Flinf mostra sua importância para o desenvolvimento local da cultura

A Festa Literária de Nova Friburgo segundo seus realizadores
terça-feira, 25 de outubro de 2016
por Ana Borges
Fernanda Macedo, Thiago Mello e Marcia Lobosco (Foto: Henrique Pinheiro)
Fernanda Macedo, Thiago Mello e Marcia Lobosco (Foto: Henrique Pinheiro)

No sábado, 15, dia seguinte à abertura da I Festa Literária de Nova Friburgo (Flinf), Thiago Mello, um dos curadores do evento, acordou e rezou, pedindo ao “papai do céu” que botasse gente nas salas, mesmo que fossem poucas, porque aí podia justificar a suposta pequena presença pelo fato de ser a primeira edição. “Por favor, ajuda a gente aí, viu?”, e fez o sinal da cruz. Deus não só atendeu o seu pedido como exagerou na dose. “Tudo funcionou perfeitamente, as salas lotaram, foi um sucesso. Ninguém teve problema, nenhum equipamento pifou, nenhum convidado passou mal, correu tudo às maravilhas”, completou, Thiago, rindo da tal manhã em que rezou e do alívio que sentiu ao fim do evento, depois do “caos interno que me assolava naquele dia”. 

Quer dizer, a Flinf, cuja programação, dividida entre sábado e domingo, se espalhou por diversos espaços, entre teatros, entidades, fundações, shoppings e praças, e atraiu uma multidão. E foi cantada em prosa e verso, falada, descrita e elogiada por quantos dela participaram. Nova Friburgo aderiu em peso ao evento, prestigiou e sentiu orgulho de sua cidade. Depois de muito tempo, viu sua autoestima resgatada.

Passada uma semana da produção vitoriosa, o trio da Conectivos Curadoria — Fernanda Macedo, Thiago Mello e Marcia Lobosco —, responsável pela realização da Flinf, finalmente relaxou. E só então, depois de uma avaliação abrangente de todo o evento, com coleta de dados e troca de informações, o grau de satisfação estava estampado no rosto de todos, realizadores e público.

Entre uma pequena falha aqui e outra ali, o saldo é, sem nenhuma dúvida, positivo. Para a professora Márcia Lobosco, a primeira impressão que ficou, entre tantas outras, foi o poder da cultura de unir pessoas. “A Flinf proporcionou uma infinidade de possibilidades para um público heterogêneo e que ainda não tinha tido a chance de vivenciar algo parecido em nossa cidade. Abrir as mentes para novos conhecimentos, novas ideias, novos olhares, novos focos. Toda essa efervescência me fez lembrar, por exemplo, da primeira vez que fui ao cinema, aos 12 anos. Foi um deslumbramento e foi isso que vi acontecer aqui, nessa festa, com crianças, adolescentes e adultos. Por exemplo, me tocou o comentário de uma senhora que nunca havia entrado na Academia (Friburguense de Letras) e agradeceu pela oportunidade de participar de um evento literário naquele lugar, “que sempre quis conhecer, mas me sentia intimidada”. Tudo isso é muito revelador”, contou Márcia.  

Uma legião de anfitriões 

Segundo eles, o evento foi pensado, inicialmente, para ser uma “festa do encontro”, reunir pessoas interessadas em literatura, livros, em participar de conversas sobre escrita e leitura. Algo inspirado na Flip, sim, mas sem aquela expectativa de algo grandioso, com tantos convidados e presença de grandes escritores.

Os curadores queriam propiciar encontros e, naturalmente, homenagear um autor brasileiro, nacional e internacionalmente consagrado. No caso, não poderia ser outra pessoa que não Zuenir Ventura, um grande escritor, e melhor ainda, com raízes familiares na cidade. Conseguiram tudo isso e muito mais. A primeira Flinf foi um festão que tomou conta de diversos espaços fechados e abertos do centro da cidade. 

“Superou todas as nossas expectativas, com uma cobertura bem abrangente de temas”, revelou Fernanda, listando a variedade de mesas formadas para falar de: mercado editorial, tradução, formação de leitores, letra e música, poesia e crônica, literatura no cinema, política e literatura, debate da cena teatral com memórias de Machado, meios de comunicação, sarau, trovas, oficinas, contação de histórias, e atividades ao ar livre.

“Vi muitas pessoas saírem daqui com novos projetos, parcerias encaminhadas, contatos estabelecidos. Interessante também observar o número de pessoas que moram no Rio, são amigos mas não conseguem se encontrar lá. Se encontraram aqui”, contou Fernanda, que é jornalista e trabalhou durante anos em editorias de cultura e literatura, conhece a Flip e atuou na Bienal do Rio.

“Não conheço nenhuma feira de livros no Brasil onde as pessoas tenham se oferecido para trabalhar como voluntários e tenham se dedicado como verdadeiros anfitriões. O acolhimento foi geral: os convidados abriram os braços para o público e os moradores acolheram os participantes com todo carinho e respeito. Bonito ver a confraternização, os encontros, no sentido mais literal da palavra. Autores e profissionais locais e de fora se entrosaram de uma maneira muito efetiva e afetiva, demonstrando um interesse genuíno uns pelos outros. Tudo isso me emocionou”, contou Fernanda.  

A Flinf foi responsável também por algumas situações de agradável espanto, como a do jornaleiro que abriu a banca e deu de cara com o Ancelmo Gois, de O Globo. “Fatos como esses, tão corriqueiros no Rio, foi importante acontecer aqui para dessacralizar a figura de autores consagrados, de escritores e jornalistas que vemos em entrevistas na televisão, nos jornais e revistas. Eles vieram com os espíritos desarmados e dispostos ao diálogo, para conhecer os talentos da terra, os participantes e o público em geral. A população teve oportunidade de conversar com eles, com total liberdade”, emendou Fernanda.

Formação de leitores começa nas escolas

Um rapaz que trabalha com livros usados na feira montada na Praça Getúlio Vargas, contou para o Thiago que via o livro apenas como mercadoria. Disse que comprava os livros e revistas pela capa, eventualmente pelo tema, não se interessando pela literatura, em si. Admitiu que não tem o hábito da leitura. Mas, ao assistir a uma palestra da Flinf se sentiu motivado a comprar um livro, na Festa. Queria participar daquele processo, do que estava acontecendo na cidade.

“Esse episódio serve como pano de fundo para um dos propósitos dessa festa, que é atrair as pessoas para que elas tenham a chance de descobrir outros mundos. Não importa o assunto, dieta, auto-ajuda, filosofia, história, romance, o importante é fazer com que as pessoas leiam, se interessem por livros, que conversem, troquem ideias, falem umas com as outras. É preciso abrir as mentes. Recentemente saiu uma pesquisa do IBGE revelando que 44% dos brasileiros não leem. Essa constatação nos leva a pensar que é fundamental investir na formação de mediadores de leitura. O caminho para a Flinf de 2017, portanto, significa envolver as escolas, promover a adoção de livros de determinados autores, para que no próximo ano, esses alunos tenham a oportunidade de conhecer os autores dos livros que leram. E quando adultos, o ato de ler faça parte da rotina de suas vidas. A formação humana, pedagógica, através da arte, da cultura de modo geral, é inerente à própria condição do homem”, argumentou Thiago, fundador da Casa Eliza Vidal, advogado especialista em economia criativa, direito autoral e empresarial.

Ele considera que a autoestima do friburguense é baixa e que isso precisa ser trabalhado para evitar o “discurso da inviabilidade”. As pessoas, em geral, são pessimistas e justifica o não fazer com a desculpa de que “não vai dar certo, não adianta tentar”. A esse sentimento de negação ele contrapõe com o relato dos convidados, “que ficaram maravilhados com a cidade, com a receptividade do público, com o respeito e carinho recebidos nos hotéis, restaurantes, comércio, ruas. E, principalmente com o nível dos friburguenses com quem tiveram contato nas palestras, conversaram informalmente, trocaram ideias nos encontros informais. A festa serviu para nos mostrar que temos conhecimento, espaços para realizar eventos, e, principalmente, sabemos o valor da cultura para incrementar a economia e desenvolver a sociedade”, defendeu.

 

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