Na primavera do ano de 1966, uma ave – com longas e generosas asas – trouxe para Nova Friburgo uma semente que germinou, cresceu, deu flores e frutos. Suas raízes se fixaram no solo, fortemente, solidificando-a. A ave em questão – um jaburu – nunca deixou de regá-la. Mas teve inteligência e sensibilidade de não guardá-la, protegê-la ao excesso. Deixou que seus galhos se expandissem livremente, que outras aves desfrutassem de seus frutos.
Já se vão 47 anos que esta árvore – como um forte carvalho, árvore do supremo deus grego Zeus – espalha sementes por aí. Suas flores e frutos não são de uma espécie única; têm a liberdade para criar suas próprias cores, aromas e sabores.
A ave continua ali, com a mesma alma inquieta de quase cinco décadas atrás, independente, lúcida e criativa.
Ao Gama – Grupo de Arte, Movimento e Ação – e ao seu criador, Júlio Cezar Seabra Cavalcanti, o "Jaburu”, o Light dedica esta edição.
O Gama tatuado no corpo
Chico Figueiredo
Passeávamos eu e minha irmã Celéne pela calçada da Pizzaria Califórnia quando fui abordado por Jaburu. Homem importante de teatro, admirado e querido por muitos. Fui convidado para integrar o Gama, numa peça que estava sendo ensaiada: "O Coelhinho Sabido”, de Ney Costa. No entanto, o último personagem ainda disponível acabou nas mãos de outro ator, mas eu poderia ajudar trabalhando na contrarregragem do espetáculo. Numa dessas reviravoltas da vida, mais tarde acabei fazendo a peça como ator e estreando no Gama. Era o ano de 1981 e ali começava a minha trajetória no Grupo de Arte Movimento e Ação. Estive presente em todas as produções desde então, mesmo quando fui para o Rio cursar teatro, onde acabei atuando em outras produções sob o comando de diretores diversos. No Gama estive e estou em várias funções: ator, figurinista, maquiador, aderecista, contrarregra, bilheteiro, cenográfo, montador, carregador, cozinheiro e muitas outras funções, como a atual, presidente. E lá se vão 32 anos! Tenho o Gama tatuado no meu corpo e o Jaburu no meu coração. Obrigado, Jaburu, por me deixar fazer parte da sua vida e a do Gama! (Chico Figueiredo é presidente do Gama)
A vida, segundo Jaburu
Nascido em Viçosa, Minas Gerais, Júlio Cezar Seabra Cavalcanti chegou a Nova Friburgo em 1956, em consequência da vinda do pai para chefiar a então Estação Leopoldina. Inquieto, este vascaíno chegou a ser goleiro no Atlético Mineiro, em Belo Horizonte, e jogou na mesma posição durante três anos, no Friburgo. Também participou do time de basquete da Sociedade Esportiva Friburguense. Mas não foi no esporte que Júlio Cezar marcaria seu nome na cidade. Ele foi o idealizador e um dos fundadores do Grupo de Arte, Movimento e Ação, o Gama, que está completando 47 anos de atividades ininterruptas. Coisa rara num país com tão poucos incentivos na área cultural. Com o Gama, ele deixou de ser o "Júlio Cezar”, passando a ser conhecido por seu apelido "Jaburu”, que, diga-se de passagem, é uma ave pernalta, símbolo do Pantanal, que chega a ter quase um metro e meio de comprimento e cerca de três metros de envergadura, ou seja, quando se mede a distância de ponta a ponta das asas abertas. Como Júlio Cezar, bancário aposentado, que consegue abraçar as várias vertentes da cultura da nossa cidade.
Light - Você é mineiro, mas teu trabalho demonstra um grande amor por Nova Friburgo...
Jaburu - Quando cheguei pela primeira vez em Friburgo fiquei encantado, abobado. Disse para mim mesmo: vou viver aqui. Friburgo é meu norte, minha cruz, minha vida. Mas minha raiz mineira é muito forte, meus fantasmas estão em Viçosa. Não deixo de ir lá me reciclar. Mas me exponho onde estiver, não me interessa a busca do tempo perdido.
Como a arte entrou na sua vida?
Viçosa é um grande polo da educação. Tive ótimos professores até o ginásio e o 1º científico. Depois mudei para Araguari (também em Minas). Estudei numa escola de padres holandeses, muito voltados para a arte e a cultura. Depois fiz alguns cursos em Belo Horizonte, de cinema, literatura, artes. Quando cheguei a Friburgo, o município tinha uns 50 a 60 mil habitantes. Também tinha bons colégios. Além disso, tem os colonizadores, que enriqueceram muito a cidade. Por isso acho fundamental preservarmos a memória, porque tudo parte da raiz de cada indivíduo.
E o Gama, como surgiu?
O Jorge Saade fundou o Teca, Teatro Experimental do Centro de Arte. Ali foi o meu começo no teatro. Ele e o Mario Castillo, da Fundação Getúlio Vargas, foram o expoente do teatro em Friburgo, porque tinham um trabalho contínuo. Depois fundei o grupo da AABB (Associação Atlética Banco do Brasil). Em 1964, começamos a incomodar. Acabamos, então, fundando outro grupo, com o nome da letra grega que simboliza a força: Gama. Passamos a fazer um trabalho mais politizado e para o social também. Nossa primeira peça levou o nome de um livro do Thiago de Mello, "Faz escuro, mas eu canto”. E aí vieram outras montagens e começamos a ganhar prêmios, reconhecimento, inclusive da mídia do Rio de Janeiro. Eu, o (Augusto) Muros, Paulo Carvalho, Carlos Guimarães, José Carlos Marins, June Mastrangelo, João Motta, Hugo Fontoura... Veio "Tiradentes Brasil Opus 72”, "Andorra”, "Um Grito Parado no Ar”, que foi muito elogiado por pessoas como o Armindo Blanco, do Pasquim. "Fernando em Pessoas”, "Liberdade, Liberdade”... A lista é muito grande.
E o Troféu Paschoal Carlos Magno?
O Gama foi considerado o melhor grupo de teatro durante três anos consecutivos, recebendo o prêmio Governo do Estado do Rio de Janeiro. Isso nos deu o direito a receber esse troféu. Na solenidade de entrega do prêmio do Governo, em 1978, aconteceu um fato interessante. A cerimônia foi apresentada pelo casal de atores Paulo José e Dina Sfat, no Teatro Municipal do Rio. O único momento em que o protocolo foi quebrado aconteceu quando Dina Sfat veio nos abraçar e parabenizar, diante de uma plateia lotada. Foi inesquecível.
Mas o Gama não é só teatro...
Não! Nós nos metemos em tudo (risos). Já participamos da realização e organização de feiras de artes em Friburgo, trouxemos mais de 50 montagens de grupos de outros municípios e também artistas consagrados, como Rubens Correa, Tarcísio o Glória, Marieta Severo, Antônio Nóbrega,que fez um enorme sucesso aqui, Grupo Galpão, Rubens de Falco, Ballet Stagium, Paulo Goulart e Nicete Bruno, e muitos outros. O Gama criou o Circo Azul, no Suspiro, onde Zizi Possi e Oswaldo Montenegro se apresentaram. Lançamos cinco livros, CDs de poesia, realizamos exposições de artes plásticas e shows com artistas locais. Criamos os concursos "Um poema para Nova Friburgo” e "Um poema para o teatro”, ambos de nível nacional; a gincana "Alberto da Veiga Guignard”, o festival VAT 70 - Verão, Arte e Turismo – que englobava música, teatro, dança, palestras e artes plásticas. Mais recentemente, idealizamos e produzimos monumentos em homenagem a figuras e momentos importantes de Nova Friburgo. Penso o seguinte: nada possui quem guarda o que tem. Essa é a nossa viagem, dessa forma e com esse pensamento vamos fazendo as coisas, com humildade, mas procurando sempre fazer o melhor.
Quais os próximos passos?
Agora, em novembro ou dezembro, vamos lançar o livro "Descompasso”, de Irapuan Guimarães. Outro projeto é criar o Memorial Gama, cuja ideia central é "Cultivando a história e perpetuando a memória”. Queremos criá-lo para que as pessoas daqui e de fora conheçam a nossa história, nossos personagens. As novas gerações precisam conhecer essa história, que são de tantos, de gente que passou, de gente que ainda está por aí, e que não deixa o Gama desaparecer. Professores deveriam levar seus alunos para conhecer os monumentos, as atividades que promovemos. Já pensou, essa criançada toda ir ao Memorial? Vai encontrar tanta vida, tanta vibração boa. Vai ser ótimo!
Diretoria do Gama
Idealizador e fundador: Jaburu
Presidente: Chico Figueiredo
VP Literatura: Irapuan Guimarães
VP Pedagogia: Salete Lamego
VP Música: Teleco Ventura
VP Artes: Juran Santos
VP Fotografia: Osmar Castro
VP Artes Plásticas: Zeppe
VP Teatro Infantil: Cil Correa
VP Teatro: Paulo Carvalho
VP Canto: Lanúzia Pimentel
VP Projetos Especiais: Wilton Neves (Filé)
VP Assuntos Afrodescendentes: José Tadeu
Contador: Antonio Fernando de Oliveira
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