"Essa lua, esse conhaque, botam a gente comovido como o diabo"

O que você precisava saber sobre a depressão sazonal
sexta-feira, 17 de junho de 2016
por Ana Blue
"Os Comedores de Batata", de Vincent van Gogh

“Nunca parei para pensar se há relação entre depressão e inverno. Mas, por coincidência ou não, minhas piores crises foram justamente em junho e julho” (D.E., 22 anos, jornalista)

Naquela noite, o combinado era cada um dormir na sua própria cama. Embora os três amigos costumassem dormir na casa de um deles, geralmente aos sábados, aquele era um dia de semana normal, sem festa, sem farra, e todos acordariam cedo no dia seguinte, cada um com os seus afazeres. Mas, no fim das contas, ajeita dali e busca edredon de lá, dormiram os três na casa do amigo. Ninguém conseguiu sair porque estava muito frio lá fora.

De pé, na cozinha, enrolados em cobertores, um breve desentendimento. A janta estava por fazer e a pia acumulava louça de outros carnavais, mas quem dos três tiraria a mão do bolso pra encostar na água fria? O dono da casa decidiu as tarefas: um lavou, o outro cozinhou, o terceiro arrumou a mesa e as camas. Em comum, aquela marcha lenta e resmungona típica do frio. “Será que estamos todos deprimidos? Esse frio está acabando com a gente”. Foi aí que eu reparei no cenário de desânimo, carência e mau humor em volta, que só cessou ao primeiro sinal de oásis representado pelo prato de macarrão com queijo quente sob a mesa. A cena me incitou uma curiosidade: se fosse verão, a noite acabaria triste desse jeito?

Antes de tudo, é preciso entender que a tristeza fina dos dias banais é considerada saudável; uma sensação momentânea e até importante, pois ajuda na construção dos mecanismos internos de enfrentamento das nossas crises. Quando as pessoas são atingidas pela ocorrência de perdas, por exemplo, costumam passar por uma fase de sofrimento e de angústia que pode até se prolongar por um determinado período, mas este cenário triste se atenua e a vida vai retornando ao seu normal, voltando a ter cheiros, cores e sabores. Entretanto, se a tristeza não passa, e se começam a surgir outras sensações como indiferença, desesperança, apatia, e se essa falta de prazer pela vida persistir, é possível que a pessoa esteja desenvolvendo um quadro depressivo.         

A depressão não é um mero estado de tristeza ou desânimo — estes são sintomas; a depressão é uma doença séria, não podendo ser “escolhido” sentir-se de outro modo. Hipócrates, considerado o pai da Medicina, descreveu seis doenças mentais, dentre elas a depressão, há aproximadamente 400aC. Os sintomas da depressão podem aparecer ou desaparecer de maneira sutil, quase imperceptível, mas é essencial saber que eles podem voltar — e que são sintomas, não escolhas. Ninguém fica desanimado porque quer. A depressão precisa de tratamento como qualquer outra doença, e é fundamental que as pessoas deprimidas entendam que nada disso é culpa delas, assim como a cura não depende apenas da tão citada ‘força de vontade’. E que mesmo a desesperança mais profunda pode ser parte, mais tarde, de um processo de evolução.

A depressão sazonal

 

“Eu sempre achei que no inverno eu podia ficar deprimida em paz e no verão, não. No verão existe uma certa obrigatoriedade de ‘ser feliz’. No frio pode-se dar a desculpa de que está muito frio pra sair e isso as pessoas respeitam” (M.S., 28 anos, redatora publicitária)

        

Muitas pessoas apresentam, em grau maior ou menor, alterações do apetite, sono, energia e humor ligadas às estações do ano ou à luminosidade do dia. O frio nos deixou cabisbaixos, famintos, mal humorados e absolutamente sem vontade de agir, mas isso não era um sintoma de depressão — apenas da tristezinha fina das cotidianidades. Mas, para alguns psiquiatras, o frio realmente é capaz de potencializar os sintomas da depressão nos indivíduos acometidos pela doença, num fenômeno conhecido como depressão sazonal.

A rigor, a alteração de humor não seria motivada pela baixa temperatura, mas sim pela diminuição da luminosidade, comum nessa época, e que pode ocasionar o aumento da melatonina, um hormônio que regula o sono e que é produzido no escuro, tanto quanto a diminuição de serotonina, pois ela atinge seu pico quando a pessoa é exposta à luz. 

A depressão sazonal não é exclusiva do inverno. Ela pode ocorrer em quaisquer locais em que haja baixa da luz natural. Maior sonolência, aumento de apetite — especialmente por doces e carboidratos —, mudanças na energia e motivação, alterações de humor e piora da tensão pré-menstrual são os sintomas mais comuns.

“Costumo me sentir pior em dias quentes porque apesar de ser friburguense, eu moro no litoral, onde quase todo mundo está sempre animado e isso me faz notar minha própria falta de ânimo pra sair de casa e ver pessoas. No inverno a gente fica um pouco mais introspectivo, e isso até me conforta um pouco” (M.A., 20 anos, bartender)

A piora dos sintomas da depressão no inverno, no entanto, não é uma realidade para todos que vivem com a doença. Como se pode ler ao longo desse texto, algumas pessoas acreditam que justamente o tempo mais frio estimula mais as atividades caseiras, evitando, assim, a sociabilidade quando não estamos dispostos a ela.

A depressão sazonal é mais frequente em mulheres que em homens, e a faixa etária mais acometida é entre os 20 e 40 anos, mas pode ocorrer em todas as idades, inclusive em crianças. Parece haver uma predisposição genética: pessoas com familiares que sofram de depressão ou distimia têm maior probabilidade de sofrer de depressão sazonal.

É importante ressaltar a diferença entre tristeza e depressão, já que é preciso tratamento e medicação para que a pessoa possa lidar com os sintomas e enfrentar a doença — devidamente acompanhada dos profissionais médicos específicos. E ter em mente que não necessariamente um jururu de inverno vai significar jururu pra sempre.

A quem não sofre com o ‘mal do século’, resta o respeito e a busca pela informação. Ah, e se puder aquecer um coração triste nesse inverno, melhor ainda.

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TAGS: inverno | temperatura | depressão
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