Garrafas ao mar

VALFREDO MELO e SOUZA (*)
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
por Jornal A Voz da Serra

Você já encontrou uma mensagem numa garrafa boiando na beira da praia? Cenário de navegação pirata: um pedido de socorro. Uma declaração de amor.

Encontrar um recorte no lixo de rua pode não ser um mero acaso. No mínimo, uma serendipidade. O uso desta palavra, serendipty, apareceu pela primeira vez em 1754 numa carta de Horace Walpole contando a um amigo como havia encontrado por acaso uma valiosa pintura antiga. Surgiu, conta ele, da leitura de um conto persa, Os três príncipes de Serendip: enquanto suas majestades viajavam, estavam sempre a fazer descobertas por acaso ou sagacidade, de coisas que não estavam a procurar. Entendia-se, assim, como uma situação em que descobrimos alguma coisa enquanto estamos procurando outra. Pois bem. Encontrei este fragmento (pura serendipidade) que aqui divulgo em homenagem ao confrade Innocêncio de Jesus Viegas, da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal, um dos maiores missivistas que conheço. Dele tenho dezenas de cartas arquivadas.

CARTAS QUE FALAM

Ninguém é mais solitário do que aquele que

nunca recebeu uma carta.(Elias Canetti)

A proliferação do e-mail, ou correio-eletrônico, contribuiu para o fato de muitas pessoas terem abandonado a arte de escrever cartas (e, portanto, recebê-las). Hoje em dia é considerado um atraso de vida pegar uma folha de papel e começar a escrever com uma caneta, caprichosamente, o que lhe dita a inspiração. Não bastasse, ainda por cima é necessário um envelope, comprar selos e achar uma caixa de correios. Que grande perda de tempo!

E, no entanto, esse é um ritual cheio de beleza. Quando recebemos uma carta, recebemos muito mais do que palavras. O envelope e o papel falam da pessoa: têm uma determinada textura e cor, talvez tragam um pouco de seu perfume. A escrita revela o estado de ânimo de seu autor e pode vir acompanhada de desenhos ou de uma folha outonal. Quem sabe a folha não caiu no colo da pessoa e isso a faz se lembrar de você?

A mais simples das cartas tem algo de reflexão e poesia. É, ao mesmo tempo, mensagem e mensageira. Percorreu uma longa viagem até chegar às suas mãos e tem muito que contar.

Sente-se em um café ou na sala de sua casa e escreva a alguém de quem não tem notícias. Conte-lhe como está, quais seus projetos ou lhe pergunte a opinião sobre algo que esteja inquietando você. Seus pensamentos começarão um vôo suave. Não há peso mais agradável que o de uma carta no bolso.

(*) Jornalista e escritor, da Academia Maçônica de Letras/ Brasília

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
TAGS:
Publicidade