esse trabalho?”, pergunta-se Mônica, explicando que o livro deve ser instrumento de acesso às empresas e municípios para a realização de cursos e palestras.
Como referência, Mônica apresentou texto escrito por seu pai, em 1986, com os princípios orientadores de sua atuação profissional. Nele está a ideia da responsabilidade do educador pelos problemas do mundo, preocupação também presente nas reflexões de Mônica e de Randolfo: “somos corresponsáveis pela situação. Não que propaguemos o mal, mas muitas vezes nos tornamos alheios àquilo que nos rodeia”. E um dos meios para a superação desse alheamento, entendem os autores do guia de gestão, é a valorização dos talentos das pessoas.
Abaixo, trechos da entrevista.
A VOZ DA SERRA – O professor Cícero Monnerat é inspirador desse trabalho de vocês. Falem um pouco sobre ele.
Mônica Monnerat – A primeira coisa que eu coloco são os valores que ele passou como educador na cidade e na região [incluindo Duas Barras, Cordeiro, Bom Jardim e Niterói]. Fazemos no livro agradecimento a ele porque ele era uma pessoa de cultura erudita, honesta, ética, que cumpriu sua vida assim. Ele não só falava, falava e fazia. Começamos a pensar em escrever esse livro em [conversas em] São Pedro da Serra ...
Randolfo Campos Sobrinho – ... tenho experiência na área empresarial e a escola não deixa de ser uma empresa. Aí começamos a falar de nossos cotidianos e descobrimos que tem algo muito em comum. E daí surgiu a ideia de escrevermos um livro. Como tudo tem a hora certa de acontecer, concluímos, este é o momento: vamos escrever um livro.
AVS – Referindo-se à vida da cidade de um modo geral, o senhor Antonio Lo Bianco disse, aqui em A VOZ DA SERRA, que em Nova Friburgo se desenvolveu e se estabeleceu a “escola dos alemães”, referindo-se às alterações feitas na cidade a partir de 1910 com a industrialização, de que empresários alemães foram pivôs. Ele se refere à disciplina criada pela vida da indústria assumida pelos friburguenses. O que vocês pensam a esse respeito?
Mônica – A questão da disciplina, que abordamos muito no livro, vem dos valores: disciplina enquanto tradição de um povo que veio aqui para Friburgo, a disciplina enquanto responsabilidade. É você ter uma disciplina com responsabilidade e compromisso com a ética, com a sustentabilidade com respeito, valores antigos que retomamos agora, no século 21.
AVS – Por que você acha que esses valores devem ser retomados agora?
Mônica – Porque o século 21, pelo menos nas abordagens de empresa e de escola, está sem moral, sem valores. É necessário resgatar esses valores dentro da instituição, no caso, aqui a escola: a disciplina aqui não é espartana, mas uma disciplina onde o aluno tem autonomia, tem observação, critica mas tem que saber o que está fazendo; a disciplina tem uma consequência. A falta de ética política, por exemplo, é falta de disciplina.
Randolfo – Quando se fala em disciplina, penso na bandeira do Brasil, com o lema “Ordem e Progresso”. Aí já existe uma disciplina porque não é progresso e ordem, só se tem progresso se houver ordem. Existe um paradigma da palavra disciplina que alia a palavra disciplina à punição pelo não cumprimento de uma norma ou de algum padrão. E a disciplina não é isso. Pelo conceito da sustentabilidade—isto é, a manutenção ao longo do tempo—, manter-se é algo que parte de dentro para fora. Quando se alia a palavra disciplina a padrão, norma, punição, [a referência é a algo] de fora para dentro e ela deveria ser espontânea, de dentro para fora. A questão da disciplina está ligada a isso: é uma construção da educação, da internalização feita pelo indivíduo em que ele passa a desenvolver o hábito, passa a respeitar os seus limites, até onde vão seus direitos e onde começam seus deveres. Aí ele passa a agir de forma espontânea. E isto tem a ver com ordem e traz o progresso. Não só para a empresa e para a comunidade, mas para o próprio indivíduo. Então o nosso conceito de disciplina está mais nessa direção e não naquela: “seu horário de chegada é às 7h, se não chegar às 7h, vou te mandar embora”. Isto não é disciplina, é autoritarismo.
AVS – Já foi dito também aqui em A VOZ DA SERRA, pelo Jaburu, criador do Gama, Grupo de Arte, Movimento e Ação, que Nova Friburgo, apesar de ser uma cidade de tradição industrial é também afeita à liberação de energias criativas, às artes de um modo geral. O que vocês pensam a esse respeito?
Mônica – O prazer da criação—vou falar de nossa experiência com o livro—foi a paixão, a vontade de colocar essa nossa experiência profissional e de vida em um trabalho que possa ajudar as pessoas. Que possa contribuir para as empresas, para as escolas, com palestras e cursos. Então é uma criação genuína, que veio do coração de Randolfo e do meu. Veio também da teoria, mas principalmente da nossa vontade de trabalhar dentro de Friburgo esse conceito de gestão, que não é novo, mas é o que já vivo aqui na escola e que o Randolfo vive em sua vida profissional.
O pano de fundo de uma empresa são os seres humanos, as pessoas. Pessoas que trazem suas histórias, que vêm com suas histórias para a empresa e cabe aos gestores terem a sensibilidade para trazer a equipe para refletir sobre isso: pessoas são criativas, não são robôs.
Randolfo – Quando vim para Friburgo, impressionou-me o perfil dos funcionários [das empresas], pessoas mais tranquilas, mais pacíficas, mais comprometidas, mais envolvidas com o processo da empresa. Pessoas que, se você explicasse o porquê das coisas, respondiam muito espontaneamente. O Jaburu deve ter percebido a mesma coisa. A gente tem aqui uma riqueza muito grande de pessoas que desejam participar, que estão imbuídas desse verdadeiro conceito de disciplina. E esse processo de participação tem a ver com a criação, com a possibilidade [dessas pessoas] inovarem, darem sua ideias, sugestões ...
Mônica – ... não ficarem calados. Como diretora de escola, nunca digo “tem que ser assim”. Temos um contexto de pessoas com suas ideias e sua criatividade, sua paixão por aquilo que estão desenvolvendo na sala de aula. Então, tenho que ouvir meu professor. Não adianta trabalhar a gestão de uma forma que negue as pessoas ao lado. Trabalhamos isto no livro, a ideia das pessoas estarem desenvolvendo sua própria vida perante um grupo.
Randolfo – No livro colocamos isto de uma maneira muito forte. Procuramos reforçar aquela maior característica da educação, que é a transversalidade, ou seja, em qualquer assunto que se fale ou em que se atue, é preciso ter uma essência voltada para a educação. Falamos de valores, dos valores da organização, dos valores das pessoas, do alinhamento desses valores. Falamos também na diferença entre treinamento e educação. O treinamento meramente desenvolve habilidades e a educação desenvolve hábitos...
Mônica – ... competências.
Randolfo – Então, o que acontece? Com a educação atrelada aos valores das empresas, das pessoas, promove-se o desenvolvimento de hábitos. E acho que é aí que o indivíduo se sente parte do processo, nesse momento de liberdade em que ele pode criar, contribuindo para seu próprio crescimento e para o desenvolvimento da organização. A questão da educação está muito atrelada a esse conceito de liberdade.
Mônica – Temos também nos voltado para instituições de Friburgo. Nosso foco é local. As informações estão vindo de todos os jeitos, mas temos de filtrá-las para agirmos localmente. Randolfo fala sobre a formação de hábitos, e é aí que o profissional se sente parte da instituição.
AVS – Ele veste a camisa?
Mônica – Sou contra vestir a camisa, porque isto é uma imposição. É preciso que o funcionário esteja compartilhando a instituição, com comprometimento. Vestir camisa parece coisa de força: “eu quero que vocês vistam a camisa da minha instituição!” Isto é mentiroso.
Randolfo – Tornou-se um slogan, uma força de expressão. Quando se usa isto, o funcionário pode interpretar como uma mera campanha, uma mera propaganda. Se, em vez de apenas usar-se o slogan, começar a haver ações no sentido de conduzir o funcionário, aí é que se obtém o comprometimento real dele.
Outra coisa importante está nas grandes necessidades que as empresas vivem hoje. Fala-se muito no capital intelectual. Antigamente, valorizava-se uma empresa por seus ativos: máquinas, prédios, o financeiro que ela tem no banco etc. Este seria o capital estrutural da empresa. Hoje, uma empresa é também valorizada pelo seu potencial intelectual, pelo que as pessoas sabem, pelo conhecimento que elas desenvolvem dentro da empresa. E aí entra a gestão do conhecimento. As empresas não gerenciam bem isto e acabam perdendo o conhecimento, a memória. E hoje as empresas estão em um grande processo de mudança provocado pela inovação tecnológica, pelas próprias mudanças na sociedade, mudanças de hábitos dos consumidores ou de quem usa os serviços. É nesse ambiente que a empresa vive e ela precisa se atualizar, se adaptar a isso e começar a ver a questão da disciplina de forma diferente, a ver que não só o treinamento é importante, mas também o processo de educação dentro da empresa. Fala-se muito que estamos na era do conhecimento e da informação. Mas essa era está acabando, estamos entrando na era da inovação ...
Mônica – ... na era da intuição...
Randolfo – ... na era da intuição, da espiritualidade. E isto envolve uma abordagem diferente na gestão dos negócios.
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