Carlos Emerson Junior*
Éramos três casais, todos com filhos pequenos. A década de 80 estava terminando, a inflação comendo solta e, nem me lembro mais por que, sugeri alugarmos uma casa em Nova Friburgo para passar o carnaval. De uma tacada só fugiríamos do calor do Rio, dos chatíssimos bailinhos infantis e as crianças aprenderiam como é que se mora em uma casa de verdade, com muito verde.
O imóvel era bonito, grande e mobiliado com funcionalidade e simplicidade. Tinha uma área externa fantástica, toda gramada além de um baita chuveirão, ao lado de uma árvore frondosa. O único senão é que ficava lá no simpático bairro do Debossan, na época bem vazio e longe de tudo e todos.
Botar a casa para funcionar foi moleza, bastou ligar o registro da luz, checar a caixa-d’água e acionar a bomba, fazer uma faxina e abastecer a dispensa. As crianças adorando, tudo era novo, diferente e aterrorizador, como os insetos voadores ou rastejantes que entravam à noitinha, provocando gritos de pânico de todos.
Ô povo de apartamento!
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Carioca quando viaja é um pândego. Com crianças então, sai de perto: roupinhas, roupões, fraldas, remédios, brinquedos, leite em pó, panelas, churrasqueiras, espetos, fósforos, carvão, comida, água, lençóis, fronhas, travesseiros, sogras, cachorros e papagaios são itens imprescindíveis em qualquer passeio mais longo.
Geralmente esquecemos o essencial, no nosso caso, casacos. Ah, mas quem sente frio no carnaval, em pleno mês de fevereiro? Ô pergunta besta, os moradores do Debossan, ora! Um belo dia, ou melhor, numa bela noite, todo mundo se preparando para dormir, entra um nevoeiro denso, gelado como uma alma penada. Alguém resolveu conferir o termômetro do lado de fora da casa e, bem espírito de porco, berrou:
— Gente, está fazendo onze graus!
Pronto, imediatamente todo mundo começou a tremer de frio e o pânico ameaçou tomar conta da situação. Mas vê lá se íamos entregar os pontos sem luta? Tiramos os cobertores dos armários, vestimos a criançada com todas as roupas disponíveis e tiramos da cabeça a ideia de acender a lareira, para não incendiar a casa. Aprendemos na hora que a serra não é praia!
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Mas era uma vida boa mesmo. Eu ficava o dia inteiro deitado numa cadeira de praia, no meio do jardim, torrando irresponsavelmente no sol do verão. Ia me levantar para tomar uma chuveirada quando dois bem-te-vis resolveram iniciar uma disputa territorial, bem em cima da minha cabeça. Bicadas, patadas, asadas, uma gritaria só e cada vez que eu tentava sair dali, era furiosamente atacado. Os bichos pareciam os caças alemães Stuka, da Segunda Guerra Mundial!
Corri com as crianças e nos refugiamos dentro da casa. As aves irritadíssimas continuaram voando na frente da enorme porta de vidro, vendo seu próprio reflexo e acreditando, talvez, que tinham chegado os seus reforços! Mas tudo bem, entre mortos e feridos, salvaram-se todos e as crianças perceberam que a natureza não é contemplativa.
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Na terça-feira gorda acabou a cerveja. E agora? Pegamos o carro e fomos até Mury, onde demos de cara com o mercadinho principal fechado. Puxa vida, carnaval sem cerveja? Vira daqui, pergunta ali, acabamos achando um pequeno depósito que só dispunha da para nós completamente desconhecida cerveja de Mury.
Fazer o quê? É artesanal, deve ser boa, pensamos. Compramos logo umas três caixas e voltamos. Na altura do antigo posto da Polícia Rodoviária fomos parados: pediram nossos documentos e avisaram que iam nos multar porque não estávamos usando os cintos de segurança, que antigamente somente eram obrigatórios em rodovias.
Imediatamente mostramos a placa “Perímetro Urbano”, bem ao lado do posto, mas o fiscal não quis nem saber e ameaçou multar e apreender o veículo. Meu cunhado, furioso, tirou a chave da ignição, abriu o porta-malas e tirou as caixas de cerveja, avisando que deixava o carro, mas as bebidas iam conosco!
Aí bateu uma comoção geral. A autoridade pediu desculpas, foi mal, estamos aqui de plantão desde ontem, vamos ter que dobrar o serviço no sacrifício, blá, blá, blá. Educadamente devolveu a documentação e, na maior cara de pau, perguntou se nós não nos importaríamos de “colaborar” com uma caixa de cerveja para ajudar a passar o tempo, afinal, era carnaval.
Deixamos a caixa, que remédio, ainda íamos ficar até o fim do mês e o que menos queríamos era esse tipo de confusão. Fomos festivamente liberados e rumamos lépidos para casa, sem saber que a tal da cerveja de Mury era muito ruim...
* carlosemersonjr@gmail.com
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