"Em julho, Petrópolis recebeu o título de capital estadual da cerveja, aliás, merecidamente, porque foi lá que surgiu a primeira cervejaria do Brasil - a Bohemia, na metade do século 19. O que muita gente não sabe é que Nova Friburgo, uns 25 ou 30 anos depois, criou a sua primeira cervejaria. Seguindo nessa linha do tempo, temos uma história cervejeira que remonta a cerca de 150 anos, com a produção da cerveja Friburgo Braun, que depois passou a se chamar Beauclair”, conta o empresário, consultor e co-fundador da Associação da Indústria Cervejeira de Nova Friburgo e Região, Sergio Paiva.
Já em meados do século 20, por volta de 1950 até 1980, tivemos a cervejaria Mury, instalada às margens da RJ-116, bem no centro daquele distrito. Passado um tempo, o empresário Jorge Bräuninger - proprietário do restaurante alemão Bräun&Braün - lançou a cerveja da casa quando ainda não havia por aqui uma produção local. “Na época, poucos restaurantes no Brasil tinham uma carta com 200 tipos de cervejas, como o Braün&Bräun, que na época se tornou referência no país”, ressalta.
Artesanal, especial, caseira, paneleira, são várias as formas como esse tipo de cerveja é denominada, segundo Sergio, acrescentando que, no final das contas, o que temos são cervejas especiais, produzidas em pequena escala, com todo cuidado e dedicação. “Não importa o tamanho da empresa nem o tipo, a produção é industrial, o processo é exatamente o mesmo. Só o que muda é a quantidade”.
O processo para produzir uma cerveja começa pelo malte de cevada - um produto derivado da cevada plantada no campo, que vai ser moído e cozido. Depois se extrai tudo o que o malte tem de bom, como açúcares, proteínas e enzimas. “Depois de filtrado, separa-se o caldo desta fervura, chamado de mostro primário, que será fervido já acrescido de lúpulo, do qual vem o aroma e o amargor. As transformações prosseguem: são adicionadas as leveduras - responsáveis pela fermentação, seres vivos que vão consumir os açúcares, os elementos que estão naquela “sopa doce”. Transformado em álcool e CO2 (gás carbônico), chegamos ao teor alcoólico do produto final, que é o mostro cervejeiro - a cerveja”, explica Sérgio.
Curtição que pode virar profissão
Quando se fala em cervejas especiais, estamos falando de uma cerveja elaborada para atingir determinadas cores, aromas, sabores, teores alcoólicos. A produção desse tipo de cerveja vem se expandindo desde os anos 1990 e, de forma mais substancial, a partir dos anos 2000. E mais ainda nos últimos 10 anos. “As pessoas começam curtindo como um hobby. Com o tempo vai tomando gosto pela função, se envolvendo à medida que vai dominando o processo. É quando começa a conhecer de fato o que é e como se produz cerveja”.
O sujeito que curte fazer cerveja em casa acaba chamando os amigos para beber junto e, de palpite em palpite, vai melhorando uma coisa aqui, outra ali, e aí, de repente, está se sentindo o próprio cervejeiro. Entre umas e outras rodadas de degustação, acontece de acertar em cheio todos os elementos, recebe elogios e o produto mostra potencial comercial. O que começou como uma curtição se transforma em compromisso, sem perder, muito pelo contrário, o prazer de ser um cervejeiro, só que agora profissionalmente. Geralmente é assim que acontece.
“Dessa leva surgiram as marcas Barão, Rock Valley (que não existe mais), Ranz e Buzzi, que foram as precursoras dessa nova fase da cervejaria em Friburgo e região. Esse não é um movimento isolado, restrito a esta região. Isso está acontecendo em todo o Brasil e deu origem ao termo ‘cervejaria independente’, que são essas pequenas cervejarias, com marcas próprias. E não querem participar dos grandes conglomerados cervejeiros, que dominam quase 100% do mercado”, explicou.
Sérgio acredita que está na hora de mostrar para o resto do Brasil que há aqui uma importante região produtora de cerveja. “Nós já temos 25 marcas (registro de CNPJs) das quais 16 estão operando. Cada marca tem vários rótulos, que significa tipos, estilos diferentes, embora sob a mesma chancela. Acho que a Buzzi, por exemplo, tem uns oito tipos, assim como outras também têm, além de ramificações. Das pequenas cervejarias independentes, há dois tipos: as que têm fábricas próprias e as que alugam espaços para produzirem suas marcas, conhecidas como cervejarias ciganas”, explicou, ressaltando as facilidades para se investir e acreditar no sucesso desse tipo de empreendimento.
Com a criação da Associação da Indústria Cervejeira de Nova Friburgo e Região, e aprovação pela Câmara Municipal da lei de incentivo às microcervejarias artesanais, em 2015, Sergio Paiva está otimista em relação à expansão deste mercado no município e demais regiões vizinhas, com excelentes perspectivas para a economia local. “Chegou a hora de unir forças, os produtores, o poder público e as secretarias municipais afins para consolidar um novo polo que tem tudo para dar certo”, enfatizou.
As microcervejarias artesanais de Nova Friburgo
Consta que a produção de cerveja em Nova Friburgo teria sido iniciada há mais de 150 anos, mais precisamente em 1861, com o alemão Pedro Gerhardt que solicitou à Câmara Municipal da Vila de Nova Friburgo licença para abertura de uma fábrica de cerveja. Desconhecemos o desdobramento do fato. O que se tem como certo é que Albano Beauclair foi o primeiro cervejeiro, com a fabricação da ‘Friburgo Brau’”. A informação está no blog da historiadora e professora Janaína Botelho.
Beauclair tinha o diploma de mestre cervejeiro conferido pela Escola de Cervejaria de Worms, na Alemanha, e em 1893 instalou em Nova Friburgo a Cervejaria Beauclair. “Situava-se à margem do Rio Santo Antônio, na Rua Mac-Niven. Em 1907, Beauclair arrendou a fábrica a Bernardo Dias e o novo proprietário mudou o nome para Fábrica de Cerveja Germânia”, descobriu a professora.
“Outra cerveja produzida em Nova Friburgo no final do século XIX foi a 'Cerveja Suspiro’, de propriedade de Gonçalves & Bastos, fabricada até os anos 40. No bairro de Mury, com forte concentração de alemães, existiu igualmente uma fábrica de cerveja artesanal que levava o nome do bairro. Há referência de que o alemão Ernst Kappel, executivo da fábrica Rendas Arp, instalou uma cervejaria na segunda década daquele século”.
Entre um e outro empreendimento, marcas surgiram e desapareceram. Por volta dos anos 80 e 90, e principalmente com a chegada do século 21, o mercado de cervejas especiais vem se consolidando e expandindo. Admiradores e empreendedores imbuídos da herança suíço-alemã, estão cada vez mais empenhados na produção de cervejas de altíssima qualidade.
A cerveja Bräun&Bräun, por exemplo, surgiu por iniciativa do empresário Jorge Bräuninger - dono do restaurante de mesmo nome -, em 2009, despertando o interesse de novos empreendedores. Do tipo pilsen, categoria premium e com processo de produção totalmente artesanal, a Bräun&Bräun se destaca pela tonalidade dourada e suave, e mantém as rígidas normas de pureza da região alemã da Baviera com a água cristalina de Nova Friburgo, cevada e malte.
A Cervejaria Buzzi vem crescendo sem abrir mão da qualidade, desde o seu lançamento, em 2010 . “Crescer é sempre um dilema para o cervejeiro. Quem começou a produzir “na panela”, como a grande maioria dos que hoje atuam no mercado, tem sempre um desafio. E sabendo que a produção em escala muito pequena encarece o produto e inviabiliza o negócio, se vê diante de uma encruzilhada: crescer ou manter a qualidade”, ressalta um dos sócios, o cervejeiro Giovani Buzzi.
Com equipamentos de última geração, e quadruplicando sua capacidade de produção, a Buzzi, localizada em Santa Maria Madalena, se destaca como a líder de mercado da região. Sua legião de fãs vem crescendo na mesma proporção do aumento da produção, o que faz prova inequívoca de que é possível crescer sem abrir mão do padrão de excelência.
Segundo Giovani, o segredo é a fidelidade na execução das suas receitas e ao extremo rigor na higiene e no controle sanitário no processo produtivo. Tudo isso, somado à água cristalina que nasce na própria fazenda onde a fábrica se localiza e acrescida de ingredientes de primeiríssima qualidade, tem como resultado o precioso líquido, com o charme e o sabor daquele que saía das panelas caseiras há sete anos.
A Buzzi produz nove estilos diferentes, desde os mais leves como o Chopp Pilsen (exclusivo em barril) até os bem extremos como a Dolores, uma American Amber Ale, temperada com pimenta, que homenageia sua mais famosa conterrânea, a atriz Dercy Gonçalves, que nasceu “Dolores Costa”. A cervejaria tem também uma exclusividade, a Rumbier, a primeira com alto teor alcoólico (9%), com melado de cana, registrada no Brasil.
Com o crescimento do setor, o empresário Paulo Cezar Rodrigues, presidente do Sindicato das Indústrias de Alimentação de Nova Friburgo (Sindanf) tem promovido cursos de iniciação para capacitar cervejeiros e interessados em conhecimentos básicos, teóricos e práticos relativos à fabricação de cerveja, desde a matéria prima até as etapas finais do processo de produção.
A expansão do setor cervejeiro tem apresentado novidades no mercado, com uma frequência que chama a atenção dos consumidores. Friburgo se destacado com marcas já consolidadas, outras prontas para entrar no mercado e algumas em estágio inicial. Entre as mais conhecidas, temos a VegBier, W-Kattz, Dual Bier.
A Born2Brew, por exemplo, é produzida dentro do bar onde é vendida – o Ipa Route, em Mury. De lá saem cerca de 3 mil litros por mês, e uma parte dessa produção é enviada para bares do Rio de Janeiro. O empresário e dono da marca, Daniel Rocha, está há 10 anos no mercado e oferece um cardápio com várias opções.
Já a microcervejaria Barão Bier surgiu há nove anos, com o objetivo de produzir e difundir o consumo de cervejas artesanais na região. Seu nome homenageia o Barão de Nova Friburgo. E a Ranz Bier, do distrito de Lumiar, é batizada com a abreviação do sobrenome do seu proprietário, Gustavo Ranzatto.
Curso de aperfeiçoamento qualifica produtor local
Iniciado no mês passado, um curso de iniciação está capacitando cervejeiros e interessados em conhecimentos básicos, teóricos e práticos relativos à fabricação de cerveja, desde a matéria prima até as etapas finais do processo de produção.
O crescimento do setor incluiu novas cervejas no mercado e os consumidores estão com o paladar cada vez mais apurado. “Com o nível de exigência crescente, resolvemos reunir um grupo e trazer o curso para elevar o conhecimento em tecnologia e produção do profissional interessado nesse ramo”, explicou o empresário Paulo Cezar Rodrigues, presidente do Sindicato das Indústrias de Alimentação de Nova Friburgo (Sindanf), entidade que protagoniza ações junto ao Sistema Firjan, agora também para o desenvolvimento do setor cervejeiro. O presidente enfatiza a importância de filiação ao sindicato, pois a união fortalece o setor e possibilita a execução da proposta principal, que é promover capacitação, negócios, inovação e assim fazer o produtor ganhar cada vez mais destaque.
O curso de Tecnologia Cervejeira realizado pelo Senai tem carga horária de 80h e aborda a variedade de matérias primas, brassagem, filtração, limpeza e sanitização, embarilamento, estabilidade e outras práticas. A ideia é fornecer capacitação necessária para a produção e asseguração da qualidade em escala artesanal ou industrial.
Quem quiser conhecer melhor o trabalho e registrar interesse em novas turmas, basta ligar para o telefone (22) 2524-1601.
Caravanas facilitam acesso ao conhecimento
No último fim semana, mais de 20 cervejeiros embarcaram em uma caravana organizada pelo Sindicato das Indústrias de Alimentação de Nova Friburgo (Sindanf) em direção a Brasil Brau – Feira Internacional de Tecnologia em Cerveja. Lá, conferiram as novidades apresentadas pelos expositores de equipamentos, insumos e acessórios do segmento, além de provar os lançamentos das microcervejarias que participaram do Degusta Beer.
Já no Congresso Brasileiro de Ciência e Tecnologia Cervejeira, que reuniu profissionais de renome, houve apresentação de palestras e mesas redondas sobre novas técnicas e soluções para diversas aplicações do processo produtivo.
Caravanas organizadas com destino a eventos do universo de alimentos e bebidas já são comuns em Nova Friburgo e região, e agora a proposta é colocar essa ferramenta cada vez mais à disposição do cervejeiro. “Com o crescimento do número de empreendedores, cresce proporcionalmente a nossa possibilidade de ação. O que facilita a vinda de cursos, organização de viagens e até encontros de negócios entre empresários do setor”, ressalta Paulo Cezar Rodrigues.
As origens da cerveja e sua trajetória até os os dias de hoje
O homem antigo descobriu, por acaso, há cerca de 10 mil anos, o processo de fermentação, o que propiciou a produção das primeiras bebidas alcoólicas, em pequena escala.
Mais tarde, a cerveja passou a ser produzida inicialmente pelos padeiros, devido à natureza dos ingredientes que utilizavam: leveduras e grãos de cereais. A cevada era deixada de molho até germinar e, depois, moída grosseiramente e formatada como bolos aos quais se adicionava a levedura. Os bolos, depois de parcialmente assados eram desmanchados, colocados em jarras com água e postos para fermentar.
Há evidências de que a prática da cervejaria originou-se na região da Mesopotâmia onde a cevada cresce em estado selvagem. Os primeiros registros de fabricação de cerveja têm aproximadamente 6 mil anos e remetem aos sumérios, povo mesopotâmico.
A primeira cerveja produzida foi, provavelmente, resultado de um acaso. Documentos históricos mostram que em 2100 a.C. os sumérios ficavam “alegrinhos” além da conta após ingerir uma bebida fermentada, obtida de cereais. Na Suméria, cerca de 40% da produção dos cereais destinavam-se às cervejarias chamadas "casas de cerveja", mantida por mulheres.
Em seguida, os egípcios aprenderam a arte de fabricar cerveja e seguiram a tradição no milênio seguinte, acrescentando o líquido à sua dieta diária. A bebida era então escura, forte e, muitas vezes substituía a água, sujeita a todos os tipos de contaminação, causando doenças à população. Mas a base do produto, a cevada fermentada, era a mesma.
A expansão definitiva da cerveja se deu com o Império Romano, que se encarregou de levá-la para todos os cantos onde ainda não era conhecida. Júlio César era um grande admirador da bebida e a ele é também atribuída a introdução da cerveja entre os britânicos. Foi através dos romanos que a cerveja chegou à Gália, hoje a França.
Foi quando a bebida ganhou, definitivamente, o nome latino pelo qual a conhecemos, hoje. Os gauleses denominavam essa bebida de cevada fermentada de “cerevisia” ou “cervisia” em homenagem a Ceres, deusa da agricultura e da fertilidade.
Com a posterior invenção de instrumentos científicos (termômetros e outros), bem como o aperfeiçoamento de novas técnicas de produção, o que bebemos hoje é uma agregação de todas as descobertas que possibilitaram o aprimoramento deste apreciado líquido.
Nos dias atuais...
Hoje, a cerveja está presente em todos os países, com exceção de alguns poucos, por questões religiosas. É a bebida preferida do brasileiro, que dispõe de uma variadíssima carta de rótulos em todo o país. Do litoral aos mais longínquos recantos do Brasil, tudo é motivo para um convite do tipo “vamos tomar uma cervejinha?” Seja num restaurante requintado ou num boteco de beira de estrada. Ela está sempre presente.
Na região serrana do Rio de Janeiro também, em Nova Friburgo, sem dúvida! E não poderia ser diferente, principalmente levando em conta a forte presença alemã na construção de sua história, tido como o povo que inventou a cerveja tal como a conhecemos hoje.
Desde o século 19, inúmeras iniciativas foram constatadas por aqui, e nas últimas décadas vem se firmando como um importante polo de cervejas artesanais. O município concentra um promissor número de microcervejeiros, o que estimula a economia local e o turismo, e ajuda a divulgar as empresas da região.
Lei de incentivo às microcervejarias artesanais
Em 31 de agosto de 2015, a Câmara Municipal de Nova Friburgo aprovou o projeto de lei 1.209/15, do Executivo, sobre incentivo às microcervejarias artesanais. Desde então, as microcervejarias passaram a ter tratamento tributário diferenciado por cinco anos, pela instalação ou legalização destas empresas no município. As microcervejarias legalizadas têm 100% de desconto no IPTU e na taxa de emissão do alvará. Essas empresas foram incluídas, de acordo com o licenciamento ambiental vigente, no campo de baixo impacto. Áreas públicas para a comercialização de cervejas e chopes são disponibilizadas, ficando garantida a participação em eventos de grande porte que sejam promovidos ou patrocinados pela Prefeitura. Como forma de fomentar o setor está prevista no projeto a criação da “Festa da Cerveja Artesanal de Nova Friburgo”.
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