A enchente que devastou Nova Friburgo em janeiro de 2011, soterrou todos os negativos de uma vida inteira do fotógrafo Paulo Henrique de Carvalho. E também filmes, fotos, equipamentos - analógicos e digitais - máquinas, cartões de memória, e tudo o mais que estivesse do piso até à altura de um metro dentro de sua casa. Salvou-se apenas uma Nikon D70 que resistiu até à entrada de água na lente -, com a qual fez as imagens que estarão em cartaz a partir da quarta-feira, 4, na galeria da Usina Cultural Energisa. Naquele espaço ele realizou sua última mostra, há cerca de seis anos, dois anos depois da última exposição no Centro de Arte, fechado há 4 anos.
Ele gosta de “fuçar os lugares”, pegar caminhos desconhecidos. “Nos arredores de Friburgo está a beleza deste lugar, em suas matas, rios, animais, pessoas. É onde ainda encontro a força da natureza, harmonia e respeito entre o ser humano e o meio. O centro da cidade acabou, está feia, suja, esquisita, perdeu a identidade, pode ser qualquer lugar com qualquer nome, tanto faz. Em compensação, quanto mais a gente vai se enfiando por aí, em pequenas e perdidas comunidades, mais viajamos no tempo, ao encontro daquela atmosfera amistosa e despreocupada dos moradores de antigamente. Havia sensibilidade, educação, civilidade, baseados em modéstia sincera. Não é saudosismo, nem nostalgia, mas uma sensação de que Nova Friburgo está sendo invadida por bárbaros, o que vem acelerando sua decadência”, comentou.
Para chegar ao momento atual, Paulo Henrique passou por maus momentos depois tragédia climática de 2011. Foi duro aceitar a perda de tantos registros de uma carreira de 50 anos. Chegou a pensar que nunca mais... Desanimou, emburacou, se fechou. Depois de refazer as partes da casa atingidas pela enxurrada, foi reagindo à medida que conseguia recuperar um e outro pedaço de sua existência. Aos poucos voltou a “ver” o que seus olhos detectavam, a fotografar amigos, lugares, coisas e pessoas que encontrava em suas andanças. “Até que resolvi fazer algo e como um cantor decidi gravar o meu melhor Cd, uma coisa assim tipo the best of de toda a minha vida profissional (risos). Comecei a trabalhar nisso há pouco mais de um mês e pra minha surpresa, correu tudo bem rápido, até a escolha das molduras. Decidi usar aquelas ripas de caixotes de feira para integrar contorno e conteúdo”, explicou.
Das coisas simples do campo ao corpo de uma mulher
Segundo o fotógrafo, esta será uma mostra temática, apesar de tema nunca ter sido uma questão que o preocupasse. Em suas exposições ele misturava tudo: mulheres, paisagens, detalhes de ruas, portas, janelas, postes, fiação, carros, carroças. “Uma zona mesmo e recebia algumas críticas negativas por isso. Por mim, tudo bem, não estava nem aí. Mas, agora, por curiosidade, pra ver como a ‘crítica’ vai reagir, organizei essa exposição sob o signo da simplicidade das coisas, da vida das pessoas que vivem no campo. Elas estão lá, em seus ambientes, com suas roupas, naquelas matas, com muita água, caminhos, montanhas, festas. Tudo cercado pela atmosfera que predomina na roça, que é pura, natural e profunda”.
Esse trabalho está pronto e agora Paulo Henrique diz que sua mente anda “meio erótica”, com vontade de fotografar mulheres, ao seu modo, claro, seu aguçado olhar artístico, característica de seu trabalho. “Estou vivendo a minha maturidade e curtindo isso. Gostaria de fazer uma série de fotos sobre partes do corpo de mulher, destacando detalhes que não costumamos perceber porque se perdem no conjunto todo. Não gosto de foto de mulher pelada, simplesmente nua. Até porque esse tipo de trabalho eu nem sei fazer. Uma revista (Ele e Ela), já faz tempo, me encomendou um trabalho desse tipo, que tinha de ter bunda, peito etc, tudo bem explícito. Não deu, não é a minha praia. Não tem poesia nenhuma num trabalho desses, então não me interessa”.
Por outro lado, ele conta que tem andado pelas ruas olhando tudo: velho, mulher, criança, jovem, gestos, atitudes, acontecimentos de forma geral. Está se sentindo num momento de intenso gosto pela vida, com um “olho ainda mais fotográfico do que normalmente”. E isso tem feito Paulinho lembrar que há muita coisa aí para ser explorada. “Olhar através de uma lente nos faz enxergar coisas que não costumamos ver. São detalhes perdidos num canto, irrelevantes, inanimados. Mas quando flagramos um ângulo, uma perspectiva, tudo muda, cria vida. E isso é bem percebido através de uma foto. Ando descobrindo formas, beleza, até aqui mesmo, dentro da minha casa”, encerra o fotógrafo, apontando para a plaquinha pendurada na sua porta de entrada: “O melhor lugar do mundo é aqui”.
Deixe o seu comentário