Estágios pós-traumáticos e a reação friburguense

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
por Jornal A Voz da Serra

O dia 12 de janeiro de 2011 trouxe a toda a população friburguense o terrível encontro com o inimaginável. Cobertos pelo manto do espanto, as primeiras horas desse dia começaram a nos mostrar a pior realidade que pudéssemos cogitar. Todas as nossas crenças ficaram comprometidas. Segurança, paz, proteção, estabilidade.

E os cidadãos iniciaram um perigoso processo emocional, característico de pessoas que passam por grandes traumas.

Segundo Elisabeth Kübler-Ross, psiquiatra suíça autora do livro “Sobre a Morte e o Morrer”, que trata de experiências traumáticas com a morte, os sobreviventes costumam passar por cinco estágios, que são:

1º estágio: Negação (e/ou isolamento)—A pessoa desenvolve mecanismos de defesas emocionais temporários contra a dor psíquica;

2º estágio: Raiva—Não conseguindo manter a negação ou isolamento por muito tempo, pois os eventos começam a bater em sua porta chamando-a à ação, o próximo estágio é a raiva, que via de regra vem acompanhada de muito ressentimento.

3º estágio: Barganha—Percebendo que negação e raiva não resolveram sua dor emocional, passa tentar barganhar, principalmente conversando com Deus, “oferecendo” mudanças de comportamento em troca de alívio de sua dor.

4º estágio: Depressão—Negar não adiantou, a revolta não deu em nada e sua tentativa de negociação parece falhar, então a depressão pode ser o próximo estágio emocional. Quando o medo e a sensação de impotência diante do evento levam a pessoa a uma autoestima severamente baixa e sensação de nenhum poder pessoal. Imensa tristeza, nenhuma atitude, pensamentos negativos a respeito de si e do externo, muita crítica e amargura.

5º estágio: Aceitação—Esse é o estágio onde a pessoa realmente começa a ter chances de reagir, retomar seu poder pessoal e tomar atitudes positivas para melhorar sua vida e das pessoas a sua volta. Passa a aceitar que o evento aconteceu e que precisa ser forte e mudar, que seu pranto e reclamações não trarão o passado de volta e se prepara para trabalhar em seu futuro, positivamente.

Esses estágios estão sendo claramente percebidos por nós, terapeutas e instrutores do Instituto Ráshuah do Brasil, em nossos alunos e pacientes friburguenses—e estão também atingindo e modificando negativamente o comportamento emocional de toda a família dessas pessoas, inclusive as crianças pequenas que teoricamente não teriam a compreensão racional do evento, mas que sofrem esses efeitos através de seus pais e irmãos mais velhos.

Em épocas de grande instabilidade social, como aconteceu também com nossos alunos cariocas no evento da chamada Pacificação das Comunidades no Rio de Janeiro, o reflexo no comportamento emocional é evidente, e bastante destrutivo.

Como se pode observar através do Modelo Kübler-Ross exposto acima, são esperados esses cinco estágios emocionais, que passam da negação à reação, restabelecendo assim o modelo comportamental anterior à tragédia—mas trazendo consigo agora a nova experiência que poderá acrescentar novos e mais altos valores humanos às pessoas. Porém, cada um passa pelos estágios de uma forma e fica em cada um o tempo que precisar. Digo precisar, pois alguns conseguem reverter mais rapidamente do que outros a inércia em ação positiva. Outros levarão mais tempo. E outros ainda podem sequer conseguir sair de uma desses estágios negativos.

Mas o que influencia a rapidez com que um indivíduo consegue começar a lidar com a experiência traumática positivamente?

Por mais estranho que possa parecer, será o grau de amor e desapego que essa pessoa tem que fará com que mais rapidamente deixe de pensar tanto em si, em suas próprias perdas e comece a olhar para seu semelhante, se preocupar e ocupar menos consigo mesma e olhar mais para o outro no sentido fraterno.

Essas foram as pessoas que superaram a si mesmas em termos emocionais e físicos durante a tragédia de 12/01/2011. Como os valorosos homens do nosso Corpo de Bombeiros e Defesa Civil, por exemplo, além dos cidadãos que foram para as ruas, que se esqueceram de si mesmos naquele momento, de suas próprias casas também inundadas e destruídas e lutaram pela vida dos outros, resgataram pessoas dos escombros, foram para os pontos de apoio distribuir alimentos e água, dar apoio emocional e acolhida amorosa aos que chegavam. Esquecendo de suas próprias casas cheias de lama, pegaram vassouras e foram lavar as escolas, os galpões, abrir espaço para receber os desabrigados.

Esses foram os cidadãos que saíram engrandecidos em caráter e amor, que tiveram um imenso ganho emocional que suplantou suas próprias perdas e dor. Amor! O grau e capacidade de amor, união, comprometimento com a vida, são a forma que temos para medir o quanto podemos realmente reerguer essa cidade e as famílias friburguenses, unidos, trabalhando em uníssono com nossos vizinhos e companheiros do caminho.

Esse é o tratamento pós-traumático que está salvando nossos alunos e pacientes e aos que estão fazendo isso instintivamente—união, desapego e amor.

Nova Friburgo tem diante de si um grande desafio, mas também uma oportunidade única de crescimento de consciência, união e ações positivas.

E tudo vai depender da escolha que fizermos entre continuar a sermos egocêntricos e críticos—o que nos torna vítimas e cada vez estabelece mais um estado de autoestima baixa, falta de poder e medo—ou nos unirmos em atitudes positivas e amorosas em prol do todo, de uma nova consciência e formas de ver, lidar e sentir nosso povo, família e cidade.

Qual será sua escolha?

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