Genérico de coronel. Expõem a fragilidade da nossa segurança? Não há explicação

segunda-feira, 08 de novembro de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Posso falar sem medo de errar, pois não há a menor explicação para que um embusteiro – não me ocorre outro nome – entre pela porta da frente no sistema de segurança do nosso Estado – tido como um dos mais perfeitos do país – e entre dando ordens na PC, na PM e em toda a cúpula. Até palestra ele fez, firmou compromissos de segurança e andou na parte mais íntima – Estado Maior e Setor de Inteligência – dos Batalhões da capital.

Sua descoberta em atuação na cúpula da Secretaria de Segurança do Rio surpreende as próprias autoridades – a mim também. E aqui vou contar outras das minhas histórias.

Vocês devem saber que sou efetivamente coronel da PM, mas verdadeiro, e não genérico. Não sei por que tempos atrás tive que ir à Secretaria de Segurança para tratar de um assunto. Meus amigos, tive que fazer crachá, e este depois de feito e pendurado no pescoço, em todas as sessões que eu ia ganhava um selo. Parecia até jegue de lavagem. Não preciso dizer que nunca mais voltei lá.

Mas voltando ao nosso tenente-coronel – para quem não sabe, com cinco estrelas, ele ainda é humilde –, ele só foi desmascarado porque, depois de algum tempo fazendo-se de esquecido, teve que apresentar a identidade para que lhe confeccionassem um crachá. Solução: apresentou uma carteira falsa de tenente-coronel do Exército, com farda e tudo. Suspeitaram e depois confirmaram a gafe, o mico, o gorila, o King-Kong.

Todo mundo tem uma explicação para o assunto, desde que tirem de mim a responsabilidade. O episódio é explicado por falhas no processo de admissão, por falhas de indicação, o que levou o secretário de Segurança a ordenar o recadastramento de todo o pessoal da secretaria. Correto. Acontece que o falsário enganou muita gente que conviveu com ele no dia a dia durante bastante tempo, tanto gente da secretaria quanto da PM e da PC e de diversos outros órgãos.

Ora, ainda que fosse realmente oficial do Exército, há que perguntar, já que foi encarregado de coordenar atividades da Subsecretaria de Planejamento e Integração Operacional (das duas polícias, e destas com outros órgãos): onde teria aprendido os princípios doutrinários da segurança pública? E as estratégias, táticas e técnicas da atividade policial (polícia ostensiva, polícia de investigação e judiciária, inteligência policial, polícia de ordem, operações especiais, choque, abordagem, etc.)?

Me pergunto e não consigo responder. Onde este genérico teria adquirido o conhecimento sobre os constrangimentos constitucionais, legais e de ordem vária, impostos à administração, à polícia e aos policiais no contato com a população? E na luta contra a delinquência de rua, nas várias modalidade do crime organizado? Este me parece ser o principal ponto a discutir.

Discute-se hoje se este cidadão tem armas acauteladas em seu poder, se usou armas e com que finalidade, quais documento tem em seu poder, deu palestras para quem, estava tratando de qual assunto específico. Vamos dizer no popular para não tentar achar mais nada: “Virou bagunça, o desmando é total.”

Os oficiais da PM – cursam academia por três anos – e os delegados de polícia – além de obrigatoriamente serem bacharéis em direito, também são cursados – levam anos para se prepararem e, em princípio, se especializarem nesses misteres. Ocorre que o falso coronel nem pelo Exército passou, também não precisaria ter passado, de vez que a missão da Força Terrestre é outra, e suas estratégias, táticas, técnicas, armamento, equipamentos e valores também são outros.

Jorge da Silva – coronel PM e estudioso do assunto –, em seu blog, faz e responde a seguinte pergunta: “Como os verdadeiros profissionais de polícia e de segurança pública, da PC e da PM (e da PF), não notaram que se tratava de um farsante, tendo inclusive participado de palestras proferidas por ele sobre o serviço policial? Basta imaginar um falso médico (alguém que jamais tenha passado perto de uma faculdade de medicina ou de área afim), reunido com médicos de verdade, dialogando com eles durante dias sobre como fazer uma operação cirúrgica e estes não notarem que se trata de um embusteiro. Pior, apreciarem-lhe as bravatas e a autoatribuída capacidade profissional, como, ao que parece, aconteceu no caso em foco.”

Continua ele: “Na verdade, estamos diante de um dilema, ou o nosso personagem é um gênio (ainda que doentio, a merecer tratamento), ou a formação superior dos profissionais da segurança pública no Brasil carece de profundo redirecionamento (a formação pode ser ótima, mas está mal direcionada).”

Sem qualquer estereótipo: uma das razões para que acreditassem que o referido cidadão era coronel é a sua “fala firme”, como saiu na mídia… Se assim for, é fácil parecer um coronel, do Exército ou da PM: é só falar firme e ter pose. E uma última pergunta: nas lides absolutamente reservadas da nossa SSP, onde residiria a diferença entre um falso coronel e um verdadeiro? Na cédula de identidade? Ora, esse não pode ser o critério para que alguém venha a ocupar cargos em área tão crítica, de tamanha responsabilidade pública, nem o fato de pertencer a essa ou aquela instituição.

É isso? Querem mais?

Celso Novaes

clpnovaes@grupo-ls.com.br

Diretor de Integração Institucional - Conseg

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