Ex-funcionários da Ypu questionam atual administração

segunda-feira, 12 de maio de 2014
por Jornal A Voz da Serra
Ex-funcionários da Ypu questionam atual administração
Ex-funcionários da Ypu questionam atual administração

 

 

Fotos: Amanda Tinoco 

 

 

O assunto não estava previsto na pauta original, dedicada a esclarecer os detalhes da transação que pretende incorporar o imóvel da Fábrica Ypu ao patrimônio municipal. No entanto, bastou que fosse publicada a matéria embasada pelas informações fornecidas pela Associação de Funcionários para que os telefones da redação começassem a tocar de forma contínua. Do outro lado da linha, representantes do Sindicato dos Têxteis, e diversos ex-funcionários da Ypu. A procura, a rigor, foi tão intensa que uma reunião teve de ser agendada, para que os depoimentos não fossem gravados de forma repetitiva.

 

 

E foi bom que tenha sido assim, pois os discursos foram, de fato, parecidos. E igualmente fortes. Em todos os relatos, palavras de indignação, narrativas de quebra de confiança e decepção, entremeadas por acusações fortes, tais como traição, intimidação, expulsão e falta de clareza na administração dos bens, para dizer o mínimo. Ficava claro que o jornal havia tangenciado um ponto sensível a grande número de pessoas, marcado por mágoas longamente acumuladas e, acima de tudo, por um complexo painel de informações conflitantes.

 

 

"Eu procurei o jornal porque não é verdade o que eles falaram aqui”, iniciou Gilson Pereira, presidente do Sindicato dos Têxteis, enquanto apresentava a sentença proferida pelo juiz Fernando Luis Gonçalves de Moraes, cuidadosamente grifada em seus trechos decisivos. Num deles, que reproduz manifestação final do Ministério Público Federal, lê-se que "nos últimos anos, foram noticiadas condutas por parte da Presidente da Associação e seu advogado Rui Bastos Guimarães que importaram em supostos desvios de máquinas de grande porte vendidas sem contabilização, mercadorias vendidas sem nota, contabilidade paralela, fraudes a direitos trabalhistas e outras que são objeto de Inquérito Policial”. E continua afirmando que "tais indícios, inclusive, motivaram a requisição de fiscalização por parte da Receita Federal, que resultou na confirmação da sonegação fiscal, com a autuação da Associação dos Funcionários da fábrica Ypu em mais de R$ 700 mil conforme autos de infração anexados”. Ao fim de inúmeros argumentos, afirma o juiz que "este é o lamentável quadro verificado neste feito e que denota, a meu sentir, que a mudança intentada para arejar, motivar e permitir o avanço e o crescimento da Fábrica Ypu infelizmente não atingiu o objetivo almejado. Longe disso, após um período de melhora a situação acabou se deteriorando e conseguindo ficar pior do que com a antiga administração. É certo que com o passar do tempo se verificou que os atuais administradores estão cometendo tantas irregularidades ou até mais do que os primitivos, dilapidando o patrimônio que ainda existia e deixando de honrar inúmeros compromissos”.

 

 

 

 

 

 

 

O que diz o advogado da associação

 

 

A esse respeito, Rui Bastos Guimarães, advogado da associação, responde que "há dez anos a associação administra a fábrica através de liminar, e de decisão judicial. Essa sentença existe, mas ainda não transitou em julgado. Nós embargamos, e os embargos não foram acolhidos. Então nós recorremos, e por isso a administração da associação tem sustentação jurídica”. A rigor, ainda que o sindicato e os ex-funcionários ouvidos fossem unânimes ao questionar a legitimidade da atual administração, nenhum deles soube explicar por que ela continua a comandar a fábrica.

 

 

Esse, no entanto, não é o único questionamento feito pelo sindicato. "Como alguém pode assumir uma empresa cujo patrimônio foi dilapidado e cujo maquinário foi vendido? A única coisa que existe hoje lá é a seção de bordados, com cerca de setenta funcionários, que não têm observados seus direitos trabalhistas. A declaração de que são pagos R$ 30 mil por mês em ações trabalhistas é mentirosa. Não pagam. Nós nunca tivemos acesso aos contratos das empresas que alugam partes do imóvel”, continuou Gilson. Em resposta a essas alegações, Rui Guimarães apresentou à reportagem de A VOZ DA SERRA a lista das empresas que alugam espaços na Ypu, com dados da negociação. O advogado também afirmou que o cumprimento dos direitos trabalhistas é responsabilidade da administração, e garantiu que nada foi feito na administração sem a devida autorização judicial.

 

 

Entre os ex-funcionários, os questionamentos são os mesmos, embora envolvidos em cargas bem maiores de sentimentos. "No início, todos nós apoiamos a associação, até mesmo porque ela foi criada para sanar os débitos”, afirmam Claudir Medeiros e Maria Pacheco de Freitas, que trabalharam na Ypu por quase duas décadas e participaram diretamente do início da atual administração. Ambos, no entanto, afirmam que foram expulsos da entidade a partir do momento em que começaram a perceber supostas irregularidades ligadas à venda de maquinário e peças do estoque. "Começaram a desmontar as máquinas e a vender tudo, e nós não concordamos. Questionamos o prejuízo ao patrimônio da empresa, e fomos expulsos da fábrica e da associação. No meu caso, fiz um acordo segundo o qual eu deveria receber meus direitos em 16 parcelas, a partir de novembro de 2008, e nenhuma delas chegou a ser paga”, declarou Dona Maria. Já Claudir, por sua vez, afirma que deixou a entidade sob tentativas de coação, humilhações públicas e teria chegado a ser impedido de deixar o prédio no dia da rescisão. Sem fazer acordo, sua preocupação teria sido a de romper os vínculos jurídicos com algo que passou a entender como irregular.

 

 

José Luiz da Silva, que trabalhou na Ypu durante 8 anos, lembra das promessas feitas quando a associação foi estabelecida. "No início, todo dia tinha reunião, e sempre batiam na mesma tecla: assim que começássemos a trabalhar, e a fábrica estivesse a todo vapor, as 3000 pessoas que já trabalharam na fábrica seriam empregadas, e todos os demitidos seriam pagos. Nada disso aconteceu”, concluiu.

 

 

 

 

 

 

 

Pontos de questionamento

 

 

Entre os principais pontos de questionamento, Sandro Alves de Souza, também ex-funcionário, defende a necessidade de um processo de auditoria para apurar todas as contas da atual administração, desde a receita gerada pelos aluguéis até o controle do estoque. "Gostaria muito de questionar o depósito de 30 mil em aluguéis para dívidas trabalhistas. Ninguém recebe nada. E também o estoque, que Rui Guimarães avaliou em R$ 9 milhões, porque nós temos a informação de que não existe mais nada de valor, acabou tudo. Nós vimos muita coisa sendo vendida, todas as melhores peças. Também seria bom questionar a preocupação demonstrada com os funcionários, pois nós temos informações de que os funcionários que lá estão não têm fundo de garantia, não têm férias, não têm 13º e ainda estão com pagamentos atrasados. Então está se criando um clima de tensão, sobre os empregos que vão se perder, e o dinheiro que não será encaminhado aos funcionários, como se fosse possível antever tudo que a Justiça vai fazer. Nós entendemos que seria necessário um processo de auditoria para analisar todas as contas, tudo que foi vendido, e para onde está indo esse dinheiro, mas isso é muito difícil porque grande parte das pessoas envolvidas e interessadas está trabalhando em outros lugares, estão espalhadas, cada um com seus compromissos. Essas pessoas não estão unidas numa associação. O porto seguro que temos é o sindicato, mas ele está travado pela Justiça. O fato é que se esse dinheiro for depositado para as dívidas trabalhistas, ele é suficiente para atender a todos os processos e ainda sobraria dinheiro”, argumentou o ex-funcionário.

 

 

 

 

 

 

 

Afirmações contraditórias

 

 

Em meio a tantas dúvidas, o advogado da associação apresentou documentos dando conta de que o estoque da fábrica foi avaliando em R$ 39 milhões em 2003, e de que houve nova auditoria em 2009, a pedido do próprio sindicato, que não chegou a fornecer uma avaliação total. O valor de R$ 9 milhões, segundo ele, foi uma avaliação pessoal e depreciativa. "É possível que o valor atual chegue a R$ 15 milhões, embora seja impossível garantir o estado dessas peças, uma vez que o estoque está lacrado desde 2009, com quatro mil caixas dentro”, explicou.

 

 

Entre tantas afirmações contraditórias, manifestadas numa teia jurídica que se espalha por cerca de 800 processos, a única forma de obter informações precisas é através do cruzamento dos dados, e da apuração esmiuçada. É óbvio que, se a própria Justiça há tanto tempo vem tendo dificuldades para apurar responsabilidades e encontrar meios de viabilizar o pagamento de montante tão elevado e diversificado de dívidas, não será uma matéria jornalística, elaborada na correria inerente às redações, que poderá esgotar o assunto.

 

 

A quantidade de perguntas sem resposta, no entanto, representa um fato em si mesmo, chamando a atenção para que todos os poderes se unam, com a máxima urgência, a fim de garantir que tantos ex-funcionários possam receber o que lhes é de direito. Até mesmo porque, ao envolver a credibilidade do sistema em suas várias frentes, o caso da Ypu representa um problema não resolvido para toda a sociedade.

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TAGS: Fábrica Ypu | Associação | funcionários
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