Texto: Vinicius Gastin / Fotos: Amanda Tinoco
Vinte anos se passaram. A manhã de 1º de maio de 1994 representou o fim trágico para a carreira vitoriosa de Ayrton Senna na Fórmula 1. Um acidente na curva Tamburello, em San Marino, na Itália, tirou a vida deste que é um dos maiores ídolos brasileiros de todos os tempos. O país sofreu, chorou e se emocionou. O ponto final precoce, entretanto, torna-se apenas uma reticência para os apaixonados pelo piloto e por automobilismo.
Muitas foram as possibilidades para a corrida não acontecer. No treino de sexta-feira, Rubens Barrichelo havia batido forte, e no sábado, o austríaco Roland Ratzenberger falecera na pista. A organização, entretanto, abafou o caso para evitar o cancelamento da prova. Os treinos prosseguiram, o GP foi realizado e, logo na largada, um novo acidente provocou a morte de um espectador, atingido por um pneu. Na relargada, Senna sofreria o acidente na curva Tamburello. Era o destino escrito de forma cruel para um dos maiores nomes da história do esporte nacional. Desde então, as manhãs de domingo nunca mais foram as mesmas. E jamais serão.
Rogério Albertini expõe o acervo sobre Senna até 31 de maio no Cadima Shopping
Exposição em homenagem ao piloto
Dono de uma coleção com mais de 500 itens relacionados a Senna, Rogério Albertini, como tantos outros, faz das lembranças um trampolim para conter as saudades e se reaproximar do ídolo. "Os primeiros artigos da coleção foram jornais e revistas. Comecei em 1983, depois de um treino que o Senna fez pela Willians. Era o primeiro dele na Fórmula 1. Pude acompanhar aquele momento. Depois eu soube que ele fez uma treino na Brabham, do Piquet, então bicampeão mundial em 81 e 83”, destaca.
Para homenagear o piloto brasileiro e manter todas essas memórias vivas, o colecionador promove uma exposição no 1º piso do Cadima Shopping até o dia 31 de maio. Dentre os artigos estão miniaturas, recortes, vídeos, livros e uma réplica original do capacete de Senna. Para adquiri-lo, Rogério pagou algo em torno de R$ 3 mil, um preço recompensado pelo prazer em tê-lo na coleção. "Essa foi uma vitória. Paguei financiado no cartão e com a ajuda da minha família. Dispor de um alto valor por mês, pagando parcelado, é complicado, mas compensa. É uma réplica oficial, pintado pelo Cid Mosca, o criador do capacete original em 1979.”
O item mais difícil, entretanto, foi o ingresso do último treino do piloto, em 30 de abril de 1994, em San Marino, na Itália. Curiosamente, Senna não foi à pista naquele dia, e largou em primeiro graças ao tempo imbatível do dia anterior. Rogério conseguiu o objeto com um colecionador do Maranhão pela internet, através de troca por uma réplica do carro utilizado pela Mercedes em 1984. "Ele queria uma miniatura da minha coleção, e eu relutei em cedê-la. Mas quando ele me mostrou o ingresso em uma foto por e-mail, não pensei duas vezes. Depois, através de contatos, eu consegui uma nova miniatura como aquela.”
O acervo, bem como a paixão por Ayrton Senna, apenas cresce. O colecionador revela que está à procura de novos itens para aumentar a coleção, mesmo que com isso venha a lidar com as despesas financeiras. "São 33 itens de miniatura e faltam cinco para completar. Eles custam um dinheiro considerável, entre R$ 300 e 500. Algumas são raras e disputadíssimas na internet. Os itens das vitórias eu tenho todos, o primeiro do kart, mas gostaria de ter o restante.”
Exposição reúne vídeos, livros, recortes e alguns outros itens relacionados ao piloto
Réplica do capacete de Senna em destaque: artigo oficial foi pintado por Cid Mosca, o mesmo pintor do objeto original
Morte de Ayrton Senna completa 20 anos neste
1º de maio: saudades e lembranças do ídolo brasileiro
20 de anos de saudade
Para as gerações mais novas, é difícil dimensionar o significado da vida e da morte de Ayrton Senna
Marcio Madeira
Três títulos mundiais, 41 vitórias, 65 pole positions e 80 pódios em 161 largadas. Qualquer jovem que atualmente se interesse por corridas e se disponha a estudar as estatísticas do esporte saberá, de imediato, que Ayrton Senna foi um dos maiores pilotos de todos os tempos. A imponência dos números, no entanto, nem ao menos tangencia a importância e o significado deste nome para todos aqueles que tiveram o privilégio de acompanhar o desenrolar de sua dramática carreira.
Especialmente no Brasil, mas não apenas aqui. Os jovens de hoje em dia talvez não acreditem, mas houve uma época, na virada entre as décadas de 80 e 90, em que a juventude discutia corridas de automóveis com a mesma paixão e o mesmo entusiasmo com que hoje se discute futebol. Ou talvez mais — e não podia ser diferente. Afinal, entre a estreia de Emerson Fittipaldi, em 1970, e a morte de Senna, em 1994, o Brasil não conquistou nenhuma Copa do Mundo, mas abocanhou oito títulos mundiais na Fórmula 1, um dos esportes mais elitistas do mundo.
Através de Senna, no entanto, o Brasil teve mais que um sucessor digno da genialidade de Fittipaldi e Nelson Piquet. Fora das competições, seu carisma natural, a precisão e a sinceridade de suas declarações, a paixão com que se dedicava a seus objetivos ou lutava contra injustiças do sistema e ainda a forma como dividia suas vitórias fizeram dele um dos maiores orgulhos de uma nação e uma importante personalidade mundial. Um ícone cuja influência ia muito além do esporte que representava.
Tal história de identificação, como convém aos bons roteiros, começaria com a apresentação do personagem. No inesquecível GP de Mônaco, disputado sob intensa chuva em 1984, o jovem Ayrton Senna, fazendo apenas sua sexta corrida na Fórmula 1, viveu um pequeno trailer de alguns fatores que marcariam para sempre sua trajetória. A excelência em meio às ruas do principado mais elegante do mundo, onde ainda hoje ele é recordista de vitórias; o desempenho irrefreável em pista molhada; a rivalidade sanguínea com o francês Alain Prost; e também as interferências políticas, manifestadas, naquele dia, através de uma bandeira vermelha interrompendo a prova quando ele se preparava para superar o rival e conquistar uma vitória inacreditável.
Houve outros desempenhos excelentes naquele ano, como os pódios na Inglaterra e em Portugal, mas a relação entre piloto e fãs iria se intensificar a outro nível a bordo da linda Lotus preta e dourada, de lembranças tão caras aos fãs de Fittipaldi. Ao volante daquela máquina, Senna venceria corridas inesquecíveis, a primeira delas debaixo de um temporal no Estoril, no mesmo dia em que o Brasil chorava a morte de Tancredo Neves.
Foi também guiando pela Lotus que Senna empolgou a torcida com uma vitória de pura garra, conquistada por um bico de vantagem na Espanha em 86, e um ano mais tarde obteve a primeira de suas seis vitórias em Monte Carlo. A imagem que marcaria para sempre aquele período, no entanto, seria composta nas ruas de Detroit, um dia após a eliminação da seleção brasileira para a França na Copa do Mundo de 1986. Naquele dia, o piloto, que desde o início já trazia as cores de seu país pintadas no próprio capacete, parou o carro durante a volta de consagração e lavou a alma do Brasil ao erguer a bandeira aos olhos do mundo.
Impossível descrever com justiça o impacto daquela cena. Não apenas pela tristeza esportiva causada no dia anterior, mas sobretudo pela ressacada da ditadura, pelos efeitos da hiperinflação e pela ducha de água fria causada pela morte de Tancredo em momento tão cruel, ser brasileiro, em meados da década de 80, dificilmente seria encarado como motivo de orgulho. E então aquele garoto de família rica, que poderia morar em qualquer lugar do mundo que desejasse, vence uma corrida incrível e faz questão de levar o país consigo para o alto do pódio. Ninguém verbalizou, mas todos sentiram. Uma identificação nacional positiva, há muito esquecida, renasceu naquele instante.
A partir de então, a bandeira jamais abandonaria o ritual de cada triunfo, da mesma forma como o Tema da Vitória, composição que se eternizou como a "música do Senna” e ainda hoje embala cantos de torcidas nos estádios, capaz de emocionar a todos que tiveram suas vidas marcadas por aquela época. E seriam muitas, muitas vitórias.
A partir de 1988, com a ida para a McLaren, os fãs do mundo todo puderam ver Ayrton disputando títulos mundiais contra seu grande nêmesis, Alain Prost, dividindo a equipe que durante anos vinha sendo a casa de seu adversário. A primeira conquista viria naquele mesmo ano, de forma dramática, após uma incrível corrida de recuperação em Suzuka, no Japão. Uma visão mística ocorrida naquele dia, na volta final da corrida, tornaria Senna mais e mais religioso a partir de então.
A idolatria, a essa altura, avançava para muito além dos fãs do esporte. No início de 1989, o namoro com Xuxa, que se encontrava no auge de sua influência, apresenta Ayrton a um público totalmente novo, majoritariamente feminino. Ao fim do ano, toda essa massa sofreria com ele as injustiças cometidas pelo então presidente da Fisa, o francês Jean Marie Balestre, contra Senna e em favor de Prost. Anos mais tarde, pouco antes de falecer, o próprio Balestre iria admitir a parcialidade de suas atitudes.
E a torcida acompanhou o ídolo na volta por cima, nas emocionantes campanhas que renderam os títulos de 1990 e 1991. O povo também estava lá, em Interlagos, quando Ayrton levou um carro travado em 6ª marcha a uma vitória impossível, sob chuva, ele próprio sofrendo no cockpit com violentos espasmos musculares. E em 1993, quando, ao volante de um carro muito inferior, ele presenteou o público com sua segunda e última vitória em casa. A cena produzida naquele dia, a torcida invadindo a pista e Senna comemorando com eles, merece encerrar as lembranças do piloto em vida.
Mas a história, claro, não parou ali. Pouco antes de morrer, Ayrton vinha sentindo cada vez mais forte o desejo de organizar as doações que fazia com discrição, na forma de um Instituto. A concretização desse sonho, em meio a números muito mais impressionantes do que os que produziu em vida, não chegou a ser plenamente testemunhada pelo piloto.
Da mesma forma, Senna não teve a chance de testemunhar o terrível impacto que sua morte, transmitida ao vivo, causaria aos fãs no mundo inteiro — e no Brasil em particular. Era domingo, 1º de maio, e as imagens de torcidas rivais entoando o mesmo canto "Valeu Senna, Valeu Senna!” em estádios nos quatro cantos país, ou do cortejo que uniu o Brasil através do pranto, têm lugar de destaque entre os momentos mais tristes — e ao mesmo tempo, bonitos — na história do Brasil.
Passados vinte anos, é possível dizer aos mais jovens que Senna foi mais que um ídolo. Ele foi o tesouro e será, para sempre, a saudade compartilhada por uma geração.
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