Estupro: um crime sem perdão

segunda-feira, 24 de junho de 2013
por Jornal A Voz da Serra
Estupro: um crime sem perdão
Estupro: um crime sem perdão

Dalva Ventura

Assim como em todo o país, Nova Friburgo vem registrando um número crescente de estupros. As estatísticas disponíveis estão longe de revelar a quantidade exata de ocorrências. Mesmo assim, subiu mais de 100%. De janeiro a maio de 2013 foram registrados 18 casos. No mesmo período do ano passado, oito. No Estado do Rio os dados oficiais revelam a média de 17 casos de estupro por dia no Estado do Rio. A delegada Alessandra Andrade, titular da Deam, destaca, porém, que apesar de as denúncias estarem crescendo a quantidade de vítimas é muito maior, pois a maior parte reluta em apresentar queixa. "As estatísticas não revelam a realidade da situação. O número é, com certeza, muito maior”, diz. 

Marcela foi estuprada há pouco mais de um ano, mas não quis apresentar queixa à delegacia, como a maioria das vítimas deste crime bárbaro. Consegui entrevistá-la pelo telefone, para deixá-la mais segura quanto a seu anonimato. Ainda muito traumatizada em função da violência sexual que sofreu, ela relutou bastante em se abrir comigo. Só aceitou abrir seu coração depois de ser convencida por uma amiga de que seu depoimento incentivaria outras mulheres a "fazer a coisa certa”. O que ela, na época do crime, não fez. 

Marcela foi violentada na academia de ginástica onde malhava. Ela me contou que já havia percebido os olhares daquele rapaz, mas não tinha lhe dado qualquer chance de aproximação. Com 26 anos, profissão definida e namorando firme, ia para a academia só para malhar e pronto. Até que um dia, quando terminou sua série de exercícios, dirigiu-se ao banheiro, mas antes mesmo de terminar o banho ouviu alguém entrar. 

Àquela hora a academia já estava quase fechando e ela levou um tremendo susto ao sair da cabine. O tal rapaz estava completamente nu e se masturbava na maior tranquilidade. Já vestida, ela correu para a porta tentando escapar, mas não conseguiu nem chegar perto. Sentindo que não escaparia sozinha daquela situação, começou a gritar por socorro. Inútil. Imediatamente ele tapou sua boca e a dominou. 

Dali por diante foi uma cena de estupro como qualquer outra. Covarde. Violenta. Absurda. Quando tudo terminou, o estuprador saiu do banheiro sem que ninguém visse. Enquanto isso, Marcela mal conseguia se mover, sendo encontrada logo depois por uma colega da academia, que a socorreu e tentou acalmá-la. Não aceitou ir até a delegacia. Só pensava em tomar um banho e ir para casa. Lá chegando, proibiu a amiga de contar qualquer coisa para sua família. Disse apenas que estava se sentindo mal e precisava descansar. 

Passou dias seguidos quase sem dormir, tendo pesadelos e sem sair de casa sozinha. Vendo o nervosismo da filha, a mãe começou a desconfiar que algo muito sério havia acontecido. Marcela, porém, levou um bom tempo para conseguir se abrir. Uma semana depois, não parava de pensar no estuprador, sem saber como conseguiria retomar sua vida. 

Resolveu procurar seu médico e lhe contou tudo, nos mínimos detalhes. Soube, então, que deveria ter tomado um coquetel antiviral 24 horas depois para se prevenir contra a aids e outras doenças sexualmente transmissíveis. Como ela não fez isso, agora deveria esperar três meses, prazo que o vírus leva para aparecer. Outro fantasma passou a rondá-la. Além do trauma do estupro em si, a possibilidade de ter contraído aids. Nesta altura, Marcela passou a ter medo de tudo. Academia, nem pensar. Logo ela que até então não passava um dia sem malhar. O que ela mais queria era esquecer o que havia acontecido e aquele rapaz musculoso a poder de anabolizantes, com a cabeça raspada e cheio de tatuagens. 

E o namoro, como ficou? Bem, nos primeiros dias ela simplesmente escondeu tudo dele, alegando estar se sentindo mal, mas sabia que mais cedo ou mais tarde teria de lhe contar tudo. Os dois choraram muito abraçados e ele lhe garantiu que continuaria a amá-la como antes. Mesmo assim, passaram mais de dois meses sem fazer sexo. Faltava também se abrir com o pai, mas sentia medo de sua reação. 

Seis meses se passaram e o rancor, o ódio, ainda corroíam o coração de toda a família. Marcela começou a fazer terapia, que foi muito importante para ajudá-la a recuperar a segurança. Aos poucos foi retomando sua vida sexual. Mesmo assim, as primeiras vezes foram difíceis. Só voltou a ter orgasmo um ano depois. Outro tormento foi conviver com a possibilidade de ter contraído HIV. Durante todo este ano teve de repetir o exame de dois em dois meses. Até agora não se deparou com o agressor pela rua. Afirma que não sabe como vai reagir, mas teme este momento. "De qualquer forma, não vou denunciar este monstro. Não quero me ver frente a frente com ele nunca mais. Acabou”, conclui.


A denúncia é essencial 

Quando uma mulher sofre uma brutalidade dessas, a principal coisa a fazer é a que menos se faz. Recolher todas as peças de roupa e qualquer rastro do criminoso. Tomara que você nunca seja vítima de uma barbaridade dessas, mas, se for, é importante olhar bem para a fisionomia do agressor, fixando-se nos detalhes, como cicatrizes, tatuagens ou corte de cabelo, para poder descrevê-lo melhor na delegacia. Não é fácil, mas com os celulares disponíveis atualmente algumas mulheres têm conseguido até tirar fotos dos estupradores. 

O que toda vítima de estupro quer fazer é lavar seu corpo, mas o banho deve ficar para depois. O melhor a fazer é deixar de lado qualquer constrangimento e procurar logo um hospital ou a delegacia. Aqui em Nova Friburgo dispomos de uma Delegacia da Mulher, voltada exclusivamente ao atendimento de todos os tipos de violência contra a mulher, o que facilita muito as coisas. Lá as vítimas são atendidas por uma psicóloga ou uma assistente social, que as encaminham para exame de corpo de delito visando a identificação do agressor. Também devem ir a um hospital para tomar as vacinas contra aids e outras DSTs. Na Deam elas também são encaminhadas para o Centro de Referência da Mulher (Crem) e, no caso de menores, para a Casa da Criança e do Adolescente (Arca). 

Assim como Marcela, a maioria das mulheres estupradas não denuncia seus agressores. Por vergonha, pressão da família ou medo de represálias, não querem se expor ou mesmo ter que reviver aquele terrível momento. A delegada Alessandra Andrade garante, porém, que os registros de ocorrências têm crescido consideravelmente. "As mulheres estão tendo mais coragem de denunciar não só estupros como violência doméstica”, afirma. Ela acredita que isso se deve principalmente às propagandas feitas pelo governo incentivando as denúncias. Mesmo assim, admite, o número real de casos ainda é uma incógnita. "Posso garantir, porém, que é enorme”, diz. 

A delegada destaca que este crime bárbaro sempre ocorreu — e pior: principalmente no interior das residências, sendo cometido por pessoas conhecidas da vítima, como o companheiro da mãe, um tio, um vizinho ou mesmo o pai. "Este é também o crime mais difícil de denunciar, porque envolve sexo e família. Muitas mulheres até fingem não ver para continuar com seus companheiros”, diz. Ou seja, quanto mais se conhece o agressor, mais dificuldades para falar sobre o assunto.

Segundo Alessandra Andrade, a criança ou a adolescente sinalizam que algo não está bem. "Não acho difícil a mãe desconfiar, porque a criança normalmente dá sinais. Seu comportamento muda, o desempenho escolar cai, o próprio corpo vai falar”, diz. Segundo a delegada, quando as filhas chegam a falar com suas mães que estão sendo molestadas por padrastos ou mesmo por seus pais, a tendência é achar que elas estão inventando coisas, que não é bem assim. Portanto, as mães devem ficar atentas e jamais duvidar da palavra de suas filhas, alerta a delegada. 

Vale lembrar que, segundo as leis atuais, o estupro não engloba só o sexo propriamente dito, mas qualquer ato libidinoso. "Em crianças é isso que mais acontece não só dentro de casa, como na casa de amigos ou parentes”, diz. A realidade mostra, porém, que a maior parte desses crimes fica encoberta. As meninas escondem essas coisas até de si mesmas, algumas chegam a se culpar e levam esta culpa pela vida afora. A delegada conta também ser muito comum a jovem "ficar” com o namoradinho e não querer passar disso até que um belo dia o rapaz a força a chegar aos finalmente. Ou o ex-marido ou ex-companheiro que não se conformam com uma separação esperarem a mulher numa esquina, forçando-a ao sexo. 

Perguntamos à delegada o que sente quando se vê frente a frente com uma mulher estuprada. "Indignação. Revolta. Tristeza”, respondeu. "O que mais me choca é quando este crime é cometido contra menores, porque eles não têm nem força física para se defender, às vezes sequer entendem o que está acontecendo. Quando isso acontece no interior dos lares é pior ainda”, diz Alessandra, destacando a importância das mães vigiarem suas filhas dentro de casa e observar se apresentam algum comportamento diferenciado. 

Alessandra insiste na importância das mulheres denunciarem o estupro para que os homens sejam punidos e não venham a cometer o mesmo crime de novo. "Se a mulher simplesmente se separar daquele homem e mais nada, ele vai abusar de outras meninas em outros lares. Ou seja, o ciclo vai se perpetuar”, diz. 

Estes monstros precisam ser identificados e punidos. É preciso haver uma conscientização de que esta história pode ser mudada. Caso contrário, continuarão soltos por aí. O que acontece com eles? Bem, se houver flagrante, ou seja, se a denúncia for feita no dia e houver provas, o homem vai responder a um processo penal e é preso na hora. Caso contrário, abre-se um inquérito policial para investigar. "O estuprador sempre nega, mas no meu relatório já faço uma representação e peço a prisão”, diz. 

As vítimas são, em sua maioria, jovens por volta de 20 anos e adolescentes. Mas, podem acreditar, meninas de 3 ou 5 anos são estupradas todos os dias, assim como senhoras com mais de 60 anos. Tanto a delegada Alessandra Andrade como a coordenadora do Crem, a advogada Rosângela Cassano, lembram também que este crime ocorre em todas as famílias e classes sociais. 

"É um crime muito revoltante, até porque, a mulher é obrigada a fazer algo que lhe repugna e vai deixar marcas indeléveis na sua mente”, diz. Uma mulher jamais esquece um estupro. Sua vida sexual nunca mais será a mesma. "O estupro não é apenas um crime covarde, ele desfigura as relações mais íntimas com os homens”, insiste. Rosângela atende todos os dias casos como o de Marcela e outros ainda mais revoltantes. E o sentimento que mais observa em todas é o de vergonha, de desonra e culpa, enquanto os criminosos tentam passar uma imagem de pobres coitados. Alguns chegam ao desplante de afirmar que as mulheres é que provocaram. Pior: tem gente que acredita, atribuindo às roupas ou ao comportamento das mulheres o fato do homem "ter se excedido”. Dá para acreditar? 

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